As mulheres é quem devem decidir se prosseguem ou não a gestação

A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou estado de emergência de saúde pública internacional por conta do aumento de casos de microcefalia associados ao Zika vírus.  Entre os 26 países que enfrentam o problema, o Brasil é o mais atingido, com mais de 4 mil casos notificados e 404 efetivamente confirmados.  Diante de uma ineficiente ação do governo para controlar o mosquito Aedes Egypt, transmissor do vírus, e do drama de milhares gestantes contaminadas, não há alternativa a não ser garantir às mulheres infectadas o direito de decidir sobre a continuidade da gestação.

A microcefalia ocorre quando, na gestação, o cérebro se desenvolve em tamanho inferior ao esperado para determinada idade e sexo. Na maioria dos casos em que a síndrome é adquirida, as consequências afetam o desenvolvimento neuropsicomotor, ocasionando retardo do desenvolvimento mental, dificuldades para se locomover, surdez, problemas de visão e convulsões.  Não há cura e os tratamentos atuam para amenizar seus efeitos.

A previsão da OMS é que os casos de Zika se espalhem para outros países. De acordo com a Associação Pan-Americana de Saúde (OPAS), entre de 3 e 4 milhões pessoas, em 26 países do mundo, poderão ser infectadas pelo vírus em 2016. Desses, espera-se que entre 500 a 1,5 milhão ocorram no Brasil. Desde abril de 2015, quando foi registrado o primeiro caso, a quantidade de pessoas contaminadas aumenta vertiginosamente. Até o momento, foram registrados 76 óbitos em decorrência da doença, dos quais 5 tiveram relação direta e confirmada com o Zika.

Após a declaração de emergência da OMS, o governo brasileiro anunciou que vai ampliar as visitas dos agentes de saúde e contará com a ajuda do exército para fazer uma varredura a fim de eliminar os focos do mosquito transmissor, além de distribuir mais de 400 mil repelentes. Essas medidas, embora muito importantes (afinal, a melhor maneira de prevenir a microcefalia é evitar a proliferação do mosquito) são, entretanto,insuficientes. O Ministro da Saúde, Marcelo Castro, ao se referir à capacidade do governo de enfrentar esse problema, disse: “Estamos perdendo feio a batalha contra o mosquito”, o que indica que em pouco tempo não teremos uma reversão da atual situação.

Em relação às mulheres que desejam engravidar, o ministro desastrosamente recomendou que adquirissem o vírus antes, pois assim poderiam estar imunizadas. A declaração foi dada para justificar que, caso houvesse uma vacina confiável, seria aplicável às mulheres em período fértil. E disse: vamos torcer para que mulheres antes de entrar no período fértil peguem zika para elas ficarem imunizadas”.

Para as gestantes, a política do governo tem sido orientar a que não tomem contato com o mosquito, que passem repelentes e usem roupas compridas. Porém, o que fazer com as mulheres já infectadas? Teriam elas o direito a interromper a gestação? Estarão obrigadas a seguir com uma gravidez que não desejam?

A médica da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Suzanne Serruya, pesquisadora da questão da microcefalia, defende que as mulheres possam decidir sobre a gestação e acredita que essa discussão sobre o Zika tenda a pressionar os debates sobre o aborto no país. Isso porque a possibilidade de detectar o vírus antes da doença pode prevenir futuros casos de microcefalia. 

A contaminação pelo Zika e o diagnóstico de microcefalia podem ser feitos ainda durante a gestação. A síndrome pode ser identificada entre a 28ª e a 30ª semana de gravidez, a partir da medida do diâmetro cerebral. Porém, a presença do Zika pode ser feita muito antes, através de aminiocentese, o exame do líquido amniótico, aquele que envolve o feto.  Como já se sabe que o vírus penetra na placenta e provoca a má formação cerebral, a relação entre o vírus e a síndrome aponta a possibilidade de que a criança venha a ser afetada. Com esse diagnóstico, a mulher poderia decidir se quer ou não continuar com a gravidez.

Importante destacar que, segundo a Folha de S. Paulo de 31 de janeiro, algumas gestantes com condições financeiras, pagando entre R$ 5 e R$ 15 mil, interromperam a gravidez em clínicas clandestinas ao saberem que haviam adquirido o vírus. Esse exemplo demonstra que há possibilidades de que, diante da microcefalia, os casos de abortamento aumentem. O problema é que a maioria das mulheres não possui condições de fazê-lo de maneira segura. Nesse caso, muitas trabalhadoras serão lançadas ao aborto inseguro, colocando suas próprias vidas em risco. A morte por procedimentos malsucedidos já é a quarta causa de óbito materno no país. A melhor forma para mudar essa estatísticaé legalizar o aborto.

A proibição do aborto por lei não assegura que não sejam realizados abortos clandestinos. O Ministério da Saúde admite que são realizados de 800 mil a 1 milhão de procedimentos anualmente. É uma realidade reconhecida pelos profissionais da saúde, conforme afirmou o médico Dráuzio Varela, ao dizer que as mulheres ricas fazem aborto tranquilamente, mas quem vai preso ou sofre seqüelas são as que não possuem condições de pagar por uma clínica.

Durante os 13 anos de governo, o PT e os setores da direita tradicional estiveram juntos para evitar que a legislação em relação ao aborto avançasse, como moeda de troca para manter os acordos políticos. As trabalhadoras continuam sendo as mais penalizadas. Não se pode mais admitir que no mandato da primeira mulher presidente, cujo governo não consegue enfrentar o mosquito, queira-se definir a vida das trabalhadoras. A opção deve ser delas e de mais ninguém.  

Sendo assim, como parte do enfrentamento ao Zika e à microcefalia, além de todas as medidas de prevenção, defendemos que às mulheres trabalhadoras, assim como as que possuem condições de pagar, seja assegurado o direito a decidir.  Isso significa que, ao ser confirmada a infecção pelo vírus, o SUS deve dar todas as condições para que ela decida se quer manter a gravidez ou não. Caso não deseje, que seja feito o abortamento, em condições adequadas, de maneira gratuita e em condições de higiene. Assegurar o direito a mulher a decidir permite que se respeite a crença e os valores de cada um, poiso o destino de uma gravidez marcada pelo Zika cabe a cada gestante, de acordo com suas convicções.

Ao mesmo tempo, defendemos àquelas que optarem por levar a gestação até o final que recebam toda a assistência necessária para minimizar as sequelas da microcefalia, com atendimento especializado para a criança, acompanhamento psicológico para a mãe e familiares envolvidos e tudo mais que for necessário para garantir uma vida digna dentro dos limites que a síndrome impõe. Somente com essas garantias as trabalhadoras terão seu direito de opção verdadeiramente respeitados.