Opinião Socialista – Como foi organizada a ocupação?
Helena Silvestre- Como todas as cidades da Região Metropolitana de São Paulo, Osasco também tem um grande problema de moradia. A partir de um trabalho que o Movimento Luta Popular vinha desenvolvendo aqui, fomos identificando que havia uma demanda habitacional muito grande. As famílias então começaram a se organizar e pediram nosso apoio e ajuda para realizar essa ocupação. Fizemos uma ocupação no dia 12 de julho aqui em Osasco numa área pública e municipal no Parque Bandeirantes. Lá sofremos um despejo muito rápido a mando da prefeitura. Mas arrancamos uma negociação e a realização de um cadastro com 300 famílias junto à administração municipal. Enviamos à prefeitura esse cadastro, mas não houve resposta. Ignoraram todo o processo de negociação e fingiram que a gente não existia.
As famílias seguiram organizadas e definimos que a única saída pra aquelas pessoas que estavam já à beira de uma ordem de despejo era fazer uma nova ocupação. No dia 24 de agosto realizamos essa ocupação aqui, no Bairro Três Montanhas.
 
O movimento cresceu e abrimos a ocupação para outras famílias que estavam dispostas a participar da luta. Hoje, com uma semana de ocupação, temos aqui cerca 1.100 famílias. Nossa perspectiva aqui não é construir uma nova favela. Muito pelo contrário, já viemos de uma situação muito precária. Nossa perspectiva é organizar uma comunidade que tenha condições de se organizar pela luta por moradia questionando as políticas públicas atuais.
 
Como está a situação do terreno? A prefeitura já se dispôs a negociar?
Helena – Essa é uma área privada, o proprietário já deu entrada no pedido de reintegração de posse. Pretendemos realizar uma luta jurídica pra questionar não cumprimento da função social da propriedade. Queremos questionar o conjunto das áreas vazias da cidade que não cumprem função social. Mas nossa luta não é só contra o proprietário. É uma luta contra o Estado que não têm implementado uma política de habitação popular que contemple as necessidades dos trabalhadores mais pobres.
 
Achamos que o governo do estado também deve se envolver e que o governo federal tem que entrar forte aqui, pois a política de habitação, implementada pelos municípios, é nacional.
As três esferas de governo têm responsabilidade pelo fato de que direito à moradia dessas pessoas não está sendo garantido. Achamos que possível assentar essas famílias em programas habitacionais.
Não vamos sair dessa luta sem conseguir o direito a moradia. Estamos aqui debaixo de lona, comendo na cozinha coletiva, trazendo doação de alimento, passando frio, dividindo o trabalho de limpeza. Estamos numa situação difícil e precária, mas a gente tem esperança de conquistar nossa moradia, por isso “ocupação esperança”.
 
Como você avalia as políticas públicas a respeito da questão da moradia?
Helena – Na verdade a política de habitação tem se estruturado de forma complicada e ineficiente. Não dá conta dos problemas de habitação principalmente nas regiões metropolitanas, onde a especulação imobiliária é muito grande e o custo da terra muito alto.
 
Osasco é um exemplo disto. Em 2009, com o lançamento do “Programa Minha Casa. Minha Vida”, a prefeitura, que é do PT, abriu um cadastramento pela internet e alguns pontos da cidade. Teve mais de 70 mil famílias. Como eles perceberam que isso não teria fim, fecharam o cadastro rapidamente. Fizeram uma triagem e chegaram a um número de 43 mil que estariam em condições de entrar no programa. De 2009 até hoje, a prefeitura entregou apenas 420 unidades do “Minha Casa”, ou seja, não nem 1% do cadastro realizado.
 
Essa é uma realidade de todo o Brasil, não só daqui. A especulação imobiliária é muito forte no país. As terras não cumprem nenhuma função social. As prefeituras não implementam nem mesmo os instrumentos legais criados pelos próprios planos diretores ou outros como a edificação compulsória, a da ação em pagamento ou a adjudicação, formas que podem saldar dívidas tributárias em troca do terreno.
 
Isso não é levado adiante porque a cidade se tornou uma mercadoria extremamente rentável aos capitalistas. Na medida em que os terrenos providos com infra-estrutura urbana são caríssimos, ou seja, estão fora dos programas habitacionais, as pessoas pobres vão se acomodando em moradias precárias, em sub-habitações, onde moram três ou quatro famílias, ou vivem em áreas de riscos e distantes de onde tem alguma infra-estrutura urbana.
Na verdade é o problema da cidade e da reforma urbana que está em jogo quando a gente discute a especulação imobiliária e a postura condescendente que os governos têm com eles.
 
A reforma urbana foi uma bandeira histórica dos movimentos de luta por moradia. Como travar essa luta hoje?
Helena – Durante a década de 1980, o movimento pela reforma urbana foi muito importante, mesmo na época da ditadura. Como exemplos são o movimento de mães sem creches, de mutirões, o movimento contra a carestia e o que organizava ocupações.
 
Juntos, esses movimentos reivindicavam outra lógica de desenvolvimento das cidades e acumularam uma série de propostas importantes. Qual é o problema? Muitos governos passaram a incorporar essas propostas, mas apenas na forma. O conteúdo radical delas, a lógica de construir uma cidade que priorize a vida e não o lucro ficou pra trás. Ao mesmo tempo, muitos desses movimentos escolheram o caminho institucional e não a luta direta.
 
É preciso retomar prá valer a luta pela reforma urbana. O combate à especulação só pode se dar com a organização popular, com base, força, e na luta direta, para que se criem novas soluções e propostas, começando por colocar em pratica a expropriação imediata de todas as áreas vazias com dívidas tributárias; a desapropriação de todas as áreas subutilizadas; o controle estatal dos preços dos aluguéis; a formação de Conselhos Populares que decidam sobre a política urbana em assembleias populares massivas.
 
Os movimentos têm que se unir para que possamos conquistar o verdadeiro direito à cidade, para que a gente não seja absorvido e massacrado por esse modelo de desenvolvimento urbano.
 

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