Plebiscito visa desviar a atenção das reivindicações levantadas nas ruas e impor medidas antidemocráticas

Após duas semanas de protestos que varreram o país de norte a sul, acuando os políticos e as instituições, o governo foi obrigado a anunciar medidas para responder a voz das ruas. O Congresso, em tempo recorde, arquivou a PEC 37, que limitava o poder de investigação do Ministério Público, classificou a corrupção como crime hediondo e, de forma surpreendente, o próprio presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), anunciou a votação do passe livre para os estudantes. Medidas que, embora mantenham a atual política econômica, são progressivas e mostram a força das manifestações.

Mas nem tudo o que foi anunciado pode ser visto como uma conquista das mobilizações. A presidente Dilma Roussef, momentos antes da reunião com prefeitos e governadores na tarde desse último dia 24, anunciou a decisão de realizar uma reforma política, via constituinte exclusiva para o tema. A proposta causou crise entre a base aliada e a oposição e, em menos de 24 horas, o governo recuou da constituinte para centrar fogo na proposta de plebiscito. Mas o que está por trás dessa medida aparentemente democrática? Estaria Dilma jogando para o povo a decisão de definir as regras partidárias e eleitorais do país, tão desacreditadas?

Uma reforma reacionária
Infelizmente, a proposta do governo não passa de uma tentativa de distrair a atenção da população e dar vazão à insatisfação das ruas através de uma medida que pode significar um imenso retrocesso ao já antidemocrático jogo eleitoral. Não é coincidência que esteja hoje tramitando no congresso um projeto para barrar a criação de novos partidos, com o claro objetivo de prejudicar a formação do partido de Marina Silva, mas que também atingiria os partidos ideológicos. As perguntas ainda não foram divulgadas, mas ao que tudo indica o projeto de reforma política a ser levado a plebiscito tem o mesmo caráter, ou seja, o de fortalecer as velhas legendas que estão no poder e prejudicar os partidos menores.

Apesar de estar em discussão o financiamento público de campanha, que em si seria progressivo, uma das propostas mais levantadas seria o chamado "voto distrital". Esse sistema, defendido por partidos como o PSDB, estabelece a divisão de estados e cidades em regiões, ou “distritos”, cujos eleitores elegeriam os candidatos mais votados de cada uma delas. É como se fosse uma eleição para um cargo majoritário, como prefeito ou governador, mas para um parlamentar. Evidentemente, ele beneficiaria os caciques políticos dos grandes partidos, o 'coronelismo', além dos candidatos com mais dinheiro para fazer campanha. Discute-se ainda o "distrital misto", que seria a combinação do voto distrital com o atual sistema proporcional.

Outra medida que pode ser "contrabandeada" para a reforma política é a famigerada "cláusula de barreira". Ela estabelece o percentual mínimo de 5% do total de votos para que cada partido possa eleger parlamentares. Não seria de espantar que a cláusula de barreira fosse ressuscitada no plebiscito pois, no Congresso, já tramita uma medida proposta pelo DEM que retira a maior parte do já exíguo tempo dos partidos menores.

A proposta de plebiscito é diversionista e tem o objetivo de recuperar a desgastada imagem e a legitimidade das instituições políticas do país. Apesar da aparência democrática, essa reforma proposta pelo governo se apoia no sentimento antipartido das ruas para justamente fortalecer as próprias legendas que criaram essa situação. Visa beneficiar os maiores partidos, os mesmos responsáveis pelos escândalos de corrupção dos últimos anos e pela política econômica que causou o caos nos serviços públicos, ou seja, o PT, o PSDB e o DEM.

Um dos principais argumentos para uma reforma política que restrinja os partidos menores, aliás, é o combate às legendas de aluguel, ou seja, as siglas cuja existência, sem qualquer ideologia definida, se resume às negociatas com os partidos maiores a fim de somar tempo de TV e outros benefícios. No entanto, o maior partido de aluguel do Brasil é o maior deles: o PMDB, que conta com o vice-presidente da República, além da presidência das duas casas do Congresso.

Por uma verdadeira reforma política
O PSTU defende uma reforma nas regras eleitorais e partidárias do país. Porém, uma reforma para realmente torná-las mais democráticas. Para começar, o tempo de TV das campanhas eleitorais deveria ser repartido por igual para todos os partidos. O financiamento deveria ser público e também igual para todos. Em relação aos parlamentares, o PSTU defende a imediata redução salarial para todos os cargos eletivos. É imoral que um deputado receba mais que um professor da rede pública, por exemplo.

Para tornar o parlamento mais democrático, além disso, é imprescindível a revogabilidade do mandato a qualquer momento, além do fim do Senado, essa casa reacionária cujo objetivo é o de simplesmente oferecer um contrapeso ainda mais conservador à Câmara dos Deputados.

Por que essas medidas não vão estar no plebiscito convocado pelo governo? Pelo simples fato de que não interessa a Dilma ou ao Congresso tornar as eleições mais justas e democráticas. Querem que a população esqueça as reivindicações por saúde, educação e transporte, enquanto os políticos se encastelam cada vez mais no poder.