Juranilce Bezerra, do coletivo Rosas que Falam e militante do PSTU em Iguatu

Juranilce Bezerra, de Iguatu (CE)

Nessa semana, as cenas de violência doméstica cometidas por Iverson de Sousa, conhecido como DJ Ivis, contra a esposa e mãe de sua filha, a influenciadora digital Pâmella Holanda, causaram comoção nacional. Num vídeo postado por Pâmella numa rede social, no último domingo, DJ Ivis aparece em mais de uma ocasião, desferindo tapas, murros e chutes, puxando violentamente os cabelos da moça e derrubando-a no chão, num verdadeiro show de horrores com direito à plateia e tudo. Uma das cenas ocorre na presença da filha do casal e da mãe da moça, em outra é testemunhada por um funcionário do músico que nada faz para socorrer a vítima.

Após a repercussão do caso, a Polícia Civil do Ceará solicitou a prisão preventiva de DJ Ivis. A prisão, efetuada na tarde dessa quarta-feira (14), ocorre 10 dias depois da mulher ter registrado boletim de ocorrência contra ele e segundo as autoridades, foi decretada para garantir a “ordem e a lei”, já que o homem é conhecido por ter um “histórico agressivo”. O artista também vem assistindo um revés na carreira, com demissões e cancelamento de contratos e parceria e retirada de suas músicas de plataformas de streaming musical.

Cultura machista

A situação de violência doméstica vivenciada por Pâmella, infelizmente, está longe de ser uma exceção. A mulher brasileira é uma das que mais sofre violência em todo o mundo. O país ocupa o quinto lugar no ranking de feminicídio, sendo que, a cada dois minutos, uma mulher é vítima de agressão. O Nordeste tem uma participação significativa nesse número; o Ceará é o 7° estado com mais registros de violência contra a mulher. Com a pandemia a situação se agravou ainda mais. Embora os registros tenham diminuído, a violência aumentou, com o isolamento social as mulheres passaram a ter mais dificuldade em buscar ajuda.

Além da dificuldade em denunciar, a cultura machista leva a que muitas mulheres se calem diante da violência, por medo de serem julgadas ou questionadas se sua conduta não teria “justificado” a agressão. O caso de Pâmella e Ivis, é um exemplo de como essa cultura machista opera. Após a exposição da violência na mídia, pela influencer, seu agressor postou storys tentando reverter a situação, colocando-a como louca, suicida e causadora da própria violência, já que ele não aguentava mais as “chantagens dela” e por isso a teria agredido. Esse tipo de discurso, que naturaliza a violência e atribui à mulher a culpa pelo comportamento do agressor é muito comum. O resultado é que depois das postagens o número de seguidores do DJ subiu incrivelmente, ganhando mais de 250 mil seguidores.

É verdade que uma parte passou a segui-lo para acompanhar o caso, e inclusive para poder comentar na sua rede social, que é fechada para comentários de não seguidores, mas isso  evidencia uma forma de espetaculização da violência, que nem sempre representa apoio à vítima.

Por outro lado, muitas pessoas que testemunham a violência, acabam se omitindo, como se aquele assunto não lhe dissesse respeito; ainda predomina para muitos o ditado de “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. A postura passiva do funcionário de Ivis diante das agressões à Pâmella na gravação é emblemática nesse sentido. Assim como sua declaração, que deu a entender que ela é tão culpada quanto ele, reproduzindo a lógica de que “ela pediu” ou “começou agora aguenta”. O funcionário alegou ainda que houve ocasiões em que chamou a polícia, mas que essa nada fez, por se tratar de briga de casal. Essa conivência e cultura machista, faz com que muitos agressores se sintam à vontade para tratarem suas companheiras com toda violência, mesmo diante de testemunhas, justificar o injustificável e punir ainda mais a vítima.

O ciclo de violência e como combatê-lo

Sabemos muito bem que uma mulher não escolhe se apaixonar por um agressor e tampouco que mulher que apanha e permanece com o agressor “gosta de apanhar”. Na verdade, a maioria dos agressores mostra sua face violenta depois que conquista a confiança de sua parceira, muitas vezes age primeiro por meio da violência psicológica que mina a autoestima da mulher deixando-a vulnerável e insegura, desacreditada de si mesma, dependente emocionalmente de seu companheiro para então partir para a agressão física. Depois da agressão, vem a vez do “arrependimento” do homem, a reconciliação e promessas de que isso não acontecerá novamente e promessas de amor e cuidado que infelizmente ficam só nas promessas. O agressor torna a cometer violência, num ciclo que não raro, acaba de forma trágica, com a mulher se tornando vítima de feminicídio.

Mas não é apenas a dependência emocional, junto a isso, se soma também a dependência econômica. Para muitas mulheres a dependência econômica é um fator decisivo na hora de romper com relacionamentos abusivos. Em 2017, uma nota técnica do Senado Federal denominada “Violência doméstica e familiar contra a mulher” apontou que para 29% das mulheres a questão financeira é a principal motivação de permanecer em um relacionamento marcado pela violência. Dessas, 33% delas não tinha renda alguma, enquanto 24% recebem até dois salários-mínimos. Deste percentual, 32% já haviam sofrido violência doméstica.

Esses dados evidenciam que a violência doméstica e familiar tem várias dimensões, e para enfrentá-la é preciso ter política que atue em todos os âmbitos. No nível cultural, com campanhas contra a violência machista, nas mídias, locais de trabalho, nas escolas, etc.; no nível do judiciário, com leis e equipamentos públicos que garantam a proteção às vítimas e punição aos agressores; mas também com medidas que passe pela autonomia financeira e condições materiais para a mulher romper com o ciclo da violência: emprego, salário e moradia digna, creches e escolas em tempo integral onde deixar os filhos para poder trabalhar, entre outras medidas.

A violência machista no contexto social e político atual

O contexto social e político no qual nos encontramos também atua sobre a questão da violência machista e pode nortear os motivos de tantos seguidores para o DJ, bem como a reação de indignação que a situação causou e inclusive que culminou na prisão preventiva do músico. Temos na presidência um governo que é machista, misógino, LGBTIfóbico, racista e traz tudo de retrocesso para a vida da classe trabalhadora e setores oprimidos. Que dissemina ódio nas redes sociais, e que, infelizmente, encontra ainda acolhimento e eco às suas posturas por setores conservadores e reacionários.

Mas ao mesmo tempo, há um ascenso dos setores oprimidos em geral, como parte da luta de classes, e particularmente das mulheres, contra a opressão e a violência e os ataques sistemáticos contra seus direitos básicos. Essa luta e resistência das mulheres à opressão e o machismo também incide na forma como as pessoas passam a encarar e a reagir situações brutais como essa vivenciada por Pâmella.

A repercussão que teve esse caso em particular, a perda de contratos e até demissão de Ivis, em outras palavras, a punição social que o músico está sofrendo foi ainda mais rápida que a judicial. Não se trata aqui de defender o linchamento virtual ou a política do cancelamento, tampouco a punição sem investigação e mesmo que a palavra da mulher é sempre a que vale. Mas o vídeo fala por si só e as cenas de violência de DJ Ivis contra Pâmella são incontestáveis. Por isso, a reação do público e as consequências na vida artística do músico são importantes, porque evidenciam que a sociedade já não tolera de forma passiva situações de violência contra mulheres. Mas, junto com isso, DJ Ivis deve ser responsabilizado judicialmente pelo crime que cometeu. É preciso que seja julgado e condenado o mais rápido possível para que sirva de lição para outros possíveis agressores que ainda estão aí impunes e livres.