Quando o governo da Bolívia anunciou o decreto de nacionalização de seus recursos naturais, a burguesia e a grande imprensa brasileira, liderada pela Globo, gritaram alto, chegando, inclusive, a levantar a possibilidade de suspensão das relações diplomáticas. Estes mesmos setores, que agora saem em defesa dos lucros da Petrobrás Bolívia (subsidiária da Petrobrás) são os que mais defenderam a privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), há nove anos.
A Vale foi fundada em junho de 1942, através do decreto-lei 4.352 de Getúlio Vargas a partir dos Acordos de Washington assinados pelo Brasil com os governos dos EUA e da Inglaterra. Assim como aconteceu com a produção da borracha amazônica, o objetivo era abastecer com matérias-primas estas economias em guerra.
A estatal foi constituída com capital misto, tanto com participação acionária como com investimentos majoritários do Estado brasileiro. A partir da política de industrialização nacional a Vale cresceu e aumentou em muito sua produção mineral.
A crise da economia brasileira iniciada nos anos 1970 com a crise internacional (choques do petróleo e elevação dos juros), o fim do milagre econômico dos governos militares e o endividamento externo do país deram, contraditoriamente, novo impulso à CVRD. Para obter grandes saltos na balança comercial, e com isso pagar a dívida externa, o governo brasileiro impulsionou projetos controlados ou que seriam controlados por esta empresa. Foi o caso do Projeto Grande Carajás, responsável por explorar a maior província mineral do planeta, localizada no Sul do Pará.
Nos anos 1990 a onda neoliberal atingiu a empresa. O governo FHC, com a ajuda do Congresso Nacional, quebrou o monopólio estatal sobre o subsolo e depois privatizou a Vale por R$ 3,338 bilhões em 1997. Quem avaliou o preço da empresa e participou da condução do processo de negociação de venda foi o banco e consultoria financeira estadunidense Merril Lynch. Porém, de 1990 a 1995 a CVRD havia feito investimentos próprios da ordem de USS 2,19 bilhões. Quando foi privatizada, ainda contava com R$ 700 milhões em caixa. Os investimentos dos anos anteriores já faziam com que sua produção e lucro crescessem vertiginosamente ano-a-ano. Em 1994 lucrou US$ 645 milhões e em 1995 suas exportações somaram R$ 1,5 bilhão.
Quanto valia a CVRD? Não dá para ter uma resposta exata, até mesmo porque a empresa controla uma área de direitos minerais equivalente a 2,5 vezes o território da Bélgica e somente na Amazônia dispõe de 1,165 milhão de hectares de floresta. São árvores, plantas diversas, animais, rios e minérios difíceis de contabilizar financeiramente. Mesmo assim, em 1993, estimava-se que apenas o estado do Pará tinha reservas de ferro no montante de 18 bilhões de toneladas, o que equivalia a R$ 337 bilhões.
Estes números são de nos deixar perplexos, mas não são tudo. Em 1998, o primeiro ano após a privatização, a CVRD anunciou um lucro de aproximadamente R$ 1 bilhão, 46% maior que no ano anterior. Em 1999 teve um faturamento de R$ 4,4 bilhões e lucro de R$ 1,251 bilhão. Quanto ela pagou de imposto de renda? Somente 0,5% do seu lucro, o equivalente a 0,125% do que faturou. Este percentual representou R$ 5 milhões de imposto de renda, mas logo depois o governo lhe repassou como incentivo R$ 340 milhões de recursos deste imposto para que a companhia, já privada, comprasse outras empresas.
O total de riquezas em poder da Vale é difícil de dimensionar, mas os R$ 3,3 bilhões pagos por ela foram um roubo ao patrimônio nacional.
Ainda hoje a Vale recebe recursos do governo, via BNDES, algumas isenções fiscais e energia subsidiada da Usina Hidrelétrica de Tucuruí (estatal), no Pará. O conglomerado Vale do Rio Doce conta com 61 empresas entre coligadas, controladas e joint ventures em 21 países diferentes (quando foi privatizada já somava 40 empresas).
Além disso, ela está em 14 estados brasileiros, tem 9 mil km de ferrovias, 10 portos e algumas dezenas de navios de grande porte. Entre outros produtos, a empresa explora ferro, ouro, cobre, bauxita, níquel, estanho, manganês, zinco, titânio, prata, cassiterita, molibdênio, fazendo com que seja a quarta maior mineradora do planeta. Caulim, energia, celulose, siderurgia, transporte e carvão são outros negócios onde a empresa é encontrada.
Aproveitando toda esta situação e o aumento dos preços e da procura internacional de minérios a CVRD alcançou uma receita operacional em 2005 no total de R$ 35,35 bilhões, com exportações de 7,02 bilhões de dólares e lucro líquido de R$ 10,44 bilhões. Com estes números a empresa foi responsável por 14% do superávit recorde da balança comercial brasileira. Nos primeiros meses de 2006 o valor de mercado da companhia alcançou mais de US$ 60 bilhões.
Mais da metade das ações com direito a voto do consórcio vencedor da licitação de privatização já são diretamente controladas por capital externo. Quanto às ações preferenciais (aquelas que não dão poder de voto, mas são as primeiras a receber os lucros) 62% estão em mãos estrangeiras. A campanha publicitária da empresa afirma ser ela a empresa privada que mais investe no Brasil. Não é para menos. Tem que aproveitar os lucros altos e sugar a riqueza disponível. Os investimentos para 2006 são de R$ 11,8 bilhões (estimados em uma vez e meia o Orçamento do estado do Pará).
Isso faz com que o ritmo de exploração e remessa de capitais ao exterior se acelere assustadoramente. Antes de privatizada estimava-se que as reservas de ferro da Vale equivaliam a 400 ou 500 anos de exploração. Na velocidade atual a empresa fala em 200 anos. Este processo representa um duplo saque aos trabalhadores brasileiros, pois é riqueza bruta ou semi-elaborada na forma de matéria-prima que é enviada ao exterior e, depois, são produtos eletrônicos e industrializados que temos que importar.
O governo Lula, pupilo de FHC, nada fez para reverter as privatizações. Ao contrário. Continuou a injetar dinheiro público nas empresas privatizadas. Hoje lamenta a decisão da Bolívia, mas se esquece que tem uma Petrobrás Bolívia aqui dentro do Brasil, ela se chama CVRD. Os movimentos ligados aos trabalhadores devem defender o direito do povo boliviano sobre as suas riquezas, assim o nosso direito sobre as riquezas do território brasileiro, o que significa lutar pela reestatização da CVRD e das demais empresas privatizadas, sem nenhuma indenização, pois o exemplo da Vale por si somente já demonstra o quanto eles estão nos devendo.
Isso sem falar nas irregularidades do processo de venda da Vale, incluindo vazamento de informações privilegiadas, o que por si só justificaria a anulação da venda.