A estudante Camila Lisboa, do PSTU e da Comissão Executiva Nacional da ANEL-Livre, está na Argentina acompanhando as mobilizações estudantis naquele país. Leia o relato da companheira ao blog da ANELBuenos Aires presencia uma luta estudantil muito forte protagonizada pelos estudantes secundaristas e fortalecida pelos universitários de diversos cursos. Hoje, há 22 escolas secundaristas ocupadas, tomadas pelos estudantes e controladas por eles, além da ocupação dos prédios de Ciências Sociais, Filosofia e Letras, Educação Física, além do apoio e luta dos estudantes de Medicina e Engenharia. Cheguei a Buenos Aires no dia em que ocorreu uma Assembleia de 3000 estudantes, entre universitários e secundaristas.

O motivo fundamental que fez a juventude argentina sair às ruas e radicalizar a luta com as ocupações foi a terrível condição física dos prédios públicos que abrigam as escolas secundaristas e os prédios da Universidade de Buenos Aires (UBA). O prédio da Medicina, o único que conheci por enquanto, é o melhorzinho e está literalmente caindo aos pedaços, completamente abandonado. Muitos estudantes no Brasil imaginam o que é essa situação. Conheço algumas universidades caindo aos pedaços no Brasil, mas nenhuma se compara ao prédio da Medicina da UBA, e isso porque dizem por aqui que é o melhorzinho.

Secundário, carajo!
Ainda não fui a nenhuma escola secundarista ocupada, apenas passei na frente de uma, mas deu para imaginar as condições físicas: é um prédio bastante abandonado. Talvez essa terrível condição objetiva tenha colocado os estudantes secundaristas de forma tão heróica a frente desse processo. A turma está muito radicalizada. Tiveram de sair mais cedo da Assembléia de ontem, para voltarem para as ocupações. Ao saírem, a Assembléia toda entoou em coro: “Secundario, carajo!”, saudando a combatividade dos “tikos”.

Qualquer semelhanca não é mera concidência
A luta se enfrenta diretamente com o governo de Cristina Kirchner que, apesar das propagandas – em cada obra pública, há uma grande placa com o nome da presidenta e um símbolo de seu governo dizendo “Argentina para Todos” – é a grande responsável por essa situação. O investimento em Educação é escasso, a reivindicação histórica por aqui, de muitos anos, é que se triplique o investimento e o governo nunca chegou perto disso. Segundo o economista argentino Axel Kicillof, o dinheiro investido hoje sequer permite pagar serviços como, luz, gás, telefone, que dirá comprar livros, equipamentos para as escolas e universidades.

Cristina Kirchner também é responsável pela manutenção da LES (Lei da Educacao Superior), que foi sancionada pelo governo Menem, em 1995. Segundo esta lei, o investimento nas universidades se darão com base na produtividade da mesma, e quem avaliaria esta produtividade seria uma comissão composta por representantes do governo. A Lei também permite que haja convênios entre as universidades e instituições privadas interessadas no desenvolvimento de determinadas pesquisas.

Se lermos os recentes decretos do governo Lula e a MP 495, veremos que é praticamente o mesmo texto e o que respalda ambas iniciativas é a busca pelo desfinanciamento estatal da Educação.

Uma das principais diretrizes do Banco Mundial para a Educação é orientar que os governos “diversifiquem a forma de financiamento”, não restringindo a responsabilidade sobre o Estado. Claramente este projeto está serviço de transformar a Educação em uma mercadoria, disponível para quem pode pagar. Este projeto está mostrando suas conseqüências na Argentina e no Brasil, assim como em outros países, que também presenciam planos semelhantes. Os estudantes argentinos estão mostrando como a juventude pode reagir.

Direita tradicional tambem tem responsabilidade
A luta também se enfrenta com o governador (cargo equivalente ao que chamamos de prefeito) da cidade de Buenos Aires, Maurício Macri, do PRO, partido de oposição ao governo Kirchner. Os secundaristas se enfrentam diretamente com este governo, pois o financiamento das escolas é de maior responsabilidade do governo local. Apesar de se intitular oposição, a política de Macri para a Educacao é a mesma de Cristina, que não garante um investimento superior para a melhoria das escolas.

Defender a luta é aumentar o investimento e revogar a LES!
Na semana que passou, Cristina Kirchner, aproveitando do enfrentamento dos secundaristas com o governo de seu oposicionista Macri, declarou apoiar as ocupações das escolas, e não se pronunciou sobre a luta universitária. É importante termos claro que qualquer declaração favorável da presidenta que não venha acompanhada da revogação da LES e da triplicação do investimento é pura demagogia, não ajudando em nada a luta estudantil.

Também foi lamentável a declaração do dirigente Pino Solanas, que orienta a corrente Proyecto Sur, um dos setores de oposição de esquerda ao governo, condenando as ocupações. Isso promoveu a uma de suas militantes uma tremenda vaia em uma assembleia.

Que cagazo! Que cagazo! Trabajadores e estudiantes como en el Cordobazo!
Este foi o grito entoado pelos estudantes após a saudação dos companheiros ligados a lutas importantes, como a Kraft Terrabusi e Paraná Metal. Os metalúrgicos da Paraná Metal se mobilizam há dois anos e hoje se enfrentam com o plano da empresa de demitir 600 companheiros, além de baixar o salário de quem ficar.

A batalha que está se dando é de que esses processos se unifiquem e que se confluam num questionamento global ao governo e ao sistema econômico que superexplora os trabalhadores e não deixa a juventude nem estudar, nem trabalhar.

Por um grande dia 16!
O dia 16 de setembro está na memória daqueles que se enfrentaram com a ditadura argentina e com aqueles lutadores que surgiram depois desse processo, mas se referenciam na combatividade dos lutadores do passado. No dia 16 de setembro de 1976, a sangrenta ditadura argentina seqüestrou 7 dirigentes estudantis e matou 6 (jovens entre 16 e 18 anos). Desde então, todo dia 16 de setembro ocorrem manifestações em memória dos companheiros.

Neste ano de 2010, a homenagem que será feita aos companheiros será na forma de um grande enfrentamento com os governos atuais que destroem a Educação pública e não permitem que a juventude tenha acesso ao estudo.

Tudo caminha para uma grande manifestação, maior do que a que teve na última segunda feira, que contou com 5 mil estudantes. Tudo indica também que este dia irá confluir diversas lutas, como a dos companheiros de Paraná Metal, assim como os companheiros de Kraft Terrabusi e dos docentes também envolvidos na manifestação em defesa da Educação.

A Secretária de Políticas Educacionais do Centro de Estudantes de Filosofia y Letras da UBA, Luciana Danques, apresentou na Assembleia de ontem a necessidade de que depois do dia 16, construamos uma paralizacao nacional de 24 horas, para fazer o movimento avancar e impor uma derrota ao governo. Essa proposta foi muito importante porque a FUBA (Federacao Universitária de Buenos Aires) naum apresentou nenhuma proposta concreta que aponte esse avanco, brecando as expectativas do movimento no dia 16, que por ser um dia chave, tem que ter perspectiva. Outros setores influentes também pouco concretizaram um plano concreto pro desenvolvimento das lutas.

A saudação da ANEL
Foi muito bacana saudar a assembleia dos estudantes. Fui a primeira a falar, e todos os 3000 estudantes pareceram receber muito bem a presença de uma representação do Brasil em solidariedade à luta deles. Os secundaristas agradeceram bastante e também foi importante dizer que sofremos as mesmas coisas nas escolas e universidades brasileiras.