Este é o quarto artigo da série “As amarras da dívida externa”. No último texto iniciamos a história da dívida externa brasileira, tratando do período agrário-exportador, que transcorreu desde meados do século 19 até as primeiras décadas
do século 20. Neste artigo, veremos como se expressou a questão da dívida durante a “Era Vargas”, entre 1930 e 1945

A crise mundial do capitalismo e seus reflexos no Brasil
Em 1929, com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, iniciou-se uma profunda crise econômica internacional que perdurou por toda a década de 30. Foi também uma época de conflitos inter-imperialistas (guerras mundiais). O período marcou a crise final da hegemonia inglesa no mercado mundial e, com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, a consolidação dos EUA como principal país imperialista do globo.

Foram vários os reflexos destes acontecimentos no Brasil. As duas guerras mundiais dificultaram as importações e reduziram o comércio internacional. A crise de 1929 fez cair abruptamente os ingressos de divisas estrangeiras devido à queda nas exportações brasileiras. Segundo Werner Baer em “A industrialização e o desenvolvimento econômico do Brasil”, o valor das exportações brasileiras caiu de US$ 445,9 milhões, em 1929, para US$ 180,6 milhões em 1932.

Só que desta vez, também como resultado da crise de 1929, não se pôde recorrer a empréstimos internacionais para compensar a queda nas exportações. Ao contrário, o que se viu foi uma fortíssima fuga de capitais estrangeiros. O governo viu-se sem acesso a divisas externas com que pudesse realizar seus pagamentos internacionais, incluindo os relativos à dívida externa.

Foi neste contexto que, a partir dos anos 30, consolidou-se a transição em que o eixo da acumulação de capital no Brasil deixou de ser a produção agrícola para exportação e passou a ser o da industrialização voltada para o mercado interno.

As políticas defensivas
Como resposta a estas dificuldades, o governo Vargas viu-se obrigado a realizar uma série de suspensões e renegociações da dívida externa. Foi também levado a adotar outras políticas defensivas em relação à economia brasileira, como o estabelecimento do monopólio cambial (ou seja, sobre a compra e venda de moedas estrangeiras) e do controle de importações. “O novo governo estabeleceu o controle direto do mercado de câmbio, através do Banco do Brasil, visando racionar as despesas de importação, evitar a fuga de capitais e impedir a especulação cambial” (Milton Braga Furtado. Síntese da economia brasileira). Realizou ainda, no final de 1931, uma auditoria que constatou que cerca de 60% da dívida externa não tinha sequer registro documental.

Este processo deu-se através de crises e respostas a estas crises. Houve uma retração da economia entre 1929 e 1932, sendo que em 1931, pior ano da recessão, ocorreu a primeira suspensão dos pagamentos da dívida externa e a adoção do monopólio cambial do Banco do Brasil, como reflexo da escassez de divisas externas.

Foi implementado um controle para a distribuição do câmbio, levando em conta uma ordem decrescente de prioridades, que começava pelas compras oficiais, seguidas do serviço da dívida pública, das importações essenciais e de outras remessas, incluindo lucros e dividendos e atrasados comerciais (Abreu. Crise, crescimento e modernização autoritária: 1930-1945).

Entre 1934 e 1937 houve uma forte recuperação, com a economia crescendo 6,5% ao ano, mesmo levando em conta as dificuldades cambiais. Em 1937 e 1938, com outra recessão nos EUA, a diminuição da entrada de capitais estrangeiros levou a uma nova suspensão do pagamento da dívida externa, até 1940, e à adoção novamente de um regime de controle de câmbio e de importações semelhante ao de 1931-34.

As dificuldades em importar produtos se agravaram ainda em função do advento da Segunda Guerra Mundial (1939-45). Isto, aliado à elevação das exportações brasileiras a partir de 1941, resultou na obtenção de grandes saldos comerciais.

Estes saldos, combinados com a volta da entrada de capitais privados dos EUA, fizeram com que, nos últimos anos da guerra, o governo brasileiro voltasse a acumular reservas cambiais. As reservas, que eram da ordem de US$ 70 milhões em 1939, chegaram a cerca de US$ 650 milhões em 1945.

O período final da guerra e o acordo da dívida externa
No conjunto do período, o pequeno ingresso de capitais estrangeiros, por um lado, e as renegociações e suspensões, por outro, levaram a uma significativa redução da dívida externa. Na época, apesar de a Inglaterra já não ser a economia capitalista mais importante, os credores ingleses ainda possuíam a maior parte da chamada dívida externa brasileira. Esta contradição, somada aos interesses da política externa estadunidense em ocupar espaço na economia brasileira, enfraqueceu a posição negociadora dos credores ingleses. Um acordo definitivo foi fechado em 1943, pouco antes do fim da Segunda Guerra, com o qual a dívida externa foi reduzida em cerca de 50%.

A mudança de eixo da economia
Em síntese, o período analisado neste artigo foi caracterizado pela crise econômica internacional e pelos conflitos interimperialistas que tiveram profundas repercussões sobre a economia brasileira. Houve uma considerável redução da dívida externa e um enfraquecimento relativo e temporário dos laços de dependência, criando uma certa margem de manobra interna à economia brasileira.

A escassez de divisas, as sucessivas suspensões de pagamentos da dívida externa, e os controles do câmbio e das importações ajudaram a proteger a produção interna e a impulsionar a industrialização por substituição de importações, ainda de forma restringida e voltada principalmente para bens de consumo e alguns bens intermediários. Devido ao escasso ingresso de capital estrangeiro, este crescimento da produção foi financiado basicamente por uma acumulação de capital interna à economia brasileira e controlado em grande medida por capitalistas brasileiros.

Um novo conteúdo para a dívida e a dependência
Ao final do período de crise e de conflitos interimperialistas, os EUA emergiram como a principal potência capitalista do mundo. A fase seguinte caracterizou-se pelo aprofundamento da industrialização no Brasil, desta vez fortemente amparada no ingresso de capital estrangeiro.

Esta industrialização não significou o fim da dependência, nem a resolução da questão da dívida externa. Estes problemas tiveram uma mudança de conteúdo, estabelecendo-se uma dependência de novo tipo, fundada na presença das grandes empresas multinacionais, e uma nova configuração para a dívida externa, assunto de que trataremos no próximo artigo.

Post author João Valentim, do Rio de Janeiro (RJ), e Cristiano Monteiro, de São Paulo (SP)
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