OS – Acabamos de sair do plebiscito popular sobre a Alca com a participação de mais de dez milhões de pessoas. Para você, qual a relação deste plebiscito com as eleições presidenciais e o futuro do país?
Zé Maria – O Plebiscito, sem dúvida, vai dar um grande impulso à campanha contra a ALCA. Realizado apesar do boicote da mídia e da própria direção do PT, possibilitou um grande processo de debates, de informação e de formação que atingiu milhões de pessoas por todo o país. Na verdade o processo foi muito mais amplo que os dez milhões de votos que foram recolhidos. Aliás, se tivéssemos mais estrutura, teríamos colhido muito mais votos. Demonstrou que, ao contrário do que diziam alguns, de que o povo não entende nada desse assunto, que o povo entende sim quando se discute com ele. E mais, que há um sentimento crescente na base da sociedade, contra o domínio das multinacionais e dos bancos internacionais, representados pelo governo dos Estados Unidos, sobre a vida do nosso país. Na verdade este debate deveria estar sendo o debate central das eleições, pois trata de questão central para o futuro imediato do nosso país. No entanto, lamentavelmente apenas o PSTU levou essa discussão para a campanha e para a TV. Os outros candidatos preferiram varrer o assunto para debaixo do tapete. A campanha de qualquer maneira vai seguir. A plenária que realizamos em Brasília definiu os próximos passos, A idéia é seguir e ampliar o debate na base da sociedade, e realizar ações de massa que aumentem a pressão sobre o governo (o atual e o próximo, seja ele qual for) para que retire o Brasil das negociações da ALCA e para que rompa o acordo que entrega a Base de Alcântara para controle dos EUA.
OS – Qual a sua opinião sobre o novo acordo de FHC como o FMI, realizado no apagar das luzes do seu governo, e o apoio dado pelos quatro principais candidatos a este acordo?
Zé Maria – A estratégia do imperialismo para a América Latina está assentado num tripé: a dominação comercial e política, via a ALCA; a dominação militar, via as bases militares (por isso Alcântara) e a dominação econômica, via acordos do FMI e o mecanismo das dívidas externa e interna. Essa é a razão pela qual a continuidade da campanha contra a ALCA vai ser enfocada desde esse ponto de vista mais abrangente. O último acordo feito pelo governo brasileiro com o FMI atende à essa estratégia do império. Não foi um acordo para salvar o Brasil. Foi um acordo que submete ainda mais o nosso país aos interesses dos bancos internacionais e das multinacionais. As conseqüências desse acordo já são visíveis na proposta de orçamento para 2003 que o governo acaba de enviar ao Congresso. Nesta proposta reduzem-se as verbas de investimento do Estado, as verbas para educação, saúde, moradia, saneamento básico, agricultura, etc. É para atingir o famoso superávit primário de pelo menos 3,75% do PIB. É assim que está escrito no acordo: pelo menos 3,75% do PIB. Os candidatos que apoiaram esse acordo, e agora dizem que não sabiam disso, ou não estão dizendo a verdade (porque a verdade é indefensável) ou são tão ingênuos, foram “enrolados” com tanta facilidade que há que se questionar como pessoas assim podem pretender dirigir o país. Bem, não nos parece que esses candidatos sejam ingênuos… É bom, esclarecer que o fato de Serra, Ciro Gomes e Garotinho terem apoiado o acordo não nos estranha. Esses três senhores são – cada um ao seu estilo – representantes dos empresários e banqueiros desse país e não se pode esperar nada deles a não ser mais desemprego, mais fome, mais miséria. O lamentável é que tam,bem Lula tenho ido lá se comprometer com o apoio ao acordo com o FMI, com a continuidade do pagamento da dívida externa, com a manutenção dos contratos, etc. Como é que ele vai cumprir as promessas que tem feito na televisão? Não vai, porque é absolutamente impossível gerar empregos, investir na saúde, educação…sem romper com o FMI e parar o pagamento da dívida externa.
