Cartas do Haiti – 4º diaAndo por Porto Príncipe pela manhã bem cedo. As ruas estão sempre cheias. Com um desemprego de 80%, o povo haitiano se dedica e vender de tudo pelas ruas. Os carros usam as buzinas para abrir caminho com um barulho muitas vezes infernal. O povo negro, de uma beleza que impressiona, se mistura com os sinais evidentes da miséria. O lixo se espalha em grandes montes por todos os lados.

É hora de viajar. Vamos para Cap-Haitien, ou Le Cap como chamam os haitianos. Esta é talvez a cidade mais importante economicamente do país e foi um dos centros da revolução dos escravos.

A estrada é sinuosa, cheia de buracos. Vamos num ônibus que acompanha a delegação, cedido por uma universidade. Sete horas depois, chegamos a Le Cap. Somos recebidos numa sede de Batay Ouvriére e depois levados para o local do ato que nos espera.

A entrada no ato põe lágrimas nos olhos de muitos de nós. Vestidos com as camisetas azuis de Batay Ouvriére, quatrocentas pessoas cantam em creole de forma ritmada, no estilo africano que lembra o candomblé brasileiro ou o gospel dos negros americanos. Vamos entrando e a música ecoa no amplo salão: “saudamos vocês, saudamos vocês, aqui não há burgueses, aqui não há patrões, saudamos vocês”.

Sentamos em cima do palco, eles continuam a cantar em creole: “soubemos que a burguesia armou uma cilada para matar alguns dos nossos. Que venham eles, somos touros, somos fortes”. Todo o cansaço da viagem desaparece.

A referência às armadilhas da burguesia tem uma explicação: ali estão representantes dos trabalhadores sem-terra que, em 2002, tiveram dois dos seus assassinados numa ocupação de terra pela repressão do governo de Aristides.

Toninho chama um por um da delegação brasileira. Eles também se apresentam: sindicatos de operários de uma indústria de refrigerantes, outra de cerveja, operários rurais, trabalhadores sem-terra, associações de bairros, estudantes.

Batay Ouvriére tem uma força importante na região. Uma de suas dirigentes me conta que fazem atos no 1º de maio com passeatas que passam em todos os bairros de trabalhadores, chegando a reunir dez mil pessoas. É a vanguarda deste povo que nos recebe hoje.

Falam os brasileiros. Toninho apresenta a Carta que trouxemos do Brasil e mostra a identidade da luta deles com a nossa. Janira fala da luta do MTL. Dayse lembra a identidade racial e de classe na luta brasileira e haitiana. Em cada fala, aplausos fortes. Eu homenageio seