O curso da revolução egípcia, sobretudo depois da queda de Morsi e da Irmandade Muçulmana (IM) e chegada do governo controlado diretamente pelo alto comando militar, em julho de 2013, é motivo de polêmica entre a esquerda internacional.

E não poderia ser diferente, já que se trata de um dos processos revolucionários mais importantes no mundo hoje, determinante para o desenvolvimento das revoluções no Norte da África e Oriente Médio.

Além disso, a revolução egípcia insere uma enorme complexidade e contradições que desafiam os esquemas próprios do “sentido comum” e que só podem ser entendidas a partir do marxismo e se compreendemos a fundo o significado da dramática crise de direção revolucionária nesse país e no mundo todo.

As principais interrogantes são: qual foi o significando da derrubada de Morsi-IM? Sua queda foi determinada pela enorme mobilização popular de 30 de junho ou só pelo golpe militar de 3 de julho? Nesse sentido, foi uma vitória ou uma derrota das massas? O golpe militar implicou a “volta ao poder dos militares” ou uma “derrota histórica” que acabou com a revolução? A partir dessa definição, o que significam as mobilizações que a IM vem impulsionando desde julho? Devemos apoiá-las ou seria correto impulsionar uma unidade de ação com a IM “contra a ditadura”?

Em síntese, qual é o caminho para continuar a revolução até sua vitória final, uma revolução que não só liquide a ditadura militar como acabe com a fome, o desemprego, a falta de educação e saúde, faça a reforma agrária e libere o país da opressão das potências estrangeiras, emancipando plenamente a todos os explorados e oprimidos do Egito?

Algumas premissas
Ao analisar o processo revolucionário egípcio, partimos de uma definição fundamental: a queda de Mubarak em fevereiro de 2011 não representou a destruição do regime militar, em pé desde 1952.

No Egito se mantém até hoje um regime ditatorial, que tem como principal instituição as Forças Armadas, que continuam controlando 40% da economia e recebe financiamento direto do imperialismo.

Mas, apesar disso, a queda de Mubarak representou um duro golpe contra a ditadura militar que, devido a força da ação revolucionária das massas, foi obrigado a se relocalizar e fazer uma série de concessões democráticas (começando por “sacrificar” o próprio Mubarak, convocar eleições etc.). Os generais “entregaram os anéis para não perder os dedos”, para salvaguardar a essência do regime. Essa relocalização marca a atuação da cúpula do Exército em todo o processo.

Ao mesmo tempo, a queda de Mubarak deu lugar a todo um período prolongado de enfrentamento aberto entre as classes, com momentos de avanço e retrocesso tanto para a revolução como para a contrarrevolução, mas marcado por essa primeira vitória revolucionária do início de 2011.

Como o regime militar, mesmo estropiado, se manteve, devemos concluir que o governo Morsi não somente foi parte, mas também sustentação dessa ditadura, na medida em que Morsi só pode assumir o poder a partir de um pacto contrarrevolucionário entre a IM e a cúpula do Exército, que garantia a inviolabilidade dos enormes privilégios das Forças Armadas.

Por isso, se o governo Morsi-IM era um governo a mais do mesmo regime militar, a queda de Morsi como produto de uma imensa mobilização popular, apesar da enorme contradição que significou o golpe militar, não foi uma “derrota” (como afirma a maioria da esquerda), mas sim uma imensa vitória democrática das massas, que abriu um novo capítulo na revolução egípcia.

Isso é assim porque, em nossa opinião, dos dois elementos embutidos na queda de Morsi (mobilização de milhões de pessoas e um golpe militar), o elemento determinante foi a mobilização das massas, sem a qual o golpe não teria ocorrido.

Foi essa histórica mobilização das massas que, uma vez mais, obrigou os militares a dar o golpe contra Morsi (“queimar um novo fusível”), para evitar que a ira popular avançasse contra o regime de conjunto.

O povo egípcio, farto das medidas econômicas neoliberais, de submissão ao FMI e a Israel, e avesso ao projeto ditatorial-teocrático que a IM tentou impor durante o mandato de Morsi, encheu as ruas e praças do país para derrubar a quem corretamente chamava o “novo Faraó”. Com isso, derrubaram mais um governo do regime militar, com um duro golpe. Por isso, a queda de Morsi foi uma nova vitória da revolução. 

