Em encontros com organizações revolucionárias, personalidades e com a esquerda piqueteira, Zé Maria apresentou a preocupação do PSTU e da Liga Internacional dos Trabalhadores sobre a necessidade de formação de uma Frente dos Trabalhadores e da Esquerda em defesa de uma Argentina Socialista. Aproveitou também para combinar com estas organizações um Seminário sobre a situação Argentina no Fórum Social Mundial. Nestas páginas ele nos conta da viagem, da revolução, da perspectiva de uma Frente de Esquerda e das lições que devemos tirar para o Brasil.

Opinião Socialista – Como está a situação da Argentina e do movimento de massas pós levante de dezembro e sob o governo Duhalde? A revolução continua?
Zé Maria –
A Argentina é hoje um país convulsionado. Explosões de mobilizações muito radicalizadas são diárias e generalizadas por todo o país. Isso é acompanhado de um riquíssimo processo de auto-organização dos trabalhadores, do povo pobre e dos setores de classe média e pequena burguesia. Multiplicam-se, em todas as regiões do país, as coordenadores que envolvem seções sindicais e desempregados. Em Buenos Aires se desenvolve um vigoroso processo de organização das “asembleias de vecinos”, que se multiplicam pelos bairros reunindo os moradores. A revolução segue na Argentina.

Há elementos de surgimento de um poder alternativo, operário e popular?
Zé Maria –
A rebelião que sacudiu a Argentina em 19 e 20 de dezembro derrubou o governo De la Rua-Cavallo, mas foi também contra todas as outras instituições fundamentais da democracia burguesa. O repúdio ao Congresso Nacional, aos partidos, aos políticos, à justiça é profundo. Na Argentina hoje, está colocada claramente a luta pela tomada do poder pelas organizações da classe trabalhadora e a instituição de um governo operário e popular. A revolução está se dando contra um regime democrático burguês e as massas estão claramente lutando contra todas as instituições fundamentais desse regime.

E por mais rico que esteja sendo este processo de auto-organização das massas (o surgimento das interbarriais em Buenos Aires, a Assembléia Nacional da Esquerda Piqueteira são excelentes notícias), ainda não surgiu uma organização que possa refletir o conjunto, um organismo de poder alternativo que possa se colocar a tarefa de assumir o governo do país.

Por outro lado, no terreno político, as organizações da esquerda argentina (MAS, FOS, PO, MST, PC, CS, PTS, etc), que de maneira geral jogaram todas as suas forças neste processo de lutas, numa atitude louvável, são pequenas frente ao tamanho do desafio que está colocado: resolver o problema da direção para a revolução argentina. É decisivo então que se construa uma Frente dos Trabalhadores e da Esquerda Argentina, que possa cumprir esse papel.

Com que organizações e personalidades você conversou na Argentina? Há possibilidade de avançar para a Frente dos Trabalhadores e da Esquerda?
Zé Maria –
Conversei com várias organizações, além do FOS, que é o partido com quem temos relações mais estreitas na Argentina. Fiz reuniões com o MST, com o MAS, com o PO, com a CS, entre as organizações políticas de esquerda. Participei também de reunião do bloco piqueteiro, que reúne uma parte importante da esquerda piqueteira, onde coloquei esta necessidade. Fiz também uma reunião com Castells, que é dirigente de uma importante organização da esquerda piqueteira discutindo o mesmo assunto. Castells inclusive está em regime de prisão domiciliar.

A recepção da idéia foi boa de forma geral, mas fiquei com a sensação de que falta compreensão sobre a urgência e a importância dessa tarefa. A construção da unidade, de uma Frente ou de um Movimento que agregue as organizações de trabalhadores e da esquerda pode ser a diferença entre a vitória ou a derrota da revolução. Então os esforços para construí-lo deve estar acima de qualquer outra coisa para os revolucionários que atuam hoje na Argentina. O heroísmo com que o povo argentino tem se lançado à luta está a clamar por essa atitude. As discussões que fizemos lá vão ter continuidade durante o Fórum Social e depois na Argentina mesmo. Espero, sinceramente, que possamos avançar neste sentido.

Como será esse Seminário com a esquerda argentina no Fórum? O que se pode fazer para apoiar a revolução argentina no Brasil e no resto da América Latina?
Zé Maria –
A idéia desse seminário é justamente fazer o debate sobre a situação argentina e as saídas que estão colocadas para a revolução em curso. Estamos buscando assegurar a participação de várias das organizações da esquerda socialista argentina no debate.

Outra função do seminário é possibilitar o contato dos ativistas brasileiros e de outros países presentes ao Fórum, com a discussão sobre Argentina, de maneira a ajudar difundir a idéia de que a revolução argentina é o ponto mais avançado neste momento da luta da nossa classe contra a ofensiva recolonoizadora do imperialismo. E que portanto a revolução argentina é a revolução de todos nós. Portanto levar a estes ativistas a idéia de que a solidariedade, o apoio concreto, com manifestações, militantes, dinheiro, à revolução argentina é tarefa central em todo o mundo.

De imediato precisamos desencadear uma campanha em toda a América Latina, divulgando o que está acontecendo e a importância que isto tem para todos nós. Junto com isso desenvolver atividades em cada um dos nossos países em apoio ao povo argentino: pela libertação dos presos, contra a repressão, em solidariedade às reivindicações do povo argentino.

