É preciso lutar pela criminalização da homofobia no BrasilDia 18 de junho, bairro de Cidade Alta, centro de Natal. Eram 20h30 quando o travesti Lineker Silva Nascimento, de 21 anos, foi assassinado a tiros no cruzamento das avenidas Deodoro da Fonseca e General Osório. Segundo testemunhas, um carro se aproximou da vítima e um dos três ocupantes do veículo fez os disparos. Lineker morreu no local. Este foi o quinto homossexual assassinado só este ano na região metropolitana da capital do Rio Grande do Norte. Em comparação com o ano anterior, quando ocorreram dois homicídios, 2011 já registra mais que o dobro de assassinatos de homossexuais, o que demonstra um aumento assustador nos crimes motivados por homofobia.

Segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2010 foram mortos 260 gays, lésbicas e travestis em todo o país. Isso significa que a cada 36 horas um homossexual é assassinado no Brasil. Comparado com 2009, quando 198 pessoas morreram vítimas do preconceito, o ano de 2010 registrou um aumento de 31,3% nos assassinatos. Nas últimas três décadas, a homofobia já matou 3.300 homossexuais, sem que os governos tomem nenhuma medida efetiva para combater esses crimes.

Ainda de acordo com o GGB, o Nordeste concentrou 43% dos homicídios contra integrantes das comunidades lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Em entrevista ao Portal da Revista Época, o antropólogo Luiz Mott, fundador do grupo, afirmou que o risco de um homossexual ser assassinado no Nordeste é “aproximadamente 80% maior” do que no Sudeste. “O Brasil é o campeão mundial de crimes homofóbicos. O risco de um homossexual ser assassinado no Brasil é 785% maior que nos Estados Unidos”, sentencia o antropólogo.

Lamentavelmente, o Rio Grande do Norte está contribuindo para o aumento destes números. Nem mesmo as mínimas medidas são tomadas para combater o preconceito e dar proteção aos homossexuais. Prova disso é que o único centro de apoio a homossexuais do RN, ligado à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (Sejuc), está fechado desde que a atual governadora Rosalba Ciarlini (DEM) assumiu a gestão do Executivo.

Violência homofóbica com requintes de crueldade
Para se ter uma ideia do avanço da violência homofóbica na Grande Natal, basta constatar que no intervalo de apenas 15 dias a região metropolitana registrou três assassinatos de homossexuais. Todos os crimes foram marcados pelas mesmas características, repletos de requintes de crueldade. Nos três homicídios, a natureza homofóbica dos crimes pode ser identificada pela maneira como os assassinos agiram. Estrangulamento, estupro e agressões com pás e pedaços de motocicletas dão a dimensão do ódio dirigido às vítimas.

Nestes 15 dias, Caio Lennysson da Silva Costa, de 18 anos, foi o primeiro a ter a vida interrompida pela homofobia. Em São Gonçalo do Amarante, cidade vizinha da capital, o jovem sofreu um estrangulamento depois ter sido espancado e torturado. O corpo foi abandonado perto da casa onde morava o rapaz, junto com preservativos usados que indicavam o estupro. Três homens foram presos suspeitos de cometerem o crime. Eles eram vizinhos da vítima.

O vendedor de doces Milton Bezerra Furtado jamais será visto novamente em frente às escolas dos bairros Cidade Alta e Ribeira. Milton foi violentado a golpes de pá e encontrado morto no Alecrim, bairro comercial de Natal. O vendedor foi o segundo homossexual assassinado no período de 15 dias. O terceiro neste intervalo foi o cozinheiro Adriano Soares Trigueiro, de 34 anos, morto na madrugada do último dia 12 de junho, no bairro das Rocas, também em Natal. O assassino utilizou um pedaço de motocicleta para matar Adriano, que não teve tempo de ser socorrido. O caso mais recente foi o do travesti Lineker Silva Nascimento, morto no dia 18 de junho.

A crueldade destes assassinatos prova a existência de um ódio imenso contra pessoas que possuem uma sexualidade diferente. Tamanha selvageria contra homossexuais tem colocado Natal na lista do contexto nacional da homofobia. Até mesmo um outdoor contra o preconceito, elaborado numa parceria do Governo Federal com o Governo do Estado, foi alvo de ataques homofóbicos. Na imagem, dois homens caminham de mãos dadas pela praia. Abaixo deles, lê-se a frase “Absurdo é o preconceito”. No outdoor, que fica nas proximidades da Ponte Newton Navarro, Zona Norte de Natal, o slogan da campanha foi riscado e os rostos dos dois homens foram manchados com lama. As mãos dadas e os órgãos sexuais foram rasgados.

