Haitianos refugiados em Criciúma (SC)
Foto Cáritas

Do ponto de vista racial e da história de lutas de negros e negras não só do Brasil, mas de todo mundo, um dos mais imperdoáveis desmandos e erros cometidos pelos governos do PT é a ocupação, há dez anos, do território do Haiti, que entrou para a História  como a primeira República Negra, ao fazer uma vitoriosa revolução contra os senhores de escravos, em 1804.

A ocupação do país pelas forças da Minustah resultou em todo tipo de barbaridade ao já sofrido povo haitiano, particularmente depois do terremoto que devastou o país, em 2010, deixando centenas de milhares  de mortos e feridos: da criminalização e perseguição daqueles que resistem à ocupação aos estupros já muitas vezes denunciados; da corrupção à ação criminosa e violenta dos militares (muitos deles transferidos para as assassinas Unidades de Polícia Pacificadoras que vitimaram Amarildo e tantos outros no Rio de Janeiro.

Se isto tudo não bastasse, os governos do PT ainda são responsáveis por outra situação lamentável: a existência, hoje, de dezenas de milhares de refugiados haitianos no Brasil, que fogem da desesperadora exploração que os militares garantem através da opressão e da repressão generalizadas.

Criciúma: onde o Haiti e a África se encontram
Criciúma, no estado de Santa Catarina, há tempos, tem recebido um enorme número de haitianos e, principalmente desde junho (quando a entrada de estrangeiros aumentou em função da Copa), a presença de trabalhadores e jovens do país caribenho tem sido acompanhada por outros irmãos negros que também fogem da miséria: africanos de Gana, Senegal e Uganda e de outros países de nosso “continente mãe”.

Muitos deles tendo feito um enorme sacrifício para levantar os cerca de R$ 9 mil cobrados por atravessadores (“gatos” ou “coiotes”, como são conhecidos). Em relação aos haitianos, Criciúma não é a primeira parada para a maioria. Centenas já passaram pelo Acre, onde o descaso das autoridades resultou em milhares vivendo em tentas, sem alimentos, roupas, condições mínimas de higiene ou quaisquer perspectivas. Uma realidade que pouco mudou em Criciúma, onde a situação dos africanos também é terrível.

Dentre os cerca de cerca de 1.600 imigrantes africanos, 90% são ganeses (provenientes de um país onde o desemprego beira 30% e muitos recebem salários equivalentes a R$ 300), cuja situação, no Brasil, pode ser exemplificada por uma denúncia feita no início de julho levou à descoberta de nada menos que 65 deles vivendo em uma única casa, onde existem apenas três colchões. Uma situação que está longe de ser um fato isolado: pesquisas revelam que há cerca de 2000 africanos e haitianos vivendo em 26 casas (uma média de 76 por moradia), a maioria delas em situação de “vulnerabilidade”, ou seja, péssima.

Em julho, uma reportagem do grupo RBS, afiliada da Globo na região, expôs a miséria e condições subumanas em que estavam vivendo nossos irmãos negros, submetidos à fome, à falta de moradia, alimentos e até mesmo roupas e produtos de necessidade básica. Uma situação que só tem sido amenizada em função de uma série de iniciativas humanitárias, individuais ou coletivas, provenientes da própria população, que se mobilizou para garantir o mínimo de assistência aos refugiados.

O apoio do movimento
Diante de tudo isto, o movimento negro da cidade, convocou uma reunião do “Coletivo Chega de Racismo”, que tenho a honra de ter ajudado a criar, como militante da Secretaria de Negros e Negras do PSTU e do Quilombo Raça e Classe (entidade filiada à CSP-Conlutas).

O Coletivo foi formado, com outros companheiras e companheiros do movimento negro, para impulsionar a campanha em torno das cotas raciais, que não estavam sendo respeitadas pela prefeitura nos concursos que  ela realiza. Depois de uma discussão sobre o limitado alcance das propostas assistencialistas, o Coletivo tomou a decisão de formular uma série de reivindicações, exigindo políticas públicas que garantam que nossos irmãos permaneçam na cidade, com condições decentes e uma vida digna.

Com este objetivo, o Coletivo chamou uma reunião com Coordenadoria da Promoção Igualdade Racial do Município de Criciúma (COPIRC). Também organizamos um Micro-Fórum, com a Frente Negra formada com várias entidades do movimento negro da região que identificou que um dos maiores problemas dos refugiados é o protocolo que precisa ser expedido pela Polícia Federal para regulamentar a situação dos africanos e haitianos.

