Os trabalhadores do ABC paulista, importante pólo industrial do país, já sentem na pele os efeitos da crise econômica mundial. A economia da região baseada principalmente no setor automotivo, acompanha a queda da produção em nível mundial. Os patrões produzem menos, vendem menos, mas não querem lucrar menos. Apesar de terem acumulado lucros incalculáveis nos últimos anos, não querem se desfazer de um centavo para garantir os empregos.

As saídas dos patrões – muitas vezes apoiadas por centrais sindicais como a CUT e a Força Sindical – tem sido reduzir jornada de trabalho e salário, dar férias coletivas, abrir PDVs, implantar banco de horas, enfim, tentar fazer com que os trabalhadores paguem pelos prejuízos.

O Portal do PSTU entrevistou Rogério Romancini, do Ferramenta de Luta, grupo de oposição à diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, filiado à CUT. O Ferramenta é ligado à Conlutas, que defende a estabilidade no emprego e nenhuma redução de salários e direitos. Rogério é metalúrgico da Volkswagen e foi demitido em fevereiro de 2007 por perseguição política.

Portal do PSTU – A Mercedes Benz de São Bernardo do Campo anunciou férias coletivas para quase todo o quadro de funcionários. O que isso significa? Qual o risco para os trabalhadores?
Rogério Romancini
– Não somente na Mercedes, mas também na Volks Caminhões, do Rio de Janeiro, e na Ford, aqui de São Bernardo. Estas são as três maiores montadoras de caminhões do país. As outras menores, como Scania e Volvo, já haviam realizado cortes, demissões, no ano passado.

Todas estas empresas estão aproveitando e avançando para cima dos direitos dos trabalhadores. Por exemplo, a Scania, no ABC demitiu todos os estagiários em dezembro de 2008. Aqui, os temporários são chamados de estagiários, ganham menos que o piso da categoria. Eram, ao todo, 500 jovens operários. E mais, a mesma empresa agora criou uma tal de licença não-remunerada em que os trabalhadores ficam dias em casa sem receber. Isso nada mais é que redução de salário e de jornada.

A Mercedes tem cerca de dois mil trabalhadores, entre temporários e aposentados, que a empresa quer enxugar. Por enquanto, são as férias coletivas e PDVs [Programa de Demissões Voluntárias], mas caso a crise se estenda, a empresa pode querer mexer com estes companheiros.

No ano passado, a Mercedes liderou a venda de caminhões, segundo pesquisa. Também investiu R$ 1,5 milhão para aumentar a produção. É possível que a crise tenha afetado tão rapidamente a empresa a ponto de não poder manter os operários?
Rogério
– Como qualquer empresa capitalista e multinacional, a Mercedes está ajustando sua produção à diminuição da procura por caminhões. Na ânsia pela manutenção da sua taxa de lucro, não somente a Mercedes, mas todas as empresas estão querendo mexer nos mínimos direitos que ainda temos. Essas empresas multinacionais precisam alimentar suas matrizes com o lucro que elas ganham aqui. A Alemanha, por exemplo, onde fica a matriz da Mercedes, é uma das economias mais atingidas pela crise atual. O particular da Mercedes é que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na figura de seu diretor Valter Sanches, esta presente no Conselho Administrativo Mundial. Portanto qualquer demissão, corte de pessoal e redução de custos, o Sanches saberá ou mesmo permitirá em nome da lucratividade.

O sindicato disse o seguinte: “Férias coletivas, férias normais, banco de horas, redução de jornada fazem parte dos mecanismos de preservação de emprego negociados entre o Sindicato e as empresas da sua base. A diretoria dos Metalúrgicos do ABC defende que todos esses mecanismos de negociação têm de ser utilizados para evitar demissões e garantir a manutenção da renda do trabalhador”. Você tem acordo com isso? Qual seria a melhor saída?
Rogério
– O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, desde a década de 90, vem negociando uma série de acordos, que além de flexibilizar a jornada, mexem no salário. Nesta crise, já desde o final do ano passado, as demissões e as férias coletivas vêm sendo impostas pela patronal. O sindicato somente se coloca à frente dos operários para negociar uma suposta melhor saída entre estas alternativas, demissões ou redução de salários.

Não podemos ter acordo com esta forma de defender o emprego e a renda. Primeiro porque o desemprego já deu um salto neste começo de ano no ABC, mesmo com assinatura dos tais acordos. Os acordos já se dão com base em milhares de demissões. Em segundo lugar, a redução de salário que a patronal vem impondo aos trabalhadores, com a conivência da CUT e do Sindicato do ABC, nada mais vai fazer do que financiar a próxima leva de demissões, já que o governo federal financiou a primeira onda, com as isenções fiscais, empréstimos, spreads e outros privilégios aos patrões.

O que nós, do Ferramenta e da Conlutas, defendemos é que o governo Lula, que diz estar ao lado dos trabalhadores, assinasse uma Medida Provisória, como a que assinou para dar ajuda financeira para os bancos e multinacionais, decretando a estabilidade do trabalhador no emprego, a redução de jornada sem redução de salário, o controle de capitais. Isso é perfeitamente possível e justo, pois toda a riqueza gerada nos últimos anos, aqui por nós, as multinacionais estão enviando para as suas matrizes para manter a ganância de seus acionistas por lucros.

E sobre as demissões na Mahle? Houve 300 demissões em Mogi Guaçu e se comenta que podem haver 180 em São Bernardo.
Rogério
– Infelizmente não é só na Mahle. A Kostal, outra importante autopeças de São Bernardo, demitiu cerca de 30 operárias na última sexta-feira, dia 6 de fevereiro, e pretende demitir outros 50 trabalhadores. Por todo o ABC temos avisos diários de demissões nas empresas. As borracheiras entraram em férias coletivas. Duas delas, das três marcas que produzem na região, anunciaram demissões. Autopeças como TRW, Federal Mogul, Max Precision e Special Quality estão em luta como na própria Mahle. Mas o que as direções dos sindicatos dos metalúrgicos do ABC, ligado à CUT, e de Santo André, que é ligado à Força Sindical, defendem vai contra o anseio da classe operária. E o papel da CUT é perverso, porque, no discurso, fala contra a Força Sindical, mas, na prática, negocia os mesmos acordos na região que os negociados em São Paulo pela Força.

NOTA: Na sexta-feira, 6 de fevereiro, após termos feito esta entrevista, mais 106 demissões trabalhadores foram demitidos na Kostal, 15 via PDV e 91 sumariamente.

LEIA TAMBÉM:

  • Mercedes de São Bernardo anuncia férias coletivas para 7 mil operários

    Atualizada em 11/2/2009