Congresso da CSP-Conlutas realiza debate com entidades de trabalhadores rurais para discutir o campo brasileiro


Antes que a CLT, criada em 1943, chegasse ao campo, estabelecendo condições minimamente dignas ao trabalhador rural, a mecanização imposta pela entrada dos grandes grupos e monopólios financeiras trouxe novos desafios. Esse foi o difícil panorama do campo hoje no Brasil traçado por Rubens Germano, o Rubão, dirigente da Feraesp (Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais do Estado de São Paulo) durante o painel que discutiu o campo no segundo dia do Congresso da CSP-Conlutas em Sumaré (SP) nessa quinta, 5.
 
Durante o último período uma série de entidades do campo se filiaram ou se aproximaram à CSP-Conlutas em busca de uma central que não tivesse sido cooptada pelo Governo Federal e que se disponha a organizar a luta dos trabalhadores rurais contra os grandes interesses das multinacionais. O painel sobre o tema organizado no congresso da CSP-Conlutas buscou refletir esse processo e contou com a participação, além de Rubão, do dirigente da Conafer (Confederação Nacional dos Agricultores Familiares), Paulo Gico, do representante do MTL (Movimento Terra, Trabalho e Liberdade, Venancio Guerrero e Derci Teles, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, do Acre, histórica entidade dirigida por Chico Mendes.
 
Transformações do campo
A própria história pessoal de Rubão expressa as profundas transformações que o campo brasileiro passou nos últimos anos. “Nasci camponês e virei assalariado rural na marra“, relata. Processo que extingue o emprego no campo sem oferecer alternativas e que transformou o tradicional trabalhador rural num assalariado precarizado e superexplorado. 
 
Os trabalhadores iniciaram sua organização no estado de São Paulo a partir da histórica greve de Guariba, em 1984, quando os cortadores de cana protagonizaram um levante contra suas condições de trabalho. O movimento foi brutalmente reprimido pela polícia, mas deu início à organização no setor. Agora, os trabalhadores se deparam com desafios de outra natureza.
 
O processo de mecanização do campo quase acabou com os trabalhadores do corte de cana“, explica, lembrando que “o corte de cana sempre foi difícil, que provoca lesões, mas o governo também não tomou nenhuma alternativa de ocupação“. O domínio do setor financeiro e dos grandes monopólios é o que explica essa mudança. O patrão, o velho coronel, deu lugar a grandes empresas com o capital vendido nas bolsas e gerido por grandes grupos financeiros internacionais.
 
Tal situação gera a seguinte contradição: produz-se muito, mas para exportação e para o lucro de poucos. A população não se beneficia disso e os trabalhadores do campo transformam-se em assalariados rurais superexplorados, quando não tem seus empregos extintos. Conseguir organizar a luta no campo nessas condições é o desafio colocado por Rubão. “Somos trabalhadores do complexo agroindustrial, tratorista, motorista, somos trabalhadores rurais e temos que nos organizar, mas não conseguimos fazer isso sozinhos, precisamos de uma central“, disse, explicando a adesão à CSP-Conlutas. Organizar para lutar pelo que acredita ser a única solução para o campo: uma reforma agrária com qualidade de vida ao trabalhador rural.
 
Traição do PT
Motivo semelhante levou a aproximação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri à CSP-Conlutas, apesar da diferença entre os trabalhadores do campo do Acre e São Paulo. “Começamos a nos organizar a partir dos anos 70 e 80, com a ajuda da Teologia da Libertação”, explicou Derci Teles, presidente do sindicato que organiza todos os trabalhadores envolvidos no trabalho rural. “A partir daí conseguimos construir muita coisa, avançamos na questão da saúde, educação, inclusive construímos o Partido dos Trabalhadores no estado“, relata. 
 
Após 16 anos no poder, o PT, segundo Derci, “destruiu o próprio PT que construímos“. O partido cooptou dirigentes sindicais, atacou os sindicatos esvaziando as entidades e criando associações nas comunidades com o objetivo de controlá-las através do acesso ao crédito, e impôs um modelo de extrativismo que nada tem a ver com o defendido por Chico Mendes e os trabalhadores na região. “A reserva extrativista Chico Mendes foi uma conquista dos trabalhadores, mas se transformou numa unidade de conservação totalmente diferente do modelo defendido pelos trabalhadores, que era um modelo de reforma agrária que atendesse às necessidades dos trabalhadores“, explica.
 
O governo cria cooperativas fantasmas em que “os empregados não tem qualquer assistência e existe apenas parar gerar lucros para o estado e meia dúzia que dirigem essas cooperativas“. O resultado desse modelo que perpetua a pobreza é o aumento da criminalidade e uma situação em que muitas mulheres não encontram saída a não ser na prostituição. 
 
No mês passado o sindicato de Xapuri votou em assembleia sua filiação à CSP-Conlutas.
 
Venâncio Guerrero do MTL analisou a injusta situação do campo, com o estabelecimento das fronteiras agrícolas e o monopólio da terra através da violência. Nos últimos anos, essa violência passo a conviver com o neoliberalismo e a ideologia de que o camponês é um “farmer”, uma espécie de empresário do campo. Noção que o PT deu continuidade e que serve para a dominação das grandes empresas. 
 
A luta pela reforma agrária deve significar uma pelo território, é uma questão de poder, colocar em xeque o monopólio da terra, conquistado através da violência“, defende. “Esse espaço da CSP-Conlutas é muito importante pra criar essa união fundamental entre a nossa classe na cidade e no campo“, afirmou.
 
Mulheres no campo
A luta do trabalhador do campo não se refere apenas às questões econômicas e às condições de trabalho. Num ambiente ainda majoritariamente machista, a questão de mulheres assume uma importância ainda maior. “Toda central tem suas divergências, mas na CSP-Conlutas encontramos um diferencial, ela respeita o trabalhador, e respeita as mulheres”, disse Paulo Gico da Conafer, citando o trabalho do MML (Movimento Mulheres em Luta) e como isso tem está avançando na luta contra o machismo na categoria.