“O Brasil é a Argentina amanhã”

OS – A campanha da burguesia aqui é que o Brasil se “descolou” da Argentina. Dizem que o Brasil não é a argentina porque aqui não tem câmbio fixo. Como você vê a situação do Brasil?
Zé Maria – O mecanismo fundamental que caracteriza o modelo econômico implantado na Argentina é o monumental repasse de recursos do país para os bancos e as empresas multinacionais.
É verdade que aqui não há cambio fixo, mas como é que está a situação do endividamento do país (hoje na casa dos 700 bilhões de reais), até quando vamos agüentar remeter metade do orçamento federal para os bancos internacionais para pagar dívida externa, às custas do emprego, da destruição dos serviços públicos? Até quando os bancos internacionais vão financiar esse rombo, com a crise econômica que se alastra pelo mundo? Como se pode chamar esta situação de estabilidade econômica? Nosso país, apesar do enorme sacrifício que o governo tem imposto ao povo, caminha cedo ou tarde para a insolvência que a Argentina vive hoje. Já temos mais de 50 milhões de indigentes no Brasil. Quantos milhões a mais terão que haver até que vivamos aqui uma explosão popular como a que sacode a Argentina neste momento. O Brasil é a Argentina amanhã. Precisamos construir aqui uma alternativa socialista e de classe para o momento em que aqui se der a explosão que agora ocorre no país vizinho. Este é o desafio que está colocado para a esquerda socialista brasileira.

É válida a comparação de Lula com De la Rua? Como incide a revolução argentina na batalha da sua candidatura pela Frente dos Trabalhadores com programa anti-capitalista?
Zé Maria –
A direção do PT tem apresentado e defendido um programa idêntico ao que defendeu De la Rua quando este venceu do candidato de Menem – Duhalde – e foi eleito há dois anos atrás. Várias vezes apontaram a vitória de De la Rua nas eleições como exemplo de vitória da centro esquerda que pretendiam repetir aqui no Brasil. E agora, com estas declarações, demonstra mais uma vez que abandonou completamente a perspectiva de uma transformação socialista do nosso país através da luta do povo.

Seguindo neste rumo um eventual governo Lula no Brasil vai repetir o desastre que foi De la Rua para o povo argentino. Lula tem se negado categoricamente em assumir um programa antiimperialista e anticapitalista (não quer defender o não pagamento da dívida, a reestatização, a estatização dos bancos, das multinacionais etc). A experiência De la Rua já mostrou que sem medidas desse calibre o que se faz é enfrentar os trabalhadores para defender os interesses do imperialismo.

A conseqüência é a desmoralização, diante das massas, dos setores de esquerda que se somarem a este projeto. Nós estamos tratando de construir aqui no Brasil uma alternativa de classe e socialista para os trabalhadores brasileiros. A proposta que Frente dos Trabalhadores, com um programa anticapitalista, que apresente uma candidatura única nas eleições presidenciais tem esse objetivo.

No entanto é preciso reconhecer que a direção do PT tem dado repetidos sinais de que desertaram completamente dessa tarefa. E é óbvio que o processo que vive a Argentina vem reforçar ainda mais a necessidade de que se apresente essa alternativa aos trabalhadores brasileiros. Mas caso se confirme esse rumo político que vem adotando a direção petista, ficará nos ombros da esquerda socialista brasileira, a esquerda do PT, o PSTU a responsabilidade por apresentar aos trabalhadores brasileiros essa alternativa. E nós não podemos desertar dessa tarefa.

Qual a importância e como lutar pela unidade da esquerda socialista e dos movimentos sociais no Brasil?
Zé Maria –
A evolução da situação política na América Latina, traz para já, para agora uma discussão que costuma ser tratada na esquerda como algo para um momento indefinido do futuro: a construção de uma direção, de um partido revolucionário que possa dar conta do desafio que uma situação como esta coloca para todos nós. Não se trata mais de se, em tese, se pode acumular forças dentro do PT, para a construção dessa direção revolucionária.

Associar-se à defesa do projeto que vem sendo sustentado por Lula e pela direção do PT, no momento político em que vivemos, ainda mais classificando como estratégica a necessidade da eleição de Lula como o fazem setores da esquerda petista, é repetir o triste exemplo da Frepaso Argentina. Não vemos no que a ação da Frepaso ajudou a acumular para a construção de uma direção revolucionária na Argentina. A esquerda petista está frente à exigência de uma urgente definição, e quem a faz não somos nós militantes do PSTU. É o quadro político que vivemos.

Nós, do PSTU, por outro lado acompanhamos com muita atenção esse processo. Nosso partido vai “jogar a vida” na construção dessa alternativa. Mas nós temos consciência da nossa fragilidade frente ao tamanho do desafio colocado. E temos, portanto, consciência da importância, do quanto é fundamental a unidade da esquerda socialista para que se possa atingir esse objetivo em nosso país.

OS – O PSTU tem defendido a necessidade de construir um novo partido revolucionário no Brasil, mais amplo e de massas, do qual ele seria parte. Qual é a urgência disso e como você encara essa luta?
Zé Maria –
É a compreensão que temos do quanto é fundamental a unidade da esquerda socialista que nos leva a defender a idéia da construção de um novo partido revolucionário no Brasil. Um partido que seja superior ao PSTU. Superior não só em número de militantes – somos um grupo pequeno, e sem dúvida seríamos minoria em um partido socialista de massas – mas também em qualidade, pois estaria somando, alem da nossa, as diversas tradições e experiências de organização e de luta da esquerda socialista brasileira. Esse é o desafio que está colocado para todos nós.

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