Ministério da Integração Nacional, responsável pela ajuda aos desastres, teve corte de R$ 1,7 bilhão em marçoAs chuvas que castigam o Norte e o Nordeste há um mês já deixaram um saldo de mais de 274 mil pessoas desabrigadas e 42 mortos, em 12 estados. Os dados são da Defesa Civil, do Ministério da Integração, que reúne as informações repassadas pelos estados. Ou seja, esses números podem ser bem maiores.

Apesar de se concentrar nas duas regiões, as chuvas afetam 340 municípios em 12 estados. Do Ceará, que reúne o maior número de mortos, passando pelo Amazonas, Piauí, Bahia, Maranhão, Pará e até Santa Catarina, que viveu um desastre em 2008. Estimativas oficiais dão conta que as chuvas atingiram mais de 1 milhão de pessoas.

As cenas são de um filme de guerra. Cidades inteiras embaixo d’água e milhares de pessoas abrigadas precariamente em barracões de lona. Em várias regiões as fortes chuvas elevaram o nível dos rios, que transbordaram para as cidades. Foi o caso, por exemplo, do município de Itaiçaba, interior do Ceará e que vive às margens do rio Jaguaribe.

A população do município sobrevive como refugiados em lonas. Falta principalmente água potável e alimentos. No Pará, a população ribeirinha está sendo obrigada a dormir em canoas dentro das próprias casas.

O que está por debaixo das águas?
As cenas chocantes revelam uma realidade bem conhecida. Em situações limites, a população pobre é quem realmente sofre. Principalmente nas regiões que concentram os maiores índices de miséria do país.

A mídia e o governo, por sua vez, tratam o tema como um “desastre natural”. No máximo, relacionam o aumento das chuvas com o aquecimento global. Se as chuvas, porém, podem ser um “fenômeno natural”, a miséria não.

Vários aspectos se escondem por debaixo da água que cobre boa parte do país. A população que sobrevive em barrancos e encostas, convivendo diariamente com o perigo de soterramento, expressa de forma dramática um enorme déficit habitacional. Sem opção de moradia, muitas vezes a única alternativa é ocupar esses locais.

Outro drama é a completa ausência de infra-estrutura. Se esgotos e lixo à céu aberto já expõem a população a várias doenças, nas enchentes o problema se torna ainda mais grave. A falta de água potável piora ainda mais a situação. Ou seja, as enchentes reforçam ainda mais as desigualdades, que assumem a forma de verdadeiras tragédias.

Descaso
Mesmo se desconsiderarmos todas as injustiças que antecedem as chuvas, a atual situação, por si só, já seria inaceitável. O Estado não age e se limita a abrigar a população em locais públicos, como escolas. O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira (PMDB) chegou ao cúmulo de afirmar que seria inútil enviar recursos para as regiões afetadas, já que “as cidades já estão debaixo d’água”.

Ajuda emergencial às famílias também seria “inócua”, pois, segundo o ministro, “é difícil encontrar casa para alugar nesta situação”. A solução então seria deixar a população amontoada em escolas até a água baixar.

A fala do ministro parece esconder, além disso, a real situação de seu ministério. O Ministério da Integração Nacional, responsável pela Defesa Civil e pelo resgate de vítimas de desastres, sofreu um corte de R$ 1,7 bilhão de seu orçamento no início do ano. Esse valor equivale a mais de 35% do total do orçamento da pasta. Para se ter uma idéia, todo o prejuízo causado pelas enchentes é calculado em R$ 1 bilhão.

Como se isso não bastasse, o ministro tem ainda coragem de culpar a população pobre pela tragédia. Para ele, o problema é causado pelas pessoas que vivem em áreas de perigo, como encostas e margens de rios. Segundo Geddel, para retirar as pessoas de lá, “é preciso um trabalho de convencimento que não é fácil”. Seria fácil se essas pessoas tivessem acesso a moradias digna.

Na outra ponta
Se o governo federal, por um lado demora a liberar ajuda, quando o faz, por outro lado, os governos estaduais e municipais representam outro entrave. A corrupção e a burocracia impedem que os repasses cheguem aos atingidos. Quando o governo federal libera um repasse para recuperar áreas atingidas, os governos, estaduais ou municipais, devem prestar contas para receberem uma segunda parcela. Os prefeitos e governadores usam sabe-se lá como esse dinheiro. Não prestam contas e não recebem mais os repasses. O governo federal, claro, não faz a mínima questão de liberar essa verba e quem sai prejudicado é a população pobre.

Um quadro dessa realidade. Das 131 cidades atingidas pelas enchentes em Santa Catarina ano passado, só 64 receberam ajuda do governo federal. Enquanto isso, a população pobre e ribeirinha continua sofrendo os efeitos das chuvas. Os serviços públicos, já escassos e insuficientes, praticamente param com as enchentes. Com as escolas abarrotadas de desabrigados, as aulas são suspensas.

Outro aspecto disso é a Lei de Responsabilidade Fiscal, que engessa o orçamento dos municípios. O prefeito do município amazonense de Manaquiri, cidade em estado de emergência, chegou a dizer que “por conta do decreto emergencial, teremos liberar recursos para as vítimas e, provavelmente, esse dinheiro virá da saúde”. Ou seja, se tem ajuda às vítimas das enchentes, a saúde fica ainda mais precarizada.

Quanto vale a vida?
Essa é a lógica do governo. Essa é a lógica do equilíbrio fiscal herdada do FMI. Ao mesmo tempo em que o governo Lula se diz orgulhoso de emprestar recursos ao Fundo Monetário, os flagelados das enchentes amargam as mais primárias necessidades. Um desastre que de natural não tem nada.

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