A América Latina está girando à esquerda. Quem viveu o continente da última década do século passado e olha os dias de hoje, pode ver dois mundos diferentes.

Nos anos 1990, governos de direita com grande peso eleitoral aplicavam planos neoliberais, tendo as privatizações em primeiro plano. O presidente Menem, da Argentina, modelo da mídia para todo o continente, divulgava sua intenção de manter “relações carnais” com o governo dos EUA. O imperialismo aparecia como imbatível, a globalização como inatacável. Os ideólogos da direita chegavam a afirmar apressadamente que a história havia acabado. Uma gigantesca campanha de propaganda apregoava que o “socialismo havia morrido” com a queda dos Estados do leste europeu.

Nestes primeiros anos do novo século, porém, muita coisa mudou. O governo Bush afunda numa crise de grandes proporções, e o imperialismo pode sofrer uma nova derrota militar no Iraque. Os partidos da direita tradicional, identificados com o neoliberalismo, são derrotados, e governos “de esquerda” assumem em um número inédito na história. As privatizações são questionadas e recomeçam as nacionalizações. O debate sobre o socialismo se reabre em grande escala.

Inegavelmente, está se abrindo uma nova e grande oportunidade para o socialismo. Nem tudo são flores, entretanto. Articular uma alternativa de direção revolucionária para as lutas é ainda a maior necessidade e maior fragilidade do movimento de massas.

Expectativas em direções são criadas e logo depois traídas. É muito importante que se reflita neste sentido sobre o desastre histórico do PT. Nessa situação da América Latina e com o peso econômico e político do país, se o governo Lula se inclinasse para uma ruptura com o imperialismo, o continente poderia dar um passo histórico. Ao contrário, Lula cumpre o papel de agente de Bush, podendo fazer o que o governo norte-americano tem dificuldades para realizar.

É importante que isso fique marcado a ferro e fogo, para que se reflita sobre esses governos de “esquerda” da América Latina. Uma ampla camada de lutadores dos movimentos sociais tem uma grande expectativa no presidente Chávez, da Venezuela, e em Evo Morales, da Bolívia. De certa maneira, Chávez diz coisas que esses ativistas gostariam de ouvir de Lula. Muito do prestígio do presidente venezuelano é por ocupar o espaço latino-americano de contestação à Bush que Lula deixou vago.

A imprensa não se cansa de divulgar as diferenças entre Lula e Chávez. É verdade que os discursos dos dois são diferentes, assim como algumas das ações dos governos. Mas será que a situação dos trabalhadores brasileiros e dos venezuelanos é muito diferente?

Os dados indicam o contrário: os índices de salário mínimo, desemprego e emprego precarizado são quase idênticos aos brasileiros. A dívida externa, lá como aqui, é paga religiosamente. A corrupção reina em Caracas e Brasília com a mesma desenvoltura.

Não estamos dizendo que Lula e Chávez são a mesma coisa. São governos distintos em termos políticos. Não por acaso, nós estivemos na linha de frente da luta contra o golpe armado pelo imperialismo contra Chávez, em 2002. Assim como estamos de acordo em fazer qualquer unidade de ação com os chavistas contra a Alca.

Tanto Chávez quanto Lula expressam governos burgueses, que não se propõem a romper com o imperialismo nem apontar para o socialismo. Por este motivo, os ativistas dos movimentos sociais devem refletir sobre a experiência com o PT para tirar conclusões também sobre Chávez. As aparências enganam e não só no Brasil.
Post author Editorial do Opinião Socialista nº 287
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