Em 16 de junho de 1976, milhares de adolescentes das escolas secundaristas de Soweto, na África do Sul, saíram às ruas para protestar contra a imposição do ensino do “africânder” (a língua falada pelos colonizadores brancos) nas escolas do país, uma forma nada sutil de tentar impor a ideologia racista à rebelde juventude negra.

O protesto – um corajoso e espontâneo desafio contra o regime do apartheid, que vigorava no país desde a década de 40 e garantia que 5% da população branca mantivesse o total controle político e econômico sobre o restante do país – foi brutalmente reprimido por forças da polícia e do exército, resultando num verdadeiro massacre, responsável pela morte de mais de 500 crianças.

O primeiro deles foi Hector Pieterson, de 13 anos, cuja foto do corpo sendo carregado por um amigo percorreu o mundo, detonando uma onda de protestos que varreu todos os cantos do planeta, marcando o que muitos consideram o “início do fim” do regime racista sul-africano.

Décadas de luta
A explosão da juventude negra foi resultado da insuportável mescla de décadas da segregação racial e exploração sem limites, que mantinha a população negra em gigantescos e miseráveis guetos, como Soweto, uma “township” (favela) onde cerca de um milhão de pessoas viviam em condições subumanas.

A repercussão do massacre ecoou em todo o país. Nos meses seguintes, mobilizações semelhantes não só se espalharam pelas principais cidades, resultando na morte de mais 600 pessoas, mas também na intensificação e radicalização das lutas. Foi neste contexto, por exemplo, que a Congresso Nacional Africano (CNA), dirigido por Nelson Mandela, decidiu pegar em armas contra o sistema e que Steve Biko e seu Movimento de Consciência Negra intensificaram suas ações (o que, infelizmente, acabou resultando na prisão e assassinato de Biko, em setembro de 1977).

Hoje, o apartheid econômico
Nas décadas seguintes, a luta incessante do povo sul-africano levou ao desmantelamento do sistema racista do apartheid. As últimas leis segregacionistas foram revogadas em 1991 e, em 27 de abril de 1994, Mandela assumiu o poder como primeiro presidente negro da história do país.

Contudo, como a chegada do CNA ao poder se deu em meio a um vergonhoso processo de acordos e concessões à elite branca, hoje, apesar do fim “formal” da segregação racial, a juventude e os trabalhadores negros vivem submetidos a um verdadeiro apartheid econômico, no qual ainda são bastante visíveis as divisões de raça e classe.

Os dados oficiais indicam que 26,7% da população negra está desempregada, mas, dentro do próprio país, não há ninguém que afirme que esta taxa seja menor do que 40%. Além disso, a população negra que continua abarrotada nos “townships” viu surgir um novo abismo na sociedade, além daquele que continua os separando da elite branca – cujo poderio econômico foi totalmente preservado pelos conciliadores governos do CNA.

Exatamente como resultado das concessões e acordos que a burocracia negra vinculada ao governo fez com seus novos parceiros – os capitalistas brancos que rapidamente se adaptaram à lógica de que era melhor perder alguns poucos anéis do que os dedos ou a própria mãos – a África do Sul, nos últimos 10 anos, assistiu ao surgimento de uma classe média negra, endinheirada e totalmente distante dos ideais que custaram a vida de tantos, como as crianças de Soweto.

Por essas, e muitas outras, o pronunciamento do atual presidente, Thabo Mbeki, no dia 16, que teve como lema “Era da esperança: aprofundando a participação da juventude no desenvolvimento”, só pode ser visto como lamentável hipocrisia.

Hoje já não são poucos os sul-africanos que percebem que a luta dos jovens de Soweto ainda não foi totalmente vencida. Se é verdade que as leis do apartheid caíram, ainda é necessário derrubar o sistema que sempre se beneficiou do racismo, o capitalismo, hoje preservado e comemorado pelos ex-lutadores do CNA, agora transformados em parceiros e cúmplices da exploração da juventude e dos trabalhadores negros da África do Sul.
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