A tragédia da TAM poderia ser tudo, menos inevitável. O sistema aéreo brasileiro vem sofrendo do mesmo sucateamento que existe em outros setores da infra-estrutura do país. Enquanto o fluxo de transporte aéreo duplicou nestes últimos 15 anos, os planos econômicos neoliberais impediram que o Estado contratasse mais controladores de vôo em número suficiente para atender a demanda, que cresceu rapidamente. Como ocorre na saúde e educação, o duro ajuste fiscal também impediu a realização de investimentos em obras de segurança dos aeroportos.O governo só liberou dinheiro para reformas cosméticas, tornando os aeroportos maiores e mais bonitos. O que tem a ver com o investimento em turismo. Controla-dores de vôo operam equipamentos sucateados, enquanto bilhões são pagos nas dívidas interna e externa.

Por outro lado, também houve uma desregulamentação do setor. A responsabilidade de “fiscalizar” passou para as mãos da Anac, uma agência neoliberal (como a do petróleo, da energia e tantas outras), totalmente atrelada – muitas vezes por meio da corrupção – aos interesses das grandes empresas. Nas palavras de uma velha raposa política do Congresso Nacional, a Anac é o “segundo guichê” para as empresas aéreas. Na esteira da desregulamentação, a Infraero, uma estatal dirigida pelo governo junto com o lobby dos capitalistas do setor, se transformou em uma fonte de corrupção e captação de dinheiro para o financiamento das campanhas eleitorais dos grandes partidos, inclusive as do PT.

“Filé do negócio”
Nesse cenário, as grandes companhias deitaram e rolaram. Congonhas é o maior exemplo disso. Por sua localização (próximo ao centro de São Paulo), o aeroporto proporciona altos lucros para as empresas, com baixos custos operacionais. “É o filé do negócio”, disse um empresário do setor. A permissão para cada vez mais aeronaves operarem no aeroporto, sem muita margem de segurança, não é produto do acaso, mas sim uma imposição do mercado. Desativá-lo hoje significa uma perda de R$ 4 bilhões para as companhias aéreas, segundo um cálculo de um professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Nos tempos da fúria privatista tucana, o aeroporto superou a marca de sete milhões de passageiros por ano. As companhias trouxeram aeronaves maiores, mais pesadas e o aeroporto se transformou em um centro distribuidor de vôos, concentrando a maioria das pontes aéreas e escalas de vôo nacionais. A capacidade foi aumentando de acordo com os interesses das companhias e hoje atinge a marca de 17 milhões passageiros por ano. Nada menos do que 650 operações por dia são realizadas em 17 horas de operação.

O aeroporto recebeu no governo Lula investimentos da ordem de R$ 530 milhões, mas não para a realização de reformas que aumentassem sua segurança. Com o dinheiro foram construídos uma nova ala de embarque e nada menos que 12 pontes para acesso às aeronaves. Tudo para satisfação das companhias aéreas.

Pressão das companhias aéreas
Todos os pilotos são unânimes em classificar Congonhas como o mais perigoso aeroporto do país. Isso é fruto de uma combinação letal: uma pista considerada curta demais, escorregadia e incrustada entre um mar de edifícios.

Em dias de chuva as aeronaves podem sofrer aquaplanagem, quando o pneu perde atrito com o solo devido a poças d’água. Em janeiro, um avião da Varig derrapou na pista. Em outubro de 2006, um Boeing da Gol também derrapou. Em março daquele ano, uma aeronave da BRA teve problemas na aterrissagem e só conseguiu parar às margens da avenida.

No início do ano o Ministério Público ingressou na Justiça com um pedido de fechamento da pista principal de Congo-nhas para reforma. Na ação, os procuradores descreveram os riscos: “considerando, ainda, a (…) possibilidade de que uma dessas aeronaves deslize para fora do aeroporto, atingindo uma das avenidas que o circundam, é realmente palpável”.

Uma reforma a toque-de-caixa foi realizada e a pista foi entregue às pressas, em 29 de junho, sem a conclusão do “grooving”, ranhuras que ajudam na drenagem da água e melhoram o atrito para evitar derrapagens. O prenúncio da tragédia foi quando, um dia antes do acidente da TAM, um avião menor, da companhia Pantanal, derrapou na pista.

A reforma custou cerca de R$ 20 milhões e foi realizada – sem licitação e recheada de denúncias de corrupção – pelo consórcio das empresas OAS e Queiroz Galvão, as mesmas que estiveram envolvidas em outra tragédia: o desabamento das obras para a futura estação de Pinheiros do Metrô, no início do ano, que matou sete pessoas. Até hoje ninguém foi punido pelo desastre.

A liberação da pista se deu depois de muita pressão das companhias aéreas. Tudo indica que o piloto tentou pousar quando o avião derrapou. Pouco antes, um piloto de uma aeronave da Gol havia alertado sobre a pista escorregadia. Mas ela não foi interditada, pois isso prejudicaria os lucros das companhias aéreas. Pior, mesmo depois da explosão, a pista continuou a operar normalmente, como se nada tivesse acontecido, pois, como diz a lógica fria dos capitalistas, “tempo é dinheiro”.

No dia seguinte, a tragédia quase se repetiu: um novo avião da TAM (um Fokker 100, mais ágil que o Airbus) teve que arremeter devido ao curto espaço da pista.

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