Antônio Cruz/ Agência Brasil
Zé Maria

Metalúrgico e presidente nacional do PSTU.

*Zé Maria

A prisão do ex-presidente Temer gerou uma estranha discussão no interior da esquerda e de organizações da classe trabalhadora. Passando por cima do fato de que estamos falando de um dos maiores corruptos – ladrão de recursos públicos –  que este país já viu, uma parte importante da esquerda vê no episódio “motivo de preocupação”. Falta amparo na lei, alegam, para a prisão efetuada. Está em jogo o “Estado Democrático de Direito”, dizem. Quem comemora esta prisão “não está entendendo nada”, insistem, pois está apoiando algo que poderá ser usado contra ele mesmo no futuro.

Chega a parecer incrível, em um país como o Brasil, ouvir argumentos assim de dirigentes de esquerda e líderes sindicais importantes. Na verdade, no cenário de disputa política instalada no país entre frações diferentes da burguesia, estes companheiros assumem o discursos de um dos setores do grande empresariado (e seus representantes no “mundo político”). E se esquecem dos interesses da classe que dizem representar: a classe trabalhadora. Explico a seguir, com dois argumentos.

A Justiça no Brasil sempre foi a justiça dos ricos, contra os pobres
O primeiro argumento é que a defesa de uma “Justiça” que de fato seja “justa” ou do chamado “Estado Democrático de Direito”, usada para se contrapor justamente à prisão de um peixe grande da corrupção não tem nenhum sentido. No Brasil – no capitalismo, aliás – nunca houve justiça “justa”, nem o tal “Estado Democrático de Direito”. Nem vai haver. Não para os pobres, para a classe trabalhadora, que a esquerda e estes dirigentes dizem representar.

Não vou falar aqui das decisões sistemáticas e constantes dos tribunais do país para “legalizar” ataques das empresas contra os direitos trabalhistas, ou a direitos que a Constituição Federal nos garante. Já que o assunto é prisão, quero falar de presos. São mais de 700 mil em nosso país. Destes, cerca de 30% (mais de 200 mil!!!) nunca foram julgados. Estão na cadeia porque algum PM ou delegado de polícia os mandou para lá. Nem acusação existe contra muitos deles. Estão presos porque são pobres e porque são negros!

Pergunto: de qual “Estado Democrático de Direito” se fala quando se quer questionar a prisão de Temer? Deste, que mantém mais de 200 mil pobres presos há anos e anos sem nenhum julgamento? Porque a discussão não é sobre isso, esta sim uma barbaridade? Será porque essa situação se manteve, agravou-se na verdade, mesmo durante os governos do PT e seus aliados?

Que a burguesia e seus porta-vozes na grande imprensa venha com essa conversa de “Estado de Direito” quando quer impedir que a polícia prenda os seus, até se entende. Trata-se de pura hipocrisia, mas a burguesia é hipócrita mesmo. Já setores da esquerda com essa mesma argumentação, é de dar vergonha alheia.

Essa violência institucional pode ser usada contra quem comemora a prisão de Temer? Com certeza. Aliás já é, e sempre foi usada contra o nosso povo! O novo aqui é que, pela crise entre os de cima, agora está pegando alguns peixes grandes (não é só o Temer). Tem de comemorar sim! E mais, tem de exigir a prisão dos demais ladrões de recursos públicos. Falta o Alckmin, Serra, Aécio, Renan, Romero Jucá, Jader Barbalho, Flávio Bolsonaro  (com Queiroz e seus milicianos), e um longo etcetera. Tem de prender e confiscar os bens de todos os corruptos, e dos corruptores também. Trata-se de um problema democrático, já que se gosta tanto deste termo. A luta contra a corrupção é uma luta democrática, não tem sentido usar a defesa da democracia como argumento para defender postura branda com corruptos.

Outra coisa, muito diferente disso, é a defesa das liberdades democráticas que, sim, este governo ameaça – com a defesa que faz da ditadura, da tortura, da ação das milícias e, portanto, de ações paramilitares contra organizações da classe e mesmo ativistas e militantes (está aí o caso de Marielle e Anderson, do Rio). Perante tais ataques, com certeza temos todos de nos perfilar contra, com todas as nossas forças. Mas esse não é o caso da prisão do Temer. Esse cidadão não está tendo suas liberdades democráticas ameaçadas. O problema aqui é porque demorou tanto a ser preso. Ou não é isso que o país inteiro (nós da esquerda, inclusive) reclamava quando o Congresso Nacional negou autorização para processá-lo? O que mudou de lá pra cá?

Vamos pra cima, na luta para impedir aprovação da reforma da Previdência
O segundo argumento é a luta contra a reforma da Previdência. Ao contrário do que alguns dizem, essa prisão pode criar melhores condições para avançar na luta para impedir a aprovação desta reforma. Nosso papel – da esquerda e dos sindicatos – não é nos preocuparmos com a “injustiça” que se possa estar fazendo com o homem que impôs a reforma trabalhista à nossa classe em 2017. Para nós, quanto mais “se matarem entre eles”, melhor, pois mais fracos estarão.

A prisão aumenta a crise entre os de cima. Abala a já cambaleante articulação política do governo no Congresso, divide ainda mais o exército governista e do grande empresariado que controlam o parlamento. Precisamos aproveitar essa situação para ir pra cima. O dia de luta de hoje (22 de março) está sendo muito forte em todo o país. É expressão que já começou a virada, o governo perde apoio no interior da classe trabalhadora muito rapidamente, pois não apenas tem se demonstrado um caos, como ataca violentamente os direitos dos trabalhadores – que começam a mostrar sua capacidade de reação.

Estão cada vez mais presentes as condições para uma grande greve geral, que pare o país e imponha uma derrota categórica a este governo, forçando a rejeição da reforma da Previdência no Congresso Nacional. Esse tem de ser o foco da esquerda e o foco dos dirigentes sindicais, especialmente da cúpula das centrais sindicais. É preciso intensificar a denúncia dessa reforma, preparar a base para a luta, com assembleias, reuniões, formação de comitês de luta, nos locais de trabalho e nos bairros.

A responsabilidade da cúpula das centrais sindicais
Insisto nesse tema, mesmo entrando em um outro assunto,  porque ainda há dirigentes sindicais que, frente à violência dos ataques do governo Bolsonaro (dentre eles, a MP 873 que atinge diretamente os sindicatos), dão-se por derrotados e querem negociar qualquer migalha no Congresso Nacional. Esse tipo de conduta levou estes mesmos dirigentes, em 2017, a atuar para impedir a ocupação do Congresso Nacional em maio e ao desmonte da greve geral marcada para junho. Queriam negociar no Congresso a manutenção da contribuição sindical. Deu na aprovação da reforma trabalhista e no fim da dita contribuição.

Não podemos deixar que se repita essa mesma novela. Se estes dirigentes não acreditam na força da luta da classe trabalhadora, cabe àqueles que acreditam e aos sindicatos de base de cada central pressionar, exigir uma conduta adequada das grandes centrais sindicais: definir um plano comum e nacionalmente centralizado de luta, que leve à construção da greve geral que precisamos para derrotar Bolsonaro e impedir a aprovação da reforma da Previdência. Só assim, também, criaremos condições melhores para defender os sindicatos.

*Zé Maria é metalúrgico e presidente nacional do PSTU