Na quinta, 10 de outubro, o dólar bateu recorde e superou os 4 reais. Para José Martins, “Enquanto a nação se distrai com as eleições, a crise não pára de aumentar. O reak está mais fraco que o peso argentino”

JOSÉ MARTINS,
Economista do 13 de Maio
Núcleo de Educação Popular

O governo não consegue mais rolar os títulos da dívida interna, nem mesmo aqueles indexados ao dólar. Todos querem fugir dos títulos do governo e “ficar líquidos”, quer dizer, com papel moeda na mão ou nos depósitos à vista. Os mais poderosos compram dólar-moeda e mandam para Miami e outros paraísos fiscais pelo mundo afora. E o Banco Central, como se nada estivesse acontecendo, continua bombeando grandes volumes de dólares das reservas internacionais do país para o mercado global fazer essas operações.

Na Argentina de Cavallo também foi assim. Deram prazo suficiente para que os capitalistas e bancos remetessem à vontade dólares para fora. Quando os pequenos e médios depositantes pensaram em sacar seus depósitos, já não tinha mais nem um tostão nas suas contas bancárias. Nesse meio tempo, Cavallo já tinha decretado o corralito.

Como ocorreu com a Argentina, no Brasil também estão sendo subtraídas massas monumentais das reservas internacionais do país: mais de 250 milhões de dólares por dia. Neste passo, o país chegaria no final de novembro com menos de 10 bilhões de reservas internacionais. Só para comparar, as reservas internacionais da Argentina estão em 9,4 bilhões de dólares, neste momento. Não segura mais nada. A economia não tem mais sangue nas artérias.

Os títulos da dívida externa fecharam a última semana de setembro valendo menos de 0,50 do seu valor de face. Isso quer dizer, no mercado, que a dívida externa brasileira é irrecuperável. Por isso, ninguém dá mais nem um tostão de crédito para o Brasil. Nem para as grandes empresas nem para os grandes bancos. Nem carta de crédito para exportação eles concedem. É o Banco Central que está financiando as exportações, com linhas de crédito bancadas também com as reservas internacionais. A máfia dos exportadores é a única que ganha com essa privatização das reservas. Isso nunca tinha acontecido na história da economia brasileira.

O Brasil foi desligado do sistema de crédito internacional. Os famosos investidores externos se mandaram. O país já está sofrendo as retaliações externas de uma moratória, mesmo que ela não tenha ainda sido decretada.

MORTE SÚBITA

Quanto mais se prorroga a oficialização das moratórias interna e externa, maiores os danos futuros na economia. A moratória, a centralização do câmbio e a estatização do comércio exterior (principalmente as importações) já deveriam ter sido executadas entre maio e junho deste ano, quando surgiram os primeiros sinais da atual crise. Agora é tarde, a vaca já foi pro brejo.

Mas o governo continua insistindo que o Brasil tem condições de pagar suas dívidas internas e externas e evitar a moratória. É mentira. Querem apenas ganhar tempo. Aquele “pacote de 30 bilhões do FMI” do mês passado foi só para ganhar esse tempo. E ganhar muito dinheiro, também.

Existem também motivações políticas: a ordem dada por Fernando Cardoso à sua equipe econômica foi de jogar para o próximo governo o ônus político e histórico de oficializar a moratória. Mas, devido ao forte agravamento da situação, começa a enfrentar maiores dificuldades para chegar em 1o de janeiro segurando essa bomba sem estourar.

VOTO DE CABRESTO
O único trunfo do atual governo para prorrogar até janeiro a explosão é o ambiente eleitoral, que todos estão alegando como o fator principal das crescentes turbulências econômicas. É exatamente o contrário. Se toda a nação – principalmente os sindicatos e movimentos sociais – não estivesse hipnotizada e amarrada na campanha eleitoral, a bomba já teria estourado.

Mas o que tem que se observar, também, é um outro importante detonador do desenlace da crise. A crise econômica mundial – quer dizer, o duplo mergulho e a conseqüente depressão global – está se desenhando como uma possibilidade cada vez maior. As Bolsas de Nova Iorque, de Londres e Tóquio estão mais vulneráveis do que nunca estiveram, nos últimos cinqüenta anos, para um grande desabamento.

O BODE SOBE A RAMPA
Lula da Silva declarou recentemente que “no meu governo o FMI não vai dar palpite”. Esqueceram de dizer-lhe que no governo de Fernando Cardoso o FMI também não dá palpite. O FMI governa. Na realidade, é o presidente que dá palpites para o FMI.

Mas se Lula da Silva fez aquela declaração e depois ficou preocupado com que os investidores poderiam duvidar da sua fidelidade e das suas reais intenções quando se instalar na cadeira ainda quente de Fernando Cardoso, pode parar de se preocupar. Depois do Ibope, Datafolha e Vox Populi, agora é o próprio FMI quem acaba de antecipar o nome do próximo presidente: “Diretor-gerente do FMI comete ato falho com ‘Mister Lula’. O diretor-gerente do FMI, Horst Köhler, teve um ato falho durante sua entrevista coletiva desta quinta-feira, no qual pareceu indicar que já considera Luís Inácio Lula da Silva o próximo presidente do Brasil. (…) O candidato do PT foi o único citado pelo nome quando o diretor-gerente disse que ‘o que eu ouço dos candidatos, todos os candidatos, incluindo também o Mister Lula, é que ele (sic) quer explorar o potencial de crescimento, que é melhor veículo, avenida para mover em frente e manter sustentável a situação da dívida” (Agência Estado, 27/09).

Fim do mistério. Se ainda havia alguma dúvida quanto à autorização do FMI para que Mister Lula seja o próximo presidente, agora não há mais. Eles acabam de anunciar para toda a comovida nação que não têm mais nenhuma dúvida que Mister Lula é o bode expiatório perfeito que eles estavam precisando. Assim, Mister Lula já pode comprar um terno novo (ou vários, fique à vontade) para a grande festa da sua posse na presidência desta imensa massa falida chamada Brasil.

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