Américo Gomes, do Instituto José Luís e Rosa Sundermann
O golpe de 24 de março de 1976 foi organizado pela grande burguesia argentina e as empresas multinacionais, aquelas chamadas por Horacio Verbitsky como os “mandantes económicos”. Os generais assassinaram cerca de 30.000 pessoas a mando destes senhores.
Eles indicaram José Martínez de Hoz para a pasta econômica. Hoz, ligado ao setor financeiro e industrial, particularmente a indústria petroleira, era presidente da Petrosur, amigo dos Rockfeller.
Com isso ganharam muito, empresas como Ford, General Motors, Mercedez Bens, Pérez Compamc (Pecom Energia – PSE – ligada à indústria petroleira); o ítalo-argentino Techint (Tecpetrol); junto com as argentinas Bunge y Born, Ledesma S.A.A.I; Acindar Indústria Argentina de Aceros S.A. (Acindar), Dálmine Siderca (grupo Techint), entre outras.
As direções destas empresas estão sendo denunciadas por envolvimento em sequestros e desaparecimentos de trabalhadores, delegados sindicais e advogados trabalhistas.
“Os militares não buscavam só a aniquilação da guerrilha mas também a liquidação do movimento operário. Os ‘Relações Humanas’ destas empresas, trabalharam estreitamente unidos com os militares“, declarou o advogado Héctor Recalde.
Depois do golpe de estado, as greves foram declaradas “ilegais” e quem paralisava o trabalho, era um “terrorista”. Sindicalistas foram declarados “subversivos”, o que equivalia a ser liquidado. Martínez de Hoz congelou salários e aumentou a pobreza. Para se ter uma ideia, em 1974 esta era de 5,8% e em 1982 passou a 37,4%.
Para beneficiar os patrões a ditadura estatizou a dívida de bancos privados, como o Banco de Londres, o Francês, Citibank, Superville, Galicia, e das multinacionais como Fiat, Esso, Techint, Renault, IBM, Acindar, Ford e Cargill. Com isso, a dívida do país passou de 8 bilhões de dólares a 45 bilhões. As empresas e bancos privados ficaram sem dívida, mas o povo argentino com muita. Graças à Lei 21.526, os juros subiram mais de 100%, e Argentina passou a ser um país de especulação financeira, com os capitalistas deixando de investir na área produtiva.
Promoveu ainda a desindustrialização causando o desemprego e a destruição da indústria nacional, beneficiou a produção estrangeira tirando as barreiras aduaneiras.
Mercedes Benz
A Mercedes Benz é investigada pelo Juzgado Federal de San Martin Nº 2, por sua responsabilidade no sequestro de 17 trabalhadores, dos quais apenas 3 sobreviveram. Todos da Comissão Interna, independente do sindicado. O dirigente do sindicato SMATA, na época José Rodríguez, já falecido, é apontado como cúmplice deste crime.
Segundo esta investigação judicial, agentes do Estado se infiltraram entre os trabalhadores para recolher informações sobre a atividade política e sindical, com o conluio da direção da empresa. Além disso, esta entregava listas de trabalhadores para a polícia, e há suspeitas que se apropriavam dos filhos recém-nascidos dos desaparecidos. Particularmente o ex-gerente Juan Tasselkraut,
A empresa nunca os perdoou pela greve que realizaram em 1975, contra a vontade do sindicato SMATA. Quando 119 trabalhadores foram despedidos, foram à greve apoiados por seus familiares. A empresa teve que anular as demissões.
Com a instauração da ditadura veio a retaliação. Não se sabe quantos operários foram sequestrados entre abril de 1976 e agosto de 1977, levados aos centros de torturas e assinados. Mas se calcula que entre 13 e 20.
Um deles foi militante do “Partido Revolucionário dos Trabajadores” (PRT) El Combatiente, Ricardo Hoffmann, que afirmou: “nem um só dos desaparecidos de Mercedes era guerrilheiro“. Dos trabalhadores presos, 3 sobreviveram: Juan e Alfredo Martín, e Héctor Ratto, presos e torturados. Juan José porque foi detido em seu lugar de trabalho e os 3 mil trabalhadores foram durante dias e noites se manifestar em frente o quartel de La Tablada, exigindo sua libertação, o que salvou sua vida. Héctor Tatto também foi preso dentro da empresa, a Mercedes Benz não tinha seu endereço para entregar à polícia, pois havia se casado há pouco tempo e mudado de casa. Ambos diferentes de outros que desapareceram sequestrados em suas casas, com o endereço fornecido pela empresa. [1]
A Ford
A associação entre os comandos militares e a direção da Ford era tão grande que a planta de General Pacheco, na província de Buenos Aires, era um verdadeiro campo de concentração com todos os trabalhadores registrados pelos aparatos de repressão, além das prisões de delegados e ativistas e revistas permanentes.
A Comissão pelos Direitos Humanos CONADEP denunciou que, na Ford, foram torturados integrantes da Comissão Interna, alguns transportados para os centros de tortura. Depois eram despedidos por “ausência não autorizada“. Aponta-se que são pelo menos 100 desaparecidos.
A investigação sobre a atuação da empresa durante a ditadura deu lugar a um julgamento penal e civil contra o pessoal diretivo, impulsionado por alguns dos operários sobreviventes, especialmente Pedro Norberto Troiani.
