O governo anunciou recentemente o cancelamento da prova do novo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que seria realizada no meio do ano. A experiência trágica com o modelo deixou clara a demagógica proposta de unificar o vestibular. Depois da terceira e última etapa de seleção, ainda restam 7 mil vagas a serem preenchidas nas instituições de ensino superior que aderiram ao novo Enem (Folha de S. Paulo, 17/03). As aulas já começaram e 136 mil jovens estão numa lista de espera na expectativa de conseguir estudar numa universidade pública. Mas o festival de descaso e incompetência não para por aí. No ano passado, a prova vazou e foi adiada, e neste ano a lista de classificados divulgada no domingo, dia 14 de março, foi modificada 30 minutos depois. O episódio confundiu os estudantes. Quem pensava que estava aprovado perdeu sua vaga. Todos esses problemas significam muita coisa num país em que 96% dos jovens estão excluídos da universidade pública, tornando a conquista de uma vaga o sonho de milhões.

O Enem foi criado em 1998 e já era utilizado por algumas universidades como primeira fase do vestibular. Em 2009, o governo Lula reformulou a prova e anunciou o novo Enem como forma de ingresso nas universidades em alternativa ao vestibular. Junto com isso foi criado o Sisu, que é o sistema informatizado utilizado para selecionar os candidatos. As universidades podem aderir ao novo Enem de quatro formas diferentes: como primeira etapa do vestibular; como critério de preenchimento de vagas ociosas; combinado com o vestibular tradicional; ou como fase única de seleção. O estudante faz a prova e pode escolher entre cinco opções de curso entre todas as universidades que aderiram ao programa.

Muita demagogia e nenhum avanço
O governo anunciou o Enem como o fim do vestibular. Na verdade, ele está muito longe de significar qualquer avanço na democratização do acesso ao ensino superior. O governo argumenta que a nacionalização da prova é um benefício para os estudantes de baixa renda e que, além disso, aumentaria o acesso às vagas das universidades mais distantes dos grandes centros. Tudo isso, porém, não passam de palavras vazias. O novo Enem é tão elitista e meritocrático quanto o vestibular. As vagas de todas as universidades do país são disputadas entre todos os estudantes. Vencem aqueles que tiveram melhores condições sócioeconômicas em seu ensino médio e que, portanto, poderão optar pelas melhores universidades.

Perto ou longe de casa está garantido o acesso ao ensino superior daqueles que podem pagar pelo ensino médio privado e também pelo deslocamento e custeio dos estudos em outra cidade. Para quem estudou na escola pública ou tem poucas condições de se manter longe da família, praticamente nada mudou.

As notas do último Enem demonstraram o que já era evidente: as desigualdades sociais e regionais definem quem tem ou não direito de estudar. A nota média geral dos estudantes que cursaram o ensino médio particular no Sudeste é 70,55, enquanto que a nota média dos estudantes que cursaram ensino médio público no Nordeste é de 44,93. É justo um sistema de seleção no qual esses estudantes competem por todas as vagas disponíveis nas universidades públicas brasileiras?

Tampouco as universidades localizadas fora dos grandes centros foram beneficiadas pela prova unificada. É justamente nelas que sobraram mais vagas após a segunda etapa de inscrições. Uma pesquisa do IBGE realizada em 2007 constatou que apenas 0,04% dos estudantes do primeiro ano do ensino superior vieram de outro estado. O novo Enem, portanto, não toca na raiz do problema da baixíssima mobilidade estudantil brasileira. A maioria das famílias não tem condições de manter o filho estudando em outra cidade e as políticas de assistência estudantil não chegam nem perto do mínimo necessário.

Investir em educação
Qualquer proposta de democratização do acesso à universidade sem aumento real das verbas da educação é pura demagogia. Nem o novo Enem, nem a expansão de vagas do Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) significam um avanço na democratização das universidades. O Brasil segue investindo pouco mais de 4% do PIB em educação, isto é muito menos que o percentual investido em outros países do mundo. Lula sequer retirou os vetos de FHC ao Plano Nacional de Educação (PNE) que impedem que 7% do PIB do país seja imediatamente investido. Com investimento adequado, seria possível investir no ensino médio e básico, aumentar substantivamente as vagas oferecidas no ensino superior e dar plenas condições de estudo, com moradia, bolsa e bandejão a todos os estudantes brasileiros.

Educação pública de qualidade para todos

Muitos dos que defendem os projetos educacionais de Lula pensam que o governo está fazendo o possível. Muitos pensam que a desigualdade e o fato de sermos um país pobre impedem o acesso universal ao ensino superior. Isso não é verdade. O Brasil é um país rico e teria total condição de fazer isso. Mas o governo Lula escolher um lado e priorizou os grandes empresários em seu governo. Em 2009, no auge da crise econômica, destinou R$ 1 bilhão para as faculdades privadas em crise, enquanto os milhares de estudantes inadimplentes ficaram à mercê do Cineb, uma espécie de SPC da educação criado pelos tubarões do ensino para impedir a matrícula dos inadimplentes em outras instituições de ensino.

Se a riqueza do país fosse investida na melhoria das condições de vida dos trabalhadores e da juventude, as coisas seriam bem diferentes. Por exemplo, se o pré–sal fosse 100% estatal, dobrar as vagas nas universidades públicas seria pouco perto do que poderia ser feito. É preciso suspender imediatamente os vetos do PNE, investir 10% do PIB em educação e assim constituir as bases para uma verdadeira democratização do ensino superior.

Post author Glória Ferreira, da Secretaria Nacional de Juventude do PSTU
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