Há um mês, o movimento estudantil argentino vive dias quentes de luta e há duas semanas, 22 escolas secundaristas de Buenos Aires estão ocupadas pelos estudantes. Camila Lisboa, da comissão executiva da Anel (Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre) esA luta dos etudantes argentinos desenvolveu-se a partir da reivindicação dos secundaristas pela construção de novos prédios e por melhorias na infra-estrutura das escolas. Este mesmo motor fez os estudantes universitários também entrarem em ação, começando pela Ciências Sociais que viu uma vidraça do interior do prédio quebrar. Depois se seguiram as outras ocupações.

A situação do ensino público argentino é lamentável. Apesar de ser um dos países da América Latina que mais investe recursos do PIB pra Educação – cerca de 6% -, a juventude argentina, assim como a do Brasil, está sujeita a um ensino cada vez pior.
A quantidade de recursos investida hoje sequer é suficiente para pagar as contas de luz, gás e telefone das universidades. Na UBA (Universidade de Buenos Aires) dezenas de estudantes assistem às aulas do lado de fora das salas, sentadas no chão. No período da noite é um tumulto impressionante, pois a estrutura física da universidade não suporta a quantidade de alunos que nela estuda.

Desde 1995, está em vigor uma lei (LES – Lei da Educação Superior) que condiciona o envio de recursos para as universidades. Esta lei foi sancionada pelo então presidente Carlos Saúl Menem e é mantida pela atual presidente Cristina Kirchner.
Esta lei cria a CONEAU (Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria), que é composta por 12 membros definidos pela presidente do país, em que apenas três são representantes de universidades públicas. Essa comissão tem a tarefa de avaliar os indicadores de eficiência e equidade das universidades, e estes são estabelecidos pela própria comissão ou por entidades privadas. A LES também estimula que se as universidades criem mecanismos de recursos próprios. A busca por recursos por fora do financiamento público combinada a critérios de avaliação definidos por empresas abre o caminho para o financiamento privado, para o fim da autonomia didático-científica e para uma responsabilidade mínima do Estado no financiamento da educação superior.

Não muito diferente do Brasil
Essas medidas estão respaldadas por orientações do Banco Mundial, quais sejam: “organismos independentes de fiscalização podem formular e supervisar as políticas da Educação Superior e podem orientar o investimento e os recursos a serem destinados, de acordo com o desempenho das instituições”. Outra orientação é o estímulo para que o Estado diversifique as formas de financiamento da educação, buscando financiamento na iniciativa privada. Por isso, qualquer semelhança da LES com a Reforma Universitária do governo Lula não é mera coincidência.

O princípio que norteia o projeto educacional do governo brasileiro é o desfinanciamento público da Educação. A criação do SINAES (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior) está vinculada à criação de padrões de avaliação das universidades e a condições para recepção de recursos públicos. O REUNI também impõe condições para que as universidades recebam verbas, assim como o recente decreto 7233/2010 que cria uma comissão composta pelo MEC e por reitores que gerencia o envio de verbas sob os critérios de produtividade, comercialização de patentes, relação professor/aluno e classificação no SINAES.

As consequências da aplicação desses projetos é um nível baixíssimo de acesso dos jovens ao ensino superior, o que também é uma orientação do Banco Mundial que não compreende que este acesso deve ser universal. No Brasil, apenas 14% dos jovens tem acesso ao ensino superior, na Argentina são apenas 15%. Apesar desses resultados, uma parcela da juventude ainda acredita que as medidas do governo Lula significam democratização do acesso. Parte dos desafios do movimento estudantil é desmascarar esse governo e mostrar que ele aplica as orientações do Banco Mundial.

Desmascarar os Kirchners
O processo de luta argentino está desmascarando o governo dos Kirchner, cujo empenho é canalizar todo o desgaste da crise educacional sobre o governo de seu opositor Maurício Macri, prefeito de Buenos Aires, também culpado por toda a situação. Para isso, Cristina Kirchner chegou a declarar apoio às ocupações secundaristas.
Essa postura, combinada com a atuação de grupos governistas no interior do movimento e com a postura da imprensa nacional poderia ajudar a fazer os Kirchners saírem ilesos dessa crise. Mas apesar de toda essa combinação, todo o movimento estudantil argentino está questionando cada vez mais o governo de Cristina.

Unidade operária e estudantil
A luta estudantil se dá em um contexto de efervescência política no país. No dia 15 de setembro, ocorreu uma paralisação nacional dos docentes, no dia 16, uma paralisação nacional dos bancos e no dia 17, dos caminhoneiros. Além disso, os operários de Paraná Metal resistem para defender seus postos de trabalho e seus salários. No dia 18 de agosto, reuniram-se em marcha 2 mil trabalhadores de Villa Constituición, cidade onde está instalada a fábrica Paraná Metal.

No dia 16 de setembro, 30 mil pessoas, entre estudantes, professores e operários das fábricas em luta transformaram a tradicional Marcha dos Lápices – que há 34 anos homenageia os 10 jovens assassinados pela ditadura – em uma grande manifestação contra o governo de Cristina.

A Marcha dos Lápices ensaiou a tarefa central do movimento estudantil: unificar-se às lutas operárias. O movimento operário também deve trabalhar com essa perspectiva e aproveitar o potencial dos estudantes.

Post author Camila Lisboa, da Secretaria Nacional da Anel
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