Mas vem a contradição do processo. Tal como ocorreu na queda de Mubarak, a ação revolucionária das massas “rompeu” o pacto entre os generais e a IM e, ao ver que Morsi não se sustentava e não cumpria mais a tarefa de conter as massas, se relocalizaram e concretizaram sua saída do palácio.

Habilmente, a ditadura egípcia usou uma tática diferente das ditaduras líbia e síria: apesar de ser “seu governo”, o regime não defendeu Morsi, nem optou pelo esmagamento sangrento do movimento de massas.

Com essa manobra, devido ao atraso na consciência das massas e, sobretudo, a falta de uma direção revolucionária, os militares saíram dessa crise, contraditoriamente, com seu prestígio elevado.

A cúpula militar capitalizou a saída de Morsi (assim como capitalizou por um tempo a saída de Mubarak) pois, movidos por seu próprio interesse de autopreservação e sua estratégia de derrotar a revolução, optou por satisfazer a principal reivindicação das massas nesse momento (derrubar Morsi), “usurpando” essa vitória popular.

Por isso, as massas viram erroneamente os militares como “salvadores do povo”; no entender da maioria, eles não só ficaram do “lado do povo” contra Morsi, como, com o golpe, também evitaram confrontos sangrentos, como ocorre na guerra civil na Síria.

A IM se negou a aceitar a derrota e passou a chamar a mobilização para retornar ao poder, alegando que Morsi continuava sendo o “presidente legítimo”. Qual o caráter dessas mobilizações e qual deve ser a posição dos revolucionários frente a elas?

Se a queda de Morsi foi uma vitória da ação revolucionária das massas, as mobilizações da IM pela volta de Morsi ao poder só podem ser contrarrevolucionárias.

Portanto, os marxistas não podem apoiar ou participar dessas manifestações e tampouco defender qualquer direito ou liberdade democrática para que o setor derrotado da contrarrevolução (Morsi e a IM) se organize e se expresse “livremente” para passar por cima de uma conquista das massas. O mesmo se Mubarak tivesse chamado seus seguidores a mobilizar-se por seu retorno, quando foi derrubado pelas massas.

Após a saída de Morsi, a ampla maioria das forças burguesas, as direções sindicais e ditas de esquerda aderiram ao novo governo títere dos militares, aceitando inclusive cargos no ministério, como Kamal Abu Eita, ex-presidente da Federação Egípcia de Sindicatos Independentes (EFITU), passando a colaborar com o regime.

Frente a essa capitulação, foi necessário apresentar uma alternativa de oposição frontal ao regime e ao novo governo que, ao mesmo tempo, não se confundisse forma alguma com o plano da IM de voltar ao poder.

Por isso, foi sumamente progressivo o surgimento do chamado “terceiro campo” independente, que se expressa mais concretamente na Frente Caminho da Revolução [1], que levanta a bandeira Nem militares nem Irmandade!

No marco dessa localização geral do “terceiro campo”, os marxistas deverão ser o polo mais consequente no enfrentamento com a ditadura, combatendo ao mesmo tempo as tentativas contrarrevolucionárias da IM para voltar ao poder e explicando pacientemente às massas a necessidade da tomada do poder pela classe operária e a construção do socialismo como saída estratégica para a crise.

“Derrota histórica” e fim da revolução?
A partir dessas premissas, podemos concluir que os militares não “voltaram ao poder” com o golpe de julho passado, pela simples razão de que mantêm o poder desde 1952.

Por outro lado, tampouco é correto, como afirma a maior parte da imprensa internacional e a esquerda, que com o golpe “a revolução acabou” ou, no mínimo, “retrocedeu-se ao regime de Mubarak”.

O que esses setores não compreendem é o signo geral do processo revolucionário de conjunto, que não é de “derrota”, mas está marcado por duas enormes vitórias revolucionárias das massas (a saída de Mubarak e a de Morsi). Toda revolução passa por momentos de avanço e retrocesso. Em toda revolução atua, inevitavelmente, a contrarrevolução. Mas no caso do Egito, a contrarrevolução ainda se move no marco de uma revolução poderosa e em pleno desenrolar.

