Avanilson Araújo, de São Paulo (SP)

Parecia uma verdadeira festa de resistência e resgate das lutas e da cultura do povo indígena, negro, quilombola, dos sem-teto, operários e trabalhadores. Esse foi o sentimento que irradiou nos dias 3 e 4 de fevereiro quando aconteceu o Acampamento Estadual do Luta Popular do Piauí.

O encontro reuniu cerca de 60 lutadores representando as Ocupações Alto do Vale, Vila Ferroviária e Dandara dos Cocais de Teresina, a Ocupação Esperança Garcia e remanescentes do povo Itaquatyara de Piripiri e a Associação de Umbanda de Piripiri.

O primeiro dia teve início com uma forte e rica apresentação cultural que resgatou os rituais e as tradições dos povos originários indígenas e o sincretismo religioso da Umbanda. Em seguida, foi realizado um debate sobre a situação política e econômica do país e as tarefas e saídas que os de baixo devem buscar, justamente em um momento em que boa parte das organizações de esquerda se rende ao discurso de defesa da democracia dos ricos.

Um momento simbólico do encontro foi uma das falas do cacique Itaquatyara dizendo que “já estamos há 14 anos na luta pela nossa terra e nenhum governo resolveu. Eu não boto a mão nem no Temer, nem no Lula, nem na Dilma quando era. É tudo uma balança que pode botar aqui e pesa dum mesmo jeito”. A conclusão de todos foi de que essa democracia dos ricos que tanto estão defendendo não tem servido para nós há muito tempo. Foi passando governo e as coisas só pioraram para os de baixo, os governos do PT fizeram menos reforma agrária, menos demarcação de terra indígena e quilombola, enquanto a nossa juventude foi sendo encarcerada em massa.

O sentimento comum era da necessidade de que plantássemos desde agora uma semente para brotar mais resistência e organização contra todos esses ataques. O dia se encerrou com uma atividade sobre a opressão das mulheres e a necessidade da luta comum das mulheres e dos homens trabalhadores se unirem para combater o machismo, o racismo, a LGBTfobia, para enfrentar juntos essa divisão que os de cima nos impõe.

O último dia foi dedicado a discutir a formação social e histórica do nosso povo e sobre como o território brasileiro ganhou essa forma, como a desigualdade e espoliação de nossas vidas se dá no campo, na cidade, nos territórios que são apropriados pelos grandes para também explorar as nossas vidas. A partir disso, se discutiram nos grupos as tarefas que estão colocadas para o movimento popular neste momento. A necessidade de unificação das lutas contra os despejos e as remoções, a demarcação das terras indígenas e quilombolas, uma reforma urbana radical e profunda que resolva o problema da moradia popular, a busca por uma forma de organização que fortaleça cada uma das ocupações e um debate necessário sobre a construção de uma plataforma de reivindicações e de ações diretas que rediscuta este modelo de sociedade e de cidade que é construída pelos de baixo, mas apropriada pelos de cima.

Por isso, o encontro lançou um manifesto em defesa de diversas bandeiras que unificam as lutas dos indígenas, sem-teto, quilombolas, do respeito às religiões afro, como a Umbanda e da necessidade que as nossas lutas se dêem também junto com a luta dos outros trabalhadores, como na necessidade de lutar contra o fim da aposentadoria e contra os políticos que atacam os direitos do povo pobre e trabalhador.

A simbologia do acampamento, que ainda contou com a presença de representantes dos trabalhadores dos Correios, da UFPI, do IFPI, da ANEL e do PSTU, podia ser sintetizada no canto final que reuniu os presentes: “Quem deu esse nó / Não soube dar / Quem deu esse nó / Não soube dar / Esse nó ta dado / E eu desato já / Esse nó ta dado / E eu desato já / Oh desenrola essa corrente / Deixa o povo trabalhar / Oh desenrola essa corrente / Deixa o povo trabalhar …”

O sentimento comum era de fortalecimento na capacidade do povo trabalhador de seguir se organizando de forma independente para fazer brotar esta semente que gere uma nova ferramenta de organização e resistência que busque superar o discurso de que só é possível viver assim, quando a vida é tão dura para nós e que é preciso e temos condições sim de organizar os de baixo para derrubar os de cima e construir algo novo.