Jeferson Choma, da redação

No dia 10 de abril, as agências espaciais da Europa e dos EUA apresentaram a primeira imagem de um buraco negro no Universo. Trata-se de uma descoberta do projeto do telescópio Event Horizon que envolveu oito telescópios de rádio interligados em distintos lugares do planeta.

Em tempos em que se virou moda falar de uma suposta eficiência da “iniciativa privada”, inclusive no campo das ciências, vale ressaltar que essa conquista científica é fruto de uma colaboração internacional de vários países, instituições e cientistas. Que não foi a iniciativa privada, nem a concorrência entre empresas que possibilitaram a primeira imagem de um buraco negro, mas a colaboração internacional de cientistas. Isso é um exemplo do que o futuro, em uma sociedade livre da concorrência capitalista e pautada na solidariedade e no bem-estar comunitário, poderia nos reservar no campo da ciência.

O buraco negro fotografado foi encontrado no centro da galáxia batizada de Messier 87 (ou M87) que fica a 53 milhões de anos-luz (unidade que corresponde à distância percorrida pela luz em um ano) ou a 500 quintilhões de quilômetros de distância da Terra. Na imagem que ganhou os noticiários do mundo, o que se vê é um aparente anel de fogo formado pelas ondas de luz que conseguiram escapar de serem sugadas pelo buraco.

Mas afinal, o que são os buracos negros? Por que o registro da primeira imagem foi tão comemorado?

Um pouco de história
Buracos negros foram imaginados pela primeira vez pelo naturalista inglês John Michell em 1783. Baseado na física de Newton, ele imaginou a existência de estrelas compactas e de massa tão densa a ponto de criar uma força gravitacional tão forte que até a luz não poderia escapar de sua ação. Naquela época, a ideia foi considerada tão absurda que foi ignorada até pouco tempo atrás.

A Teoria da Relatividade, formulada por Albert Einstein há mais de 100 anos, previa a existência de tais objetos superdensos. No entanto, nem o próprio Einstein acreditava que tal fenômeno pudesse acontecer na natureza. Mas para o assombro de todos, descobriu-se evidências da existência de buracos negros no universo.

Apesar de serem praticamente invisíveis, pode-se detectar um buraco negro pelo efeito de sua massa sobre o movimento de estrelas em uma dada região do espaço. Pode-se também detectar um buraco negro pela radiação emitida quando sua intensa atração gravitacional atrai a matéria de uma estrela companheira.

Em 1973, o satélite Uhuru (palavra suaíli para liberdade) identificou o buraco negro Cygnus X1 a partir de uma notável fonte de raio x que cintilava mil vezes por segundo. A emissão de raio x, gerados pelo atrito de poeira e gás em torno de Cygnus X1, advinda de uma provável estrela companheira, foi tomada como uma das evidências do buraco negro.

Em 1995, astrônomos identificaram Sagitário A* como um buraco negro que fica no centro da nossa galáxia, a Via Láctea. Trata-se de um buraco negro supermassivo, com mais de 4 milhões de massas solares, bem menor do que o que existe no centro de M87, cuja massa é 6,5 bilhões de vezes maior do que a do Sol. As observações de uma estrela orbitando ao redor de Sagitário A* foram usadas para mostrar a presença do buraco negro.

No entanto, todas essas observações eram evidências “indiretas”. Não havia uma imagem clara que refutasse qualquer contestação sobre a existência dos buracos negros, até a imagem “borrada” do centro de M87 ser publicada. Pela primeira vez olhos humanos puderam contemplar um dos objetos mais excêntricos e misteriosos da natureza.

O que são os buracos negros
Há dois tipos de buracos negros: os estelares e os supermassivos. Os estelares têm entre 5 e 20 vezes a massa do Sol e são originados pela explosão de uma estrela. Calcula-se que exista cerca de 10 milhões de buracos negros estelares na Via Láctea. Já os supermassivos são enormes buracos negros que existem no centro de algumas galáxias, como o que existe em M87 e na nossa Via Láctea.

Seu campo gravitacional é tão intenso que ele curva o espaço-tempo à sua volta. Nenhuma partícula, nem mesmo a luz consegue escapar do seu poder de atração. Daí o nome “buraco negro”. A borda de um buraco é chamada de horizonte de eventos, um ponto sem retorno para qualquer tipo de matéria (figura 1).

Lembremos que, segundo a Teoria da Relatividade, a gravidade é produzida pela massa dos objetos que deformam o tecido do espaço-tempo. Isso significa que um corpo muito massivo como o Sol encurva o espaço como uma bola de boliche sobre um colchão. Desse modo, os objetos com massa menor, como a Terra, seguem caminhos curvilíneos como os planetas e suas órbitas (figura 2).

Portanto, quanto maior a massa, mais intensa será a gravidade e mais acentuada será a distorção do espaço. Nessa comparação, o buraco negro seria uma espécie de poço sem fundo e possui uma gravidade tão poderosa a ponto de vencer a repulsão entre as partículas que compõe um corpo. Tecnicamente falando, o buraco negro é uma singularidade gravitacional.

Uma das hipóteses atuais é de que os buracos negros supermassivos coevoluiram com as galáxias desde o Big Bang. Indiretamente, eles seriam responsáveis pela configuração que conhecemos hoje das galáxias em razão do seu enorme poder gravitacional.

Mas esses grandes objetos também são cercados de mistérios e especulações teóricas. A Teoria da Relatividade prevê a existência dos chamados “buracos brancos”, um objeto teórico que funciona como um buraco negro “invertido”. Se o buraco negro é um objeto do qual nada pode escapar, a versão do buraco branco é de um objeto em que nada pode cair. Entre os dois haveria uma espécie de túnel chamado buraco de minhoca que levaria a outro lugar no tempo e no espaço. “Será que tais túneis de gravidade serviriam como uma espécie de metrô interestelar, ou intergalático, que nos permitiria viajar a lugares inacessíveis do Cosmos? Poderiam os buracos negros funcionar como máquinas do tempo, levando-nos a um passado remoto ou a um futuro distante?”, questionava Carl Sagan a partir de hipóteses formuladas pela Teoria da Relatividade de Einstein. Contudo, tais hipóteses são coisas de ficção científica, muito longe de ser comprovada pelos meios técnicos atuais. E por enquanto só levam a nossa imaginação a se debruçar sobre as bordas dos buracos negros.

Outra especulação é de que os buracos negros seriam o “fim da exitância matéria”, uma vez que nada escaparia da sua gravidade. No entanto, Stephen Hawking colocou em dúvida essa hipótese quando propôs que os buracos negros emitiam uma radiação térmica devido a efeitos quânticos.

Desse modo, a gravidade dos buracos negros seria só uma parte da realidade desses objetos. A Radiação de Hawking indicaria que os buracos não são tão negros assim e que o movimento da matéria vencia a luta contra a gravidade e ressurgia das entranhas do buraco negro, como radiação. Nesse sentido, buracos negros não seriam uma singularidade (que é uma abstração matemática, um ponto de dimensão zero com densidade infinita), resultado de cálculos simplificados, que não levam em conta a física quântica.

Talvez, como sugeria  Hawking, estejam nos buracos negros a chave para unificação entre a Teoria da Relatividade, que analisa os grandes fenômenos físicos do universo, com a física quântica, que estuda os fenômenos físicos de pequenas dimensões, abaixo da escala do átomo.

Em uma perspectiva filosófica, os buracos negros podem mostrar o devir da matéria, pois ao contrário de acabar, ela se transforma da atual forma como conhecemos em outras formas de existência em seu perpétuo movimento.

Ainda não sabemos o que acontece com a matéria que atravessa o horizonte de eventos dos buracos negros. Sequer sabemos como se comportam o tempo e o espaço após o horizonte de eventos. Mas a matéria não deixa de existir, como aponta Hawking, e pode assumir formas ainda desconhecidas por nós. Como vemos, os buracos negros estão longe de ser o “bicho papão” do universo. São uma porta para um conhecimento mais profundo sobre o universo, muito mais rico do que podemos imaginar.