É verdade que depois da subida de Al Sisi-Beblawi abriu-se uma situação defensiva e ocorreu um descenso das lutas sociais. Segundo o Centro Egípcio para os Direitos Sociais e Econômicos, em 2013 ocorreram 2.486 protestos, que superaram os 1.300 de 2011, mas foram inferiores às impressionantes 3.300 de 2012.

A maioria dos protestos de 2013 ocorreu durante o governo Morsi (2.243), o que demonstra o ódio generalizado que esse governo despertou nas massas. Depois da subida de Al Sisi-Beblawi (julho a dezembro de 2013) ocorreram apenas 243 protestos, o que indica um refluxo importante, um momento defensivo [2].

Mas o mais importante é determinar as causas desse refluxo e sua profundidade. Muitos setores de esquerda afirmam que a suposta “derrota” ou o “retrocesso” da revolução se deve, fundamentalmente, a que a cúpula militar, com o golpe, não só “voltou ao poder” como aplicou uma política de esmagamento físico da revolução, de repressão generalizada e indiscriminada contra todo o movimento de massas, igualando o golpe militar no Egito com os de Pinochet e Videla.

Mas os fatos foram demonstrando que isso não é assim. Em primeiro lugar, porque a revolução continua, com novos fatos que assim o demonstram. Em segundo lugar, diante dessa realidade, a política central do regime militar para derrotar a revolução não é o confronto aberto, físico, com o movimento de massas de conjunto (apesar das medidas bonapartistas), mas uma política de engano, de fazer concessões democráticas e utilizar os mecanismos da democracia burguesa (referendo, eleições etc.).

Alguns poderiam perguntar: e a repressão e os massacres contra a IM? E a prisão de Morsi e ilegalização da IM? E as prisões contra os ativistas independentes do Movimento 6 de Abril ou membros dos Socialistas Revolucionários?

É verdade que o aparato de segurança segue reprimindo, mas o caráter da repressão não é generalizado e sim seletivo.

A repressão mais violenta da ditadura se centra na IM e, apesar de querer ampliá-la a todo o movimento de massas a partir dessa “campanha contra o terror”, se demonstra que não tem condições, não tem correlação de forças suficiente para tal empresa, pois a situação revolucionária aberta com a saída de Mubarak não se fechou.

Nesse sentido, a destituição de Morsi e sua prisão, assim como a repressão e ilegalização da IM, não podem ser consideradas como uma “repressão sangrenta contra a revolução” (a não ser que se considere a HM como “parte da revolução”), mas sim como concessões que os militares se viram obrigados a fazer “para não perder os dedos”.

Quando o regime reprime a IM, o faz com uma margem de aceitação que não tem no momento de reprimir os outros setores. Ao mesmo tempo, utiliza a repressão contra a IM para consolidar-se, pois a prisão de Morsi e a repressão à IM contam com o apoio de setores majoritários das massas, justamente porque são odiados e foram derrotados pelo povo.

Daí que o regime militar pode fazer massacres e ilegalizar a IM quase sem reação popular, salvo, obviamente, a que provém da própria IM.

É evidente que a ditadura tenta utilizar a repressão contra a IM para estendê-la a todo o povo, por exemplo, tentando acusar a todos os dissidentes de “ajudar os terroristas”, mas até o momento, não conseguiram concretizar isso.

Portanto, a repressão contra os ativistas independentes identificados com o “terceiro campo” ou aqueles setores que saem a lutar, como veremos, não tem ponto de comparação com o grau de repressão que o regime exerce contra a IM.

Por isso, impossibilitado de afogar em sangue a revolução, os militares apostam suas fichas a manipular as ilusões democráticas das massas. Nesse sentido, impulsionaram o referendo constitucional de janeiro deste ano e preparam as eleições presidenciais para abril, nas quais é muito provável a candidatura do agora marechal Al Sisi.

Mas tampouco nesse terreno as coisas marcham exatamente como os generais gostariam. No referendo constitucional, o projeto do governo superou a marca de 98% de aprovação (algo muito comum em uma ditadura). Mas esse referendo teve uma fraca participação de 37% (só 4 pontos acima do referendo de Morsi em dezembro de 2012), quando os militares esperavam chegar a 80% [3]. Isso demonstrou que, se bem é inegável que amplos setores de massas continuam confiando nos generais, esse respaldo começa a ser questionado.

Em síntese, frente ao fato de que a revolução não foi derrotada (o que não significa que não possa passar por situações defensivas), o regime militar (o mesmo desde 1952) não tem condições de “esmagar” o movimento de conjunto (ou ao menos não optou por fazê-lo) mas se lança a “desviar” o processo com o engano (confiança em Al Sisi, “o salvador da nação”) e o caminho morto das eleições burguesas.

O movimento operário entra em cena
Há dois meses começou a mudar a correlação de forças, desfavorável para a revolução, que se manifestou durante o segundo semestre de 2013. Esse ascenso operário foi um fator importante na renúncia do ex-primeiro ministro Hazem el Beblawi e todo seu gabinete, entre eles Kamal Abu Eita, o ex-presidente da Federação Egípcia de Sindicatos Independentes (EFITU) que aceitou ser ministro do trabalho depois do golpe e agora é visto como um colaborador do governo. O apoio ao governo de Beblawi, segundo pesquisas, havia caído a menos de 25% [4].

As lutas operárias começaram em 10 de fevereiro no complexo industrial têxtil de Mahalla, onde trabalham mais de 60.000 operários e é um símbolo da revolução. Essa greve foi precedida por greves dos trabalhadores do ferro e aço, em Alexandria e Suez [5].

Em Mahalla, mais de 20 mil operários, sobretudo das empresas Mirs Spinning and Weaving e Helwan Spinning and Weaving, exigiram o pagamento de uma série de bonificações atrasadas e o salário mínimo de 1.200 libras egípcias (170 dólares), sendo que muitos trabalhadores ganham cerca de 70 dólares. Também lutaram pela destituição de Fouad Abdel-Alim, um odiado gerente do governo que administra as indústrias da zona. Entre suas bandeiras também estava a luta contra os planos de privatização da empresa, que ainda é estatal.

A ditadura, apesar de suas ameaças, não pode reprimir a greve; teve de engolir sua “lei antiprotestos” e, depois de várias propostas recusadas pelos grevistas, desembolsou 516 milhões de libras egípcias para pagar os salários e as bonificações atrasadas. Os operários de Mahalla, depois dessas conquistas, suspenderam a greve em 22 de fevereiro, mas deram um “prazo” de 60 dias para que o governo cumpra as demais reivindicações dos trabalhadores.

A luta de Mahalla foi se expandindo pelo país e a bandeira do salário mínimo de 1.200 libras egípcias tornou-se nacional, unificando as lutas de diversos setores de trabalhadores. A questão é que o governo, para acalmar um pouco o crescente descontentamento por causa da inflação, anunciou o aumento do salário mínimo a 1.200 LE para um terço dos funcionários do Estado, promessa que não cumpriu. Com isso, desatou a fúria desse setor e estimulou todos os demais setores, públicos e privados, a exigir o mesmo reajuste.

Ocorreram greves de motoristas no setor de transporte público no Cairo e em Alexandria por essa reivindicação. Cerca de 42.000 trabalhadores pararam as 28 garagens de ônibus do Grande Cairo, obrigando o Exército a “cobrir” o serviço. Exigiam também importantes investimentos para renovar a obsoleta frota de ônibus por motivos de segurança. O governo, ao invés de reprimir, teve de negociar e prometeu investir 15,2 milhões de LE, mas os grevistas consideraram a quantia insuficiente e continuaram em greve até 27 de fevereiro.

A greve dos motoristas, que segundo o governador do Cairo, Galal al-Saeed, custou a seu governo 115.000 dólares por dia [6], terminou com uma conquista parcial correspondente a um aumento de 30 dólares. Mas o descontentamento continua: “Nos prometeram um salário mínimo e agora dizem que isso não se aplica a nossa empresa”, disse o motorista Reda Abdel Kerim. “O comércio já remarcou os preços, quando o governo disse que aumentaria os salários. O governo nos enganou”, disse um grevista [7].

Depois vieram as greves dos correios, dos policiais rasos e do setor da saúde, que parou por salários, condições de trabalho e aumento do orçamento para a saúde pública. A greve do “pessoal de branco” teve uma adesão de 87%[8]e se configurou uma ampla unidade entre médicos, enfermeiras, dentistas, farmacêuticos, veterinários e outros.

Para se ter uma ideia da magnitude do processo, o Centro Egípcio para os Direitos Humanos registrou 54 greves e atos desde o início de 2014, que envolveram cerca de 100.000 trabalhadores [9], algo muito positivo para mudar o signo da situação, pela entrada em cena da classe trabalhadora organizada no processo posterior a julho.

Para entender o descontentamento que existe “por baixo”, é interessante a declaração de Hoda Kamel, da EFITU: “Durante os últimos seis meses, o povo estava esperando que este governo fosse o governo da revolução, como havia prometido (…) Mas quando veio janeiro, as pessoas se deram conta de que era um engano, porque o salário mínimo era só para uma parte muito pequena de pessoas que trabalham no governo, não para o setor privado ou a maioria dos trabalhadores do governo” [10].

O descontentamento com o regime e suas prioridades começa a expressar-se, dando um tom mais político aos protestos: “Por que o Ministério do Interior recebe um aumento de 30 por cento, e [também] o Exército”, perguntou Adel Sayed, um trabalhador administrativo da empresa de ônibus, citado pelo Financial Times. “Quer dizer que este país é só do Exército e da polícia?” [11]

A onda de greves operárias também teve a característica progressiva de haver passado por cima da direção traidora ligada ao regime desde os tempos de Mubarak, a Federação Egípcia de Sindicatos (EFTU), cujo presidente, Gebaly al-Maraghy​, repetia aos trabalhadores o discurso do governo: “Nossa batalha é para aumentar a produção e combater o terrorismo. Se não ganhamos, se destruirá a totalidade do Egito” [12].

Além disso, a luta trouxe consigo um incipiente processo de reorganização e unidade sindical. Formou-se um novo comitê coordenador das lutas, que agrupou trabalhadores em greve de nove empresas e representantes das greves de médicos, além dos membros dos sindicatos independentes da aviação civil, correio e os ferroviários. [13]

Frente a isso, o governo de Beblawi e o novo primeiro ministro, Ibrahim Mehleb demonstraram as limitações do regime militar para reprimir setores que não são da IM.

O governo simplesmente não podia cercar as fábricas de Mahalla com o Exército e massacrar entre mil e dois mil operários, como fez com os acampamentos da IM no Cairo em agosto último. Uma repressão assim teria consequências nefastas, a ponto de detonar uma nova explosão contra o próprio regime justamente porque a revolução continua.

Por isso, tiveram de aplicar uma política de negociação e concessões, ao mesmo tempo em que faziam apelos gerais ao “patriotismo” ou frases de Mehleb do tipo: “Deixemos todo tipo de atos, protestos e greves. Comecemos a construir a nação” [14]. Al Sisi, o “homem forte” do regime, teve de dizer que “entendia” as exigências dos operários, evitando chocar-se com esse setor pouco antes das eleições.

Construir uma alternativa operária e independente contra a ditadura militar e contra a Irmandade!

1. A esquerda revolucionária deve partir de que a revolução não foi “derrotada”, mas continuará, com seus fluxos e refluxos, por um longo período. Porque os problemas estruturais que motivaram o início da revolução, tanto de cunho econômico como as legítimas aspirações democráticas das massas, não foram e nem poderão ser resolvidas pela ditadura militar egípcia e seus governos.

A situação econômica, marcada por 30% de desemprego e 40% da população sobrevivendo com um dólar por dia, se agrava com o correr do tempo. Desde o início do ano aumentaram os cortes de energia e a escassez de combustível, situação particularmente irritante para as massas. Os milionários empréstimos e doações das monarquias aliadas do Golfo só serviram para evitar o colapso financeiro imediato. O governo, nesse marco, não poderá evitar aprofundar o ataque, como estabelecer o fim do subsídio aos combustíveis, uma medida que esteve na base do descontentamento que derrubou Morsi.

Nesse sentido, o engano e a confusão após a usurpação da vitória popular que derrubou Morsi por parte da cúpula militar começam a mostrar seus limites.

2. A onda de greves operárias, além de ser um fato extremamente progressivo para a revolução, augura novos enfrentamentos e crises maiores, que encontrarão os militares à frente do governo (o que pode acelerar uma experiência das massas com o mesmo), sem muitos “fusíveis” mais e quase sem margem econômica para satisfazer as demandas pelas quais o povo egípcio já protagonizou dois grandes capítulos de sua revolução.

3. Assim, é possível que a situação de refluxo aberta após o golpe de julho comece a mudar favoravelmente para a classe operária e o povo.

4. No entanto, é importante ter claro que o nível das lutas atuais ainda não chegou ao ponto de colocar em risco o regime, apesar do clima de “unidade nacional” que seguiu ao golpe começar a esfriar. Por outro lado, Al Sisi mantém o apoio de setores de massas e é altamente provável que ganhe as eleições. Nesse sentido, a ausência de uma direção revolucionária no processo é o principal flanco de ataque da contrarrevolução, tanto aquela representada pelo governo como a representada pela Irmandade.

5.  Nesse marco, é fundamental que todos os setores que estejam protagonizando lutas contra o governo e o regime militar, especialmente o movimento operário de Mahalla, os motoristas, os trabalhadores da saúde, os novos comitês operários que vêm surgindo por setor, assim como os membros da Frente Caminho da Revolução e todo o “terceiro campo” em geral, discutam um plano de luta nacional em um amplo encontro intersetorial, e coordenem suas ações para derrotar nas ruas os planos econômicos e repressivos de Al Sisi e os generais egípcios.

É preciso unificar as lutas econômicas e democráticas, retomando a grande bandeira da revolução: “Pão, Liberdade e Justiça Social”, e avançar contra a política do governo títere dos militares e as ações contrarrevolucionárias da IM, que continua reivindicando a volta do “Faraó” derrotado pelo povo.

A partir dessa localização no processo revolucionário e com essa política, o movimento operário, com suas greves e incipiente reorganização, deve se colocar à cabeça da luta contra a ditadura militar, mostrando o caminho aos demais setores explorados e oprimidos.

O movimento operário também deve liderar os esforços por construir uma alternativa classista contra o governo e a Irmandade para as próximas eleições presidenciais.

Nesse processo eleitoral será muito importante disputar a consciência dos trabalhadores e da vanguarda que derrotaram Mubarak e Morsi, apresentando uma alternativa independente e postulando candidaturas de operários e lutadores/as sociais identificados com a revolução, sobretudo aqueles que dirigem greves e enfrentam a ditadura, contra a quase segura postulação de Al Sisi e qualquer outra expressão burguesa.

A bandeira que unifica essa luta é justamente Nem militares, nem Irmandade!, que é altamente positiva pois expressa um repúdio às historicamente duas grandes forças políticas contrarrevolucionárias.

A isto se deve agregar a necessidade de lutar por uma alternativa classista e socialista com um programa de destruição do regime militar e por um governo operário e popular, o que não significa outra coisa que levantar a necessidade imperiosa e vital de construir um partido revolucionário, operário e internacionalista no Egito.

Tradução: Cecília Toledo

[1] A Frente Caminho da Revolução nasceu em setembro de 2013. Seu eixo é a luta “contra os militares e a IM” e pelas bandeiras clássicas da revolução “Pão, Liberdade e Justiça Social”. Está integrada pelo Movimento 6 de abril, os Socialistas Revolucionários, o Movimento NÃO aos tribunais militares, entre outros grupos e indivíduos da vanguarda independente que participou das lutas contra Mubarak e Morsi.

[2] http://www.dailynewsegypt.com/2013/12/31/year-in-review-2013-workers-hold-2486-protests/

[3] http://socialistworker.co.uk/

[4] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/02/24/actualidad/1393241202_254194.html

[5] http://socialistworker.co.uk

[6] http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2014/02/egypt-strikes-mahalla-workers-mehleb.html

[7] http://www.ft.com/intl/cms/s/0/bf47558e-9fb8-11e3-b6c7-00144feab7de.html

[8] https://socialistworker.co.uk

[9] Ídem.

[10] http://www.theguardian.com/world/2014/feb/27/egyptian-army-runs-cairo-buses-strikes-minimum-wage

[11] http://www.ft.com/intl/cms/s/0/bf47558e-9fb8-11e3-b6c7-00144feab7de.html

[12] http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2014/02/egypt-strikes-mahalla-workers-mehleb.html#

[13] http://madamasr.com/content/workers-unite-against-new-government

[14] http://www.foxnews.com/world/2014/03/02/egypt-new-prime-minister-urges-end-to-strikes-protests-says-it-time-for-work/