Ato em São Paulo
Sergio Koei

Nos atos do Dia da Consciência Negra, duas perspectivas: luta ou submissãoEste ano, o Dia Nacional da Consciência Negra foi comemorado em cerca de 260 dos mais de 5 mil municípios brasileiros. A própria resistência em relação à aceitação do feriado é um indício de quão complexos são os caminhos do racismo brasileiro.

Durante a semana, Lula e seus aliados no movimento negro não pouparam adjetivos para exaltar as “realizações” do governo para atacar o racismo. Na véspera, a ministra Matilde Ribeiro, do Seppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), foi a público anunciar uma verba de R$ 2,3 bilhões para projetos quilombolas.

Contudo, as migalhas do governo estão a anos-luz das reais necessidades do povo negro. Ao falarem sobre o tema, o governo e seus aliados no movimento “esquecem-se” de que a “fortuna” destinada às mais de 2 mil comunidades quilombolas existentes no país é uma ínfima parcela do que escoa em direção aos bolsos dos banqueiros. Deixam de lado o fato de qualquer medida anunciada no já rebaixado Estatuto da Igualdade Racial virar letra morta diante de reformas que detonam direitos.

Grilhões do capital
A verdade sobre as relações raciais no Brasil sob o governo, contudo, pode ser facilmente constatada. Dados do Dieese revelam que o salário médio pago a negros chega a ser até 52,9% menor do que o dos não-negros. A maior diferença, para a “surpresa” dos mais hipócritas, encontra-se em Salvador, onde o rendimento médio mensal dos negros é de R$ 715, contra R$ 1.350 dos brancos.

Quando combinada com a opressão machista, o abismo se aprofunda ainda mais, fazendo com que, em média, uma mulher negra receba um terço do que é pago aos homens brancos.

Já os dados da Fundação Seade mostram que a juventude negra registra o mais alto índice de mortalidade “por causas externas” (que incluem homicídios). Segundo a fundação, na população negra de 10 a 24 anos, a taxa é de 120 mortes para cada 100 mil habitantes. Entre os brancos, o índice cai pela metade: 60,5 mortes para cada 100 mil.

Nos atos do Dia da Consciência Negra, duas perspectivas: luta ou submissão
A diferença entre a leitura destes dados pelos setores governistas e aqueles que hoje lhe fazem oposição ficou explícita. Assim como também ficaram evidentes as diferenças entre os que acreditam que seja possível combater o racismo nos marcos do sistema e os que vêem a luta anti-racista também como um combate ao capitalismo.

Na maioria dos atos, o tom foi abertamente governista. E, no geral, a reivindicação política foi substituída por um “clima festivo”.

Exemplo disso se deu em Salvador. Lá, há sete anos o “20 de novembro” é marcado por dois atos – um organizado por sindicatos e partidos políticos de esquerda, outro por grupos culturais afro-brasileiros, ligados majoritariamente ao PT. Este ano, contudo, ambos foram fartamente financiados pelo governo estadual de Jaques Wagner (PT). Algo que ficou evidente antes e durante as duas manifestações.

Os organizadores de ambas as atividades praticamente disputaram verbas estatais, oferecendo como moeda de troca quem seria o melhor defensor do governo. O resultado não poderia ser outro: cartazes, camisas e adesivos, estampados com a logomarca do governo foram amplamente distribuídos.

Destoando da despolitização e dos agradecimentos ao governo, imposta pela maioria da direção do movimento negro, a Conlutas participou da marcha organizada pelos sindicatos e organizações da esquerda baiana. Ativistas da Conlutas portavam faixas onde se lia: “Por um novo movimento negro. Um quilombo de raça e classe”.

São Paulo: “Fora tropas do Haiti”
Situação semelhante foi vista em São Paulo. A despolitização também foi percebida por muitos dos cerca de 3 mil que marcharam pela Av. Paulista.

Mas enquanto lulistas destacavam seus feitos, algumas falas arrancavam aplausos ao denunciá-lo. Esse foi o caso do professor Geraldinho, que falando em nome da Conlutas, exigiu a retirada das tropas do Haiti e conclamou negros e negras a lutarem contra as reformas neoliberais de Lula, “cujos resultados irão atacar todos trabalhadores, mas, certamente, afetaram mais ainda nós, negros e negras, há séculos marginalizados”. Ao final, Geraldinho destacou a principal resolução do 1º Encontro Nacional de Negros e Negras da Conlutas, realizado no início do mês: a construção de uma alternativa de organização para o movimento, que seja claramente contra as políticas do governo Lula.

As falas que causaram mais “incômodo” ao comando do ato foram feitas por dois convidados internacionais. Falando em nome do Batalha Operária, o sindicalista haitiano Didier Dominique que disse ter orgulho de estar presente no ato para pedir que os negros brasileiros lutem contra a ocupação militar do Haiti, comandada pelo governo Lula.

Já Fred Hampton Jr., filho de um dos fundadores do Panteras Negras, assassinado a mando do FBI, ressaltou a importância de negros lutarem contra o imperialismo e seus representantes, que, a exemplo dos governos Bush e Lula, vendem uma falsa imagem das relações raciais em seus país.

Também em São Paulo, uma coluna com mais de 100 companheiros da Conlutas e do PSTU levou para as ruas faixas e bandeiras contra as reformas e pela organização de um novo movimento negro, classista e de oposição ao governo.

Reerguer os quilombos
Em várias localidades, os setores governistas usaram lamentáveis métodos para tentar calar o protesto. Em Salvador, partidos políticos como o PSTU e PSOL foram impedidos de falar. No Recife, os setores da esquerda nem puderam se aproximar do carro de som (apesar da Conlutas ter realizado atividades em dois importantes sindicatos da região, o dos professores municipais e dos trabalhadores da Universidade Rural).

Em Belo Horizonte, onde o “20 de novembro” ainda não é feriado, os ativistas da Conlutas realizaram uma atividade política e cultural na Santa Casa. O DCE da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) organizou um ato no bandejão e, na parte da tarde, foi realizado um debate sobre a situação do país, a necessidade de cotas raciais nas universidades e sobre a violência policial.

Na tarde foi realizado um ato na Praça Sete, convocado pelos setores majoritários (e governistas) do movimento negro. A Conlutas marcou presença – que contou com cerca de 250 pessoas – distribuindo um manifesto que denuncia o governo e ressalta a necessidade da luta contra a dívida e o sistema capitalista. Como destacou Iani de Oliveira, do GT de Negros e Negras da Conlutas, “nosso panfleto teve bastante receptividade. Há, certamente, interesse pelo debate e busca por novas alternativas”.

É com esta certeza que o PSTU apóia a iniciativa do Encontro de Negros e Negras da Conlutas em abrir o debate sobre a construção de um novo movimento negro, que seja um verdadeiro quilombo de raça e classe, um instrumento de luta para todos aqueles que não aceitam meias liberdades ou igualdades.

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