Diante disto, uma das principais reivindicações do movimento tem sido a regulamentação do status deles como refugiados com direitos plenos. Além disso, o movimento aprovou exigir ao governo Dilma que também assuma a responsabilidade em atender esses estrangeiros, garantindo direitos básicos e trabalho ao grupo. O descaso ou obstáculos criados pelo governo federal, por exemplo, é responsável pelo fato de que, dos 65 africanos mencionados acima, apenas dois tenham tido sua situação regulamentada (mesmo que de forma temporária), o que impede que todos demais tenham acesso a empregos e, consequentemente, vivam apenas de “bicos”, com a grande maioria dos refugiados.

A estrutura da Igreja católica para refugiados (Cáritas) também se mobilizou, organizando Fórum das Imigrações, com caráter permanente, incluindo outras entidades dos movimentos sociais, inclusive ganeses.  O Fórum, que contou com mais de 350 pessoas, aprovou as mesmas propostas

Xenofobia, racismo e o descaso dos governos
Toda esta movimentação em solidariedade com africanos e haitianos, contudo, não tem impedido o aumento das manifestações xenofóbicas e racistas. Houve, por exemplo, o caso de moradores que procuraram o Conselho de Segurança dos Bairros (CONSEG), motivados apenas pelo medo de existirem muito circulando pela cidade.

Em contraposição a boa acolhida é dada aos imigrantes europeus que desde sempre chegaram e ainda chegam à cidade, estas hostilidades são constantes e tem atingido o crescente número de refugiados, de diferentes países da África, que estão espalhados em vários pontos do Brasil.

Por exemplo, em uma entrevista a BBC Brasil, o congolês Carlos (nome fictício), que vive no Rio Janeiro  em uma favela do Rio de Janeiro, foi categórico: “Tem uma boa parte da população que luta contra isso, mas dizer que não há racismo não é verdade, existe racismo aqui”.

Isto tem intensificado a pressão do movimento – principalmente pelos movimentos negros do “Coletivo Raça e Classe”, que continuam se reunindo e mantendo sua autonomia – fazendo com que, por exemplo,a  prefeitura, que vale lembra, desrespeitou as cotas, tenha sido obrigada a marcar uma audiência, em Brasília, com a ministra Luiza Barrios, da Secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial(SEPPIR), mas mesmo assim boicotou nossa participação nesse reunião.

Essa audiência tinha por objetivo a obtenção de recursos do governo federal para os imigrantes africanos. E somente a constante pressão do movimento foi possível fazer com que representantes de Dilma viessem à cidade. Presente em Brasília, a companheira Maristela Farias, do Quilombo Raça e Classe e da Secretaria de Negros e Negras do PSTU, também contribuiu para isto ao questionar a ausência dos movimentos negros imposto pela prefeitura e a assessoria da ministra, que, de forma absurda, particularmente por uma Secretaria responsável a defender os direitos de negros e negra, também se recusou a receber o Coletivo.

Para o PSTU, uma questão de raça e classe
O boicote imposto pelos governos municipal e federal reflete o fato de que no Fórum das Imigrações, apesar de cumpriu um importante papel na luta, não há consenso em relação a como dar os próximos passos e qual deve ser nossa perspectiva para que realmente consigamos garantir os direitos e a dignidade aos africanos.

Por exemplo, a presença de setores governistas tem amenizado as críticas a Dilma ao PT, incluindo a tentativa de distanciar a situação dos refugiados da ocupação do Haiti, como também tem rejeitado uma política uma política de raça e classe.

No sentido contrário, contudo, principalmente as entidades do movimento negro, como o Quilombo Raça e Classe, defendem que a luta também tem se voltar contra a elite branca da sociedade, diretamente responsável pelo fato de não criar as condições necessárias para os africanos e haitianos com a finalidade de explorá-los ainda mais, na medida em que o desespero os leva a se submeter a trabalhos que chegam ao de “semiescravos”.  

Isso reforça a necessidade de um movimento independente dos governos e ao lado dos trabalhadores. E é também por isso que minha candidatura à vice-governadora, ao lado do nosso candidato a governador, como também e todos nossos candidatos e candidatas – não só de Santa Catarina como país afora – também estão a serviço da luta contra o racismo e a homofobia, em defesa dos africanos e haitianos refugiados em Caxias do Sul, Rio de Janeiro, Acre e tantas outras cidades.

Temos certeza que somente a luta dos trabalhadores, trabalhadoras, jovens e outros oprimidos – pelo machismo e a homofobia, principalmente – poderá garantir que os refugiados – como todos os que nasceram no Brasil – tenham seus direitos reconhecidos de forma definitiva pelo governo federal e que a prefeitura possam viver com dignidade, sem miséria e humilhações, se vendo livres da situação análoga à escravidão.