(Resende - RJ, 17/08/2019) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante o desfile militar.rFoto: Marcos Corrêa/PR

Desde que o miliciano Fabrício Queiroz foi preso na casa do advogado da família do presidente, Bolsonaro anda quieto. Mas essa trégua nas ameaças quase diárias de golpe e ditadura não reflete o que o presidente realmente pensa. Uma reportagem da revista Piauí revela que, numa reunião de 22 de maio com a cúpula das Forças Armadas e ministros mais próximos, Bolsonaro expressou sua intenção de fechar o STF e consumar um autogolpe. “Vou intervir”, teria dito com a anuência dos ministros.

O arroubo ditatorial aconteceu diante do pedido de partidos de oposição ao STF para apreensão do celular de Bolsonaro, no âmbito do inquérito das fake news. O general Augusto Heleno, à frente do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), teria sido o único a demovê-lo da ação porque este não seria o “momento para isso”. Diante da informação de que o pedido de apreensão não significava a apreensão de fato de seu celular, Bolsonaro teria concordado em não mandar tropas ao tribunal. Naquele momento.

A intervenção militar foi trocada pela famigerada nota assinada por Heleno ameaçando um golpe ao dizer que a apreensão traria “consequências imprevisíveis”. Heleno é um dos principais quadros do governo Bolsonaro desde o primeiro momento e conhece bem as instituições. Sabe que, por hoje, uma pataquada dessas não teria condições de prosperar por uma questão de correlação de forças. Mas o episódio expressa bem o instinto ditatorial de Bolsonaro e a sua sanha em fechar o regime.

O silêncio vergonhoso do próprio Supremo e do Congresso Nacional, assim como do conjunto da imprensa, vale dizer, mostra a completa incapacidade desses setores de irem além do discurso para se contrapor a uma ditadura. Se dependesse de Bolsonaro, já teria havido golpe, e se dependesse do STF e do Congresso, já estaríamos numa ditadura.

Governo monta seu próprio SNI para perseguir opositores

Ao mesmo tempo em que Bolsonaro diz com todas as letras que quer um golpe, seu governo vem construindo um aparatou repressivo pelas beiradas. É o que ficou evidente na reportagem do UOL no final de julho, que mostra a produção de um dossiê contra 579 servidores federais e estaduais de segurança de forma totalmente ilegal.

O dossiê foi produzido a partir do monitoramento de servidores que pudessem de alguma forma ser associados a “antifascismo”, pegando de agentes de segurança do movimento “policiais antifascistas” a professores universitários. Tal investigação foi levada a cabo pela Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), sob responsabilidade do ministro da Justiça, André Mendonça. Esse órgão existe sob o pretexto de combater o crime organizado, mas Bolsonaro o transformou numa versão mais moderna do Serviço Nacional de Informações, o SNI, o órgão de espionagem da ditadura.

Diante do escândalo, o ministro não só não foi demitido, como se recusou a mostrar o documento produzido de forma ilegal. O caso mostra como Bolsonaro institucionaliza a perseguição política e monta um órgão paralelo de espionagem de opositores.

Nos braços do centrão

Pouco antes de o país ter oficialmente 100 mil mortos pela pandemia de COVID-19, resultado direto da política genocida de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), disse em entrevista ao programa Roda Viva que não abre processo de impeachment pois não veria “nenhum tipo de crime atribuído” a Bolsonaro. Maia está há meses sentado sobre uma pilha de quase cinco dezenas de pedidos de impeachment.

Seria mais fácil perguntar qual crime Bolsonaro não cometeu. De sua política genocida na pandemia a ataques contra as liberdades democráticas, até as ligações com milicianos e o esquema de corrupção envolvendo Queiroz, que vão ficando mais evidentes a cada dia. A última foi a revelação dos cheques do miliciano à esposa de Bolsonaro, Michelle, que totalizariam pelo menos R$ 89 mil.

Maia se faz de cego por conta da aproximação de Bolsonaro com o “centrão”, o conjunto de partidos corruptos e fisiológicos que o governo comprou a fim de evitar o impeachment e garantir uma base de apoio no Congresso. Faz parte da estratégia do conjunto majoritário da burguesia de enquadrar Bolsonaro e mantê-lo domesticado até pelo menos 2022, evitando um processo de impeachment que poderia ser traumático.

Parte disso também é o acelerado desmonte da Lava Jato que une o governo, o centrão, os partidos da oposição à direita, como o DEM e o PSDB, e até o PT. Se a Lava Jato foi utilizada para fins políticos, a alternativa que une esses setores não é a investigação de fato e a punição de todos os corruptos, o que botaria parte dessa gente na cadeia, mas tão somente a completa impunidade.

Com isso, Bolsonaro vai mantendo-se no poder, livre para articular seu aparato pessoal de repressão e espionagem por dentro do Estado e só à espreita para o melhor momento de colocar em prática seu verdadeiro projeto ditatorial de poder.

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