Há uma unanimidade na esquerda anticapitalista de que Bush quer recolonizar a América Latina e o mundo. Também há um acordo em que é necessário enfrentar, com a mobilização das massas, essa ofensiva imperial.

No campo, o projeto imperialista batizado de “revolução verde” aposta no agronegócio e põe toda a agricultura dos países pobres nas mãos de grandes empresas como Monsanto, Cargill, Bunge, ADM que controlam o comércio mundial de alimentos.

Também se repudia a relação colonial que perdura há mais de 500 anos no nosso continente, onde os países pobres são fornecedores de matérias-primas para o mercado mundial e compradores de produtos industrializados das metrópoles imperialistas.

Tudo isso é unânime na esquerda. A divergência começa quando se tem de responder ao que fazer para enfrentar essa situação: é possível conquistar a reforma agrária e a independência nacional sem romper com o capitalismo?

O que diz a direção do MST

João Pedro Stédile, principal dirigente do MST, em entrevistas, afirma que o Brasil tem uma “crise de destino, de projeto”, defende a democratização da propriedade da terra, através da reforma agrária. No livro A Opção Brasileira, defende uma “reforma estrutural na economia brasileira” e uma agricultura moderna, baseada na pequena produção, mas não se refere em nenhum momento a uma ruptura com o capitalismo.

Por outro lado, Stédile opina que Lula é um “amigo” e que o governo tem “ministros de direita, de centro e de esquerda” e que, por isso, não se deve atacar o governo, mas somente a alguns ministros e a política econômica do governo.

Porém, o governo Lula não é neutro: está do lado dos empresários e é o cimento que une a burguesia nacional com o capital estrangeiro. Sua aliança com a burguesia nacional levou-o a uma subordinação ao imperialismo.

Isso se comprova na capitulação do governo aos transgênicos. É a rendição aos interesses de uma transnacional, a Monsanto, contra toda a população brasileira. Por trás da Monsanto está o poder imperial dos EUA.

Com Lula, reforma agrária cai por terra

Existe um pacto entre empresários, banqueiros, latifundiários, corporações transnacionais e o governo de Lula em defesa do modelo agro-exportador. A cada ano, o agronegócio se expande destruindo a agricultura familiar e milhões de postos de trabalho. Em vinte anos a soja acabou com o cerrado do centro-oeste e agora avança sobre a floresta amazônica.

Hoje, Lula está aplicando o plano do Banco Mundial, através do “mercado de terras”, que consiste em facilitar aos latifundiários a venda das suas terras, reduzindo os prazos para resgate dos Títulos da Dívida Agrária, baixando de vinte para dois anos o pagamento dos títulos. Pelo alto preço da terra agora até essa falsa reforma agrária está questionada.

A direção do MST acredita que os ministros Miguel Rosseto e Marina Silva são “o braço do governo contra o agronegócio”, coisa que o próprio Rosseto desmente: “Não há, da nossa parte, nenhuma polarização com o agronegócio ou com qualquer setor produtivo”.

Qual a natureza de classe deste governo? É um governo burguês que serve aos empresários e ao imperialismo, como diz o PSTU, ou um governo em disputa, como fala a direção do MST? Dois anos de governo Lula demonstraram que tal governo não está “em disputa”. Isso ficou patente na recusa de Lula em participar da Conferência Nacional de Terra e Água realizada estes dias, que contou com milhares de trabalhadores sem-terra (ver páginas centrais).

O apoio crítico que a direção do MST dá ao governo é um erro fatal que desarticula, divide e desmoraliza a luta dos camponeses pobres pela terra e fortalece a saída “natural” que é o desenvolvimento do agronegócio.

Reforma agrária e revolução socialista

A reforma não será obra da boa vontade de uma suposta “burguesia nacional progressista”

A reforma agrária só virá junto com uma revolução socialista que rompa com o sistema imperialista. Essa bandeira não pode ser dissociada da luta da classe trabalhadora por sua emancipação.

Enganam-se os que crêem que podem consegui-la com o Estado comprando terras dos latifundiários e distribuindo-as pacificamente entre os camponeses. Esse sempre foi o esquema defendido pelos que acham que essa mudança pode ser feita nos marcos do capitalismo. E nunca foi aplicado no país, porque a grande burguesia não quer a reforma agrária.

A verdadeira reforma agrária deve aceitar a repartição dos latifúndios aos sem-terra, mas incentivar a formação de comunidades onde a terra não seja uma mercadoria e sim um bem social, de toda a população. Deve promover a propriedade social e a exploração coletiva. Desta forma, a terra se tornará indivisível e intransferível, isto é, não poderá ser vendida.

Também deve incorporar o acesso à terra, às condições para cultivar e para comercializar. Isso só é possível se for imposta a nacionalização dos bancos, das redes de supermercados e das grandes empresas agro-exportadoras.

Equivocam-se Stédile e a Consulta Popular quando crêem que algum setor patronal pode cumprir um papel progressista criando um “Estado nacional democrático e soberano” e que encabece uma “revolução democrática”. Nenhum setor empresarial está disposto a romper com o imperialismo e construir um modelo nacional autônomo.

Se essa visão predominar na esquerda levará à derrota da revolução brasileira, que vai confiar em setores “progressistas” da burguesia como já ocorreu no Brasil na década de 1960 com o governo de João Goulart.

A burguesia “brasileira” está associada umbilicalmente às grandes corporações transnacionais. Isso é o que explica sua capitulação geral ao modelo neoliberal e ao FMI. Hoje, já não lhes interessa a independência nacional e muito menos a reforma agrária, por ter também grandes extensões de terras.

O novo século que se inicia, abre a época das revoluções da segunda independência da América Latina. Nos grandes embates da luta de classes do continente, estão nascendo novos Bolívar, Rodríguez de Francia, José Martí, Artigas, O’Higgins.

Diferentemente dos séculos passados, esta segunda independência vai ser garantida pelas mãos calosas e rostos anônimos de milhões de operários e camponeses pobres e não por uma imaginária classe burguesa nacional “progressista”.

A revolução brasileira que se avizinha vai unificar a revolução social e a libertação nacional em um mesmo caudal, em uma só revolução socialista.

Post author Nazareno Godeiro, da Revista Marxismo Vivo
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