Frente Ampla assume governo de transição espelhada no governo LulaO novo parlamento uruguaio tomou posse no dia 15 de fevereiro. Por 15 dias, José “Pepe” Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro, presidirá provisoriamente a Assembléia Geral (o Parlamento uruguaio). Em 1º de março, ele dará a posse a Tabaré Vázquez, da Frente Ampla.

A eleição de Tabaré Vázquez marca o fim de um período de 174 anos em que os partidos conservadores Blanco e Colorado se revezaram no poder. A Frente em torno de Tabaré Vázquez também elegeu a maioria no Senado, com 17 dos 31 senadores, e na Câmara dos Deputados, com 52 dos 99 deputados.

A guerrilha se transforma em partido eleitoreiro
Porém, mais que o fim de um ciclo dominado por Blancos e Colorados, a eleição e posse desta frente marca também as conseqüências da adaptação cada vez maior das esquerdas na América Latina ao regime democrático burguês. José “Pepe” Mujica, ex-guerrilheiro do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, é o maior símbolo das mudanças ideológicas pelas quais passou a esquerda uruguaia.

O Movimento dos Tupamaros foi uma guerrilha urbana que ficou conhecida internacionalmente e promoveu desde os anos 1960 ações radicalizadas no Uruguai. A partir de 1985, porém, o grupo foi aos poucos se incorporando ao regime e adaptando sua política. A pressão da democracia burguesa fez o partido abandonar os trabalhadores para se dedicar exclusivamente ao calendário eleitoral. “Deixamos de ter relação com os trabalhadores e passamos a nos relacionar somente com os dirigentes burgueses dos partidos reformistas”, relata Jorge Zabalsa, ex-dirigente dos Tupamaros, que rompeu com a Frente Ampla e que participou de um debate promovido pela Conlutas no Fórum Social Mundial.

Os líderes da coligação não escondem que têm como modelo o Partido dos Trabalhadores brasileiro e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem Tabaré Vázquez é admirador confesso. Na mesma linha do PT brasileiro, a guerrilha que surgiu das lutas radicalizadas se adaptou ao regime democrático burguês e passou a ter a via eleitoral como principal alvo de suas ações.

O governo que se anuncia
A vitória desta frente, apesar de suas degenerações, representa um desejo de mudança por parte dos trabalhadores do país. O Uruguai hoje está profundamente atrelado à política do Fundo Monetário Internacional e possui uma dívida externa equivalente a 106% do PIB do país. Mais de 30% da população vive abaixo da linha de miséria. O nível de vida que antes existia baseado em um “estado de bem estar social” está aniquilado. Por causa da falta de perspectivas e empregos, muitos jovens uruguaios estão abandonando o país. A diáspora uruguaia soma, hoje, 400 mil pessoas, numa população de 3,5 milhões.

Diante de tal situação, o mais óbvio a se fazer, principalmente em se tratando de um governo que se auto-intitula de esquerda, seria não pagar a dívida e romper com o FMI. Entretanto, antes mesmo de assumir, Vázquez já disse que honrará os compromissos do país. A primeira demonstração disso foi a designação do senador Danilo Astori para o Ministério da Economia, com objetivo de tranqüilizar os mercados. A exemplo de Lula, Vázquez também já estabeleceu o Mercosul como prioridade da política externa de seu futuro governo.

Sobre todo esse realinhamento político, Tabaré Vázquez declarou pouco antes das eleições que “o mundo mudou, a região mudou, nosso país também mudou. E uma força política que não assuma essas mudanças está condenada a desaparecer por ser anacrônica e incoerente“.