OS – As atuais turbulências do mercado financeiro são fruto tão somente das indefinições no quadro das eleições presidenciais diante da hipótese da vitória de Lula? Há estabilidade econômica ou estamos montados num barril de pólvora?
Zé Maria – A instabilidade econômica que o país atravessa não tem nada a ver com as hipóteses de resultado das eleições. Ela se deve ao modelo econômico implantado no país por FHC, que devastou a economia do país para assegurar lucros fabulosos aos bancos e multinacionais, deixando um grau de endividamento que coloca o Brasil à beira da insolvência, mesma situação vivida pela Argentina desde dezembro do ano passado. Essa é a razão do “nervosismo” dos especuladores internacionais: o medo de não receber o volume fabuloso de dólares que o Brasil manda para eles todos os anos (neste ano serão cerca de 26 bilhões de dólares somente para pagar juros). A seguir no rumo que estamos indo vamos viver o mesmo colapso que vive a Argentina, que terá conseqüências devastadoras sobre o nosso país – que já tem duas argentinas passando fome (52 milhões de pessoas vivendo na indigência, conforme a Fundação Getúlio Vargas). Os quatro candidatos que se reuniram com FHC comprometeram-se em manter esse rumo da economia, exigência dos banqueiros internacionais, mas obviamente não querem discutir isso pela televisão, pois desmascararia as promessas que estão fazendo em seus programa eleitorais. Manter a atual estabilidade monetária significará concretamente aumentar ainda mais o desemprego – que já atinge 12 milhões de pessoas – e aumentar ainda mais a pobreza do povo.
OS – Serra e Lula elegeram como uma de suas principais bandeiras programáticas a geração de emprego, um fala de gerar oito milhões de empregos e outro em dez milhões. Mas quando se pergunta como conseguir isso, ambos apostam no crescimento econômico na ordem de 4% a 6% do PIB ao ano, num quadro de recessão onde o país mantém um crescimento pífio que oscila entre 1% e 2%. Como o PSTU propõe atacar o problema do desemprego?
Zé Maria – Não há solução para a questão do emprego no rumo que estes candidatos tem proposto. Ao contrário, esse rumo vai é gerar mais desemprego. O PSTU propõe uma combinação de três caminhos para geração de empregos: 1) redução da jornada de trabalho, sem redução dos salários, para 35 h semanais, caminhando para a adoção de uma escala móvel de horas de trabalho, de modo a distribuir a quantidade de horas de trabalho existentes entre o número de trabalhadores existentes, gerando uma situação de pleno emprego. Um aumento geral dos salários também seria medida importante para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e também para a geração de empregos, pois fortaleceria o mercado interno do país, com mais dinheiro em circulação; 2) a realização de uma ampla reforma agrária, sob controle dos trabalhadores rurais, que distribua a terra a quem nela queira trabalhar, gerando empregos e aumentando a produção de alimentos para o nosso povo. A reforma agrária, obviamente terá que vir acompanhada de política agrícola que assegure financiamento e apoio técnico e tecnológico aos pequenos agricultores; 3) um grande plano de obras e políticas públicas, que construa escolas, hospitais, moradias populares, redes de saneamento básico, obras de infra-estrutura, que contrate e pague decentemente mais trabalhadores para a educação pública, para a saúde pública, para a assistência aos idosos, para creches, etc, etc. Dessa forma se garantiria melhoria significativa na vida do povo, ao mesmo tempo em que se geraria empregos. O financiamento de tudo isso seria garantido com a suspensão do pagamento da dívida externa, com a estatização dos bancos e o redirecionamento dos seus recursos.
Qual a sua opinião sobre os movimentos feitos por Lula para acalmar o mercado diante das novas turbulências que levaram à alta do dólar, queda das bolsas e aumento do chamado “risco país”?
Zé Maria – Os compromissos que feitos por Lula junto aos banqueiros e grandes empresários são a expressão mais triste da rendição da direção do PT frente às premissas desse modelo que aí está e que já produziu o maior desemprego da história do nosso país e colocou quase um terço da população vivendo abaixo da linha de pobreza. Pode ser que ajude a dar votos, a ganhar as eleições. Mas o custo é o abandono das propostas de mudanças no país, necessárias para que o povo tenha vida digna. O resultado disso, num eventual governo, vai ser uma decepção monumental com Lula e com a esquerda que lhe der sustentação, pois um governo que ao invés de atacar, é servil dos banqueiros, vai acabar atacando os trabalhadores. Foi o que aconteceu na Argentina com De La Rua, que acabou levando à desmoralização da esquerda daquele país que deu sustentação e participou do seu governo.
Recentemente vimos um importante crescimento de Lula nas pesquisas de intenção de voto. Na última pesquisa do DataFolha, por exemplo, Lula aparece com 44%. A imprensa burguesa e, inclusive, a propaganda de José Serra, levantam a possibilidade da vitória de Lula no primeiro Turno. Qual a sua opinião sobre isso? O PSTU retiraria a sua candidatura para facilitar a vitória de Lula no primeiro turno, por exemplo?
Zé Maria – Não há hipótese de isso acontecer. O voto tem conseqüências. Pode fortalecer uma proposta boa ou uma proposta ruim. Frente às alternativas existentes nessas eleições e ao conteúdo político de cada uma delas, seria um crime político a retirada da candidatura do PSTU. Voto útil não pode ser confundido como o voto no candidato que vai ganhar. Para o PSTU, voto útil no primeiro turno, portanto, é o voto na melhor proposta, é o voto contra a ALCA, contra o pagamento da dívida externa, contra os acordos com o FMI. Portanto voto útil é o voto no 16!
Como você avalia a campanha eleitoral do PSTU até aqui? Como tem sido, por exemplo a relação do partido com os movimento sociais? O PSTU ficou isolado ou levantou simpatias? A campanha vem correspondendo aos objetivos e as expectativas do partido? Você acha que é uma campanha vitoriosa? Porque?
Zé Maria – A campanha do PSTU está sendo amplamente vitoriosa. Estamos construindo um projeto para o futuro, uma ferramenta para os trabalhadores e para a juventude brasileira levarem adiante a luta por uma transformação social em nosso país. O espaço político para a construção dessa alternativo tem sido muito grande, expressando o avanço da experiência de uma parcela importante da nossa classe com o processo vivido pelo PT, por exemplo. O partido já está crescendo, e deve crescer ainda mais até o final da campanha, a contribuição que demos à campanha co0ntra a ALCA e à preparação do plebiscito foi também muito importante.
No aspecto eleitoral é difícil prever qual será o resultado, apesar de que até neste campo creio que o partido vai crescer. Obviamente que o crescimento eleitoral seria maior se não houvesse o boicote da mídia, principalmente da televisão, que atingiu duramente a nossa candidatura.
Para finalizar. Com sabemos, o PSTU é um partido militante, não se organiza somente para disputas eleições. Que recado você daria aos companheiros que se aproximaram do partido durante esta campanha eleitoral?
Zé Maria – Que venham nos ajudar a construir o PSTU. A luta dos trabalhadores e jovens do nosso país precisa de uma ferramenta revolucionária para levar a uma transformação social que sepulte de vez a exploração do capitalismo, a discriminação racial, a opressão da mulher, dos homossexuais, e abra caminho para a construção de uma sociedade igualitária, socialista.
A polarização social, a radicalização das lutas sociais que caracteriza hoje a situação dos demais países da América do Sul vai atingir brevemente o nosso país. Precisamos preparar conscientemente esse processo de lutas em nosso país para que elas nos permitam realizar esse sonho de m7udança.O PSTU é hoje o ponto de apoio que temos para construir esse instrumento político para a luta do nosso povo: um partido para a revolução brasileira.