General Motors
Uma das zonas mais castigadas pela repressão foi o noroeste Bonaerense, onde ficavam as grande plantas industriais como Mercedes Benz, Fiat, Ford e General Motors, Goodyear, Metalúrgico Santa Rosa, Celulosa Argentina, e outras. Muitos de seus delegados e ativistas foram sequestrados e torturados no centro clandestino de Campo de Maio, por onde passaram mais de 6.000 detidos/desaparecidos. Situações similares se deram em outras partes da Argentina com outras multinacionais como Fiat, Renault e Peugeot. Em quase todas as fábricas os trabalhadores foram reprimidos.
A poucos dias do golpe houve mobilizações em fábricas como IKA-Renault, Yelmo, EMA, Fiat, Chrysler, Craysler (Monte Chingolo y San Justo). Mercedes Benz e outras. Entre elas a General Motors de Barrancas.
Isso levou a que em 12 de abril a polícia e o Exército cercassem a fábrica, interrogassem os trabalhadores e levassem presos 3. Os que ficaram, foram obrigados a trabalhar a um ritmo febril, com rifles nas costas.
Em setembro, a maioria das empresas automobilísticas (Ford, General Motors, Fiat, Renault), foram à greve. Novamente, foram durante reprimidas.
De acordo com a política de desindustrialização de Martínez de Hoz, em 1979, a GM sai do país deixando 4 mil operários na mão e afetando cerca de 16 mil trabalhadores de autopeças e concessionárias. O mesmo se passou com a Olivetti, Peugeot e Deca, que em acordo com o governo diminuíram e realizaram demissões massivas tudo para manter seus lucros.
A cumplicidade da indústria petroleira
A proibição de partidos políticos e sindicatos, e o marco repressivo geral, foi indispensável para levar à prática o programa econômico de Martínez de Hoz.
O país se transformou num paraíso para a reciclagem dos “petrodólares”. Os países petroleiros estavam ganhando muito dinheiro com a crise do petróleo e depositavam seus lucros em bancos internacionais, entre eles os que ficavam na Argentina. Um dos magnatas desta indústria David Rockefeller, diretor do Chase Manhattan Bank, viajou pessoalmente a Buenos Aires em 1978 para apoiar os planos da ditadura e Martinez Hoz, por quem dizia sentir um “grande respeito e admiração”.
Hoz teve a política de pegar empréstimos e aumentar a dívida pública do estado, garantir a diminuição do valor do dólar, e abrir o mercado interno com a diminuição das barreiras alfandegárias. Com isso houve desindustrialização que anulou a capacidade operativa do Estado, levando a uma sociedade arrasada, com sua população empobrecida e desempregada.
Utilizou as empresas públicas para isso. A YPF tomou tanta dívida que era a única petroleira do mundo que dava prejuízo.
Segue a luta contra a impunidade
Foram as mobilizações das massas e a rebelião de 19 e 20 de dezembro de 2001, que derrubaram o governo de De la Rúa, anularam as leis de impunidade de Alfonsín e abriram a possibilidade de se julgar os genocidas da ditadura. Com isso, realizaram-se alguns julgamentos, mesmo assim, depois de 16 anos da anulação das leis de impunidade, só se condenaram 737 genocidas, menos da metade dos processados. Vale lembrar que no Brasil, apesar de ter vários presidentes perseguidos, presos e torturados pela ditadura, nenhum torturador foi jamais preso ou punido.
Estes julgamentos vêm diminuindo a cada ano. Cerca de 40 % dos repressores que estão sendo julgados (mais de 500) gozam do beneficio da prisão domiciliar, outorgadas pelo governo Kitchner. Os sócios e cúmplices civis de a ditadura -empresarios, juízes e políticos- permanecem impunes. Da mesma maneira que os crimes da Triple A e das bandas fascistas.
“Os governos de Néstor e Cristina Kirchner, não só não agilizaram os julgamentos, dispondo dos recursos políticos para fazê-lo, se não que decidiram conviver com um poder judicial repleto de juízes designados durante a ditadura e que atuaram uma e outra vez como garantidores da impunidade”, afirma o documento “Encuentro Memoria, Verdad e Justicia.
Somente a mobilização da classe trabalhadora e suas organizações, no Brasil, na Argentina e em todo Cone Sul, fará justiça com os agentes de Estado e com as multinacionais que cometeram crimes durante as ditaduras em nosso subcontinente. Esta é uma luta que ainda não está no fim.
Américo Gomes direto de Buenos Aires, integra a Comissão de Presos e Perseguidos Políticos da ex-Convergência Socialista
Bibliografia
Os Desaparecidos de Mercedes Benz de Gaby Weber, http://www.gabyweber.com/dwnld/bucher/conexion_alemana.pdf
“No todos os vigilantes tienen manga blanca”; Por Pablo Llonto; Colectivo Ex Presos Pol.Y Sobrevivientes – Rosario, http://colectivoepprosario.blogspot.com.ar/2011/03/la-represion-en-mercedes-benz-acindar.html
El plan económico de a Dictadura al servicio de os empresarios, http://www.pstu.com.ar/el-plan-economico-de-la-dictadura-al-servicio-de-los-empresarios/
[1] O advogado Florencia Arietto é que toca o proceso contra a Mercedes Benz