`Cromafoto`A Rússia foi o primeiro país do mundo a viver a experiência de uma revolução socialista. Em outubro de 1917, milhares de trabalhadores e camponeses, liderados pelos bolcheviques, protagonizaram uma impetuosa ação, que derrubou um governo de Frente Popular. Por isso, a Rússia é, até hoje, um país importante para os socialistas de todo o mundo.

Convidado ao Conat, o russo Mikhail Ostrovski, 24, trabalhador gráfico e estudante de História, falou da atual realidade da classe trabalhadora na Rússia, depois da queda da burocracia e da restauração do capitalismo, e elogiou a “democracia operária” do Conat.

Ciranda do Conat – Como tem sido a experiência com a classe trabalhadora brasileira reunida aqui no Conat?

Ostrovski –Ainda não tenho conclusões, são apenas primeiras impressões. Tenho que refletir muito para entender a fundo e tirar conclusões mais profundas de tudo que estou vivendo nesses dias.

Mas as primeiras impressões que tive são de atitude, não posso ainda opinar como pensam, como trabalham. Não temos um processo mais longo de contato com os trabalhadores do Brasil. Mas o que estou vendo nesse Congresso é muita, mas muita democracia operária, gente que sabe e compreende os debates. Não tem ninguém que está aqui sem compreender o que se passa. A gente que está aqui presta atenção e sabe quando votar e no que votar. As pessoas pedem a palavra para disputarem suas posições. Vejo um acalorado debate, tudo de acordo com a cultura da democracia operária. Realmente estou muito impressionado, na Rússia não se vê isso hoje.

Ciranda – Qual a situação hoje do proletariado russo e quais são as suas principais lutas?

Mikhail Ostrovski – A classe trabalhadora russa está muito dividida. Há os trabalhadores das grandes cidades, e os das pequenas cidades. Em Moscou, São Petersburgo e em suas regiões metropolitanas, estão 10% da classe. Este é o setor mais bem pago da classe trabalhadora. Nas demais regiões do país, o salário é muito mais baixo.

Há ainda os problemas das divisões nacionais que existem entre os trabalhadores em função das diferentes nacionalidades. Diferentemente da América Latina, o nacionalismo na Rússia significa o apoio à repressão aos países que lutam pela independência. É uma espécie de ‘imperialismo´ russo sobre as demais nacionalidades da região.

O governo se utiliza das diferenças nacionalistas, joga com o sentimento nacional para dividir a classe e “legitimar” a guerra contra a Chechênia. Justifica isso como uma guerra contra o “terrorismo”. Na Chechênia, segundo o governo, todos são terroristas. Há um problema muito grande que é a divisão da classe trabalhadora. Ali está o setor mais explorado, e muitos deles vão trabalhar em Moscou.

Esta guerra contra o ‘terrorismo´ permite ao governo Putin dividir e controlar os trabalhadores.

Outro problema são as reformas que o governo está fazendo, como a reforma no sistema de saúde; na educação; nos sistemas comunais (água, luz, telefone); o corte do subsídio ao transporte para os aposentados, que perderam o direito; reforma da propriedade da terra, garantindo o monopólio agrário ao latifúndio. Ou seja, tudo na esfera social está em vias de se tornar negócio.

Apesar de que essas reformas já começaram, há uma certa passividade. Por exemplo, quando houve o corte dos subsídios, o que na Rússia se chama de “processo de monetização”, os aposentados perderam o direito ao transporte gratuito, mas receberam subsídios do governo e hoje não tem força realizar mais mobilizações.

Tudo isso se explica pelo problema de organização da classe trabalhadora. Passam as reformas e eles se calam. Assim como tem a ver também com a ausência de uma ferramenta política, como um partido revolucionário de esquerda, organizações culturais, etc.

Ciranda – O que pensa a atual classe trabalhadora sobre o Outubro de 1917?

Mikhail Ostrovski – É difícil saber o que pensa a classe trabalhadora pela inexistência de organizações da classe. Mas se vamos aos operários da província, estes consideram que o socialismo é uma coisa boa. Agora, as pessoas que pensam que o socialismo é bom, vêem o período dos anos 60, mas não porque era o Brechnev, mas porque havia estabilidade, não havia desemprego.

Mas, para os trabalhadores, os episódios de 1917 são muito complexos. Houve a revolução, logo depois a situação ficou muito difícil (guerra com outros países). Em seguida a vida melhorou, pelo emprego, mais estabilidade. Existia um certo orgulho da classe trabalhadora por sozinha ter organizado e construído o sistema soviético. Esse orgulho hoje já não existe mais.

Ciranda – Como então se explica então esse enfraquecimento brutal das ferramentas dos trabalhadores um século antes de os mesmos terem protagonizado a primeira revolução operária da história?

Ostrovski – Analisar esse problema, quando se constata esse retrocesso, essa derrota, não é fácil. O período da revolução, da contra-revolução e de todos os processos que se deram tiveram um significado mundial. Então, não se pode esperar que seja respondido por um setor apenas, é algo que tem que se trabalhar e elaborar em conjunto com os trabalhadores e os marxistas. As derrotas não se produziram agora, há 15 ou 20 anos, mas há muito tempo. Agora nós vemos os efeitos dessa derrota. Uma referência crítica a burocratização é o livro de Trotsky, “A Revolução Traída”, escrito em 1936, que faz uma análise da burocratização do Estado soviético. Há muitas informações que estão sendo assimiladas agora pelos russos.

Eu dividiria a explicação em momentos e períodos. Em primeiro lugar, podemos explicar isso pelo retrocesso e a derrota da revolução mundial, logo após a vitória da Revolução de 1917, como a derrota da revolução na Alemanha (1923), na Inglaterra (derrota da greve operária de 1924) e na China (1927). Desenvolve-se um processo que começa na arena internacional e começa a se desenvolver dentro da URSS.

Em segundo lugar, a Rússia era um país atrasado e não industrializado. No marco desse atraso começa a surgir no partido bolchevique a teoria stalinista de construção do “socialismo num só país” que, na verdade, significou uma trava para a revolução. De acordo com essa concepção, não era mais necessário fazer a revolução mundial, não era necessário tomar o poder num país atrasado, uma vez que a Rússia era suficientemente grande, suficientemente rica, isso foi algo mortífero porque chegou a se acreditar que aquilo que foi um contratempo histórico da luta de classe mundial se transformava num programa.