Liberdade para opinar ou para oprimir?
Setores conservadores da sociedade, junto com a bancada religiosa do Congresso, têm feito uma campanha contra a aprovação do projeto que torna crime a homofobia. Pessoas como o pastor Silas Malafaia, da Associação Vitória em Cristo, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP) e o senador Magno Malta (PR), por exemplo, se mostram fervorosos críticos do PLC 122, chamando-o de a “lei da mordaça” ou ainda afirmando que o projeto abrirá as portas para a legalização da pedofilia. Estas declarações não são apenas mentirosas, são também criminosas. Associar a pedofilia à homossexualidade é uma tentativa esdrúxula de impor um rótulo de patologia ou perversão a uma orientação sexual. O que dizem, por exemplo, os que fazem esta associação diante de casos de pedófilos heterossexuais?

Aqueles que afirmam que o PLC 122 vai acabar com a liberdade de opinião querem, no fim das contas, esconder um jogo muito sujo. Estes setores não querem liberdade para opinar, querem para oprimir. Que tipo de opiniões eles desejam expressar sobre os homossexuais? Querem liberdade para chamar gays, lésbicas, travestis e transexuais de anormais? De pervertidos, doentes, nojentos, pedófilos e todo tipo de absurdo? Isto não é uma simples opinião. É uma das faces mais brutais da opressão. Permitir que ações violentas, sejam elas de ordem moral ou física, possam existir em nome da “liberdade de opinião” é, no mínimo, subjugar o direito à dignidade humana.

Os que esperneiam contra a criminalização da homofobia são também os mesmos que se colocam contrários à criação de uma legislação e punição específicas para os casos de assassinatos de homossexuais. Afirmam que estaria sendo criada uma lei que privilegia uma minoria, quando no Código Penal já consta uma pena para homicídios. Em que, por exemplo, se iguala um assassinato em decorrência de uma briga de bar com um assassinato motivado por intolerância sexual? É óbvio que no segundo caso o peso do crime é muito maior. Trata-se de uma ação impulsionada por um forte sentimento de ódio aos que são diferentes, por uma grande aversão à diversidade da humanidade. É por isso que precisa de uma lei específica para punir.

Aprovação do PLC 122
Quando os governos assumem a elaboração de outdoors como a única ferramenta para “combater” a homofobia e permanecem imóveis diante de tantos assassinatos de homossexuais, fica impossível negar uma certa cumplicidade nestes crimes. O Projeto de Lei Complementar nº 122 (PLC 122), que criminaliza a homofobia, já se arrasta no Congresso Nacional desde 2006. O ex-presidente Lula poderia ter conseguido que os parlamentares aprovassem o projeto e também ter tirado do papel uma campanha de combate à homofobia, mas não o fez. Preferiu voltar seus esforços e os recursos do país para enriquecer ainda mais banqueiros e grandes empresários, a exemplo dos lucros quadruplicados das maiores empresas presentes no Brasil.

A presidente Dilma, se quisesse, também já poderia ter conseguido a aprovação do PLC 122 no Congresso, já que possui a maioria. A mesma maioria que votou o salário mínimo miserável de R$ 545. Entretanto, a presidente Dilma, da mesma forma que Lula, fez outra escolha. Preferiu negociar a salvação temporária de Antônio Palocci e abortar o kit de combate à homofobia nas escolas, cedendo à chantagem da bancada religiosa do Congresso.

Infelizmente, o PT abandonou suas antigas reivindicações em defesa dos trabalhadores e das minorias, transformando-as em moeda de troca no jogo sujo da democracia burguesa. Se o movimento LGBT for esperar pelos esforços da presidente Dilma ou pela compreensão dos parlamentares, ainda veremos muitos homossexuais serem ridicularizados ou perderem suas vidas por causa da homofobia, sem que nada seja feito para combater e impedir os crimes.

Apenas a aprovação do PLC 122 no Congresso Nacional não irá acabar com a homofobia. É preciso mudar radicalmente a sociedade, acabando com o sistema capitalista que se utiliza de todas as opressões para aumentar cada vez mais os lucros das empresas. Entretanto, a criminalização da homofobia é um importante passo na luta contra o preconceito na medida em que pune os agressores e fortalece o movimento LGBT. Por isso, é fundamental pressionar o Governo Dilma e o Congresso para que se aprove o quanto antes o PLC 122. É preciso que os mesmos 4 milhões que estiveram na Parada Gay de São Paulo também estejam em Brasília para exigir a criminalização do preconceito contra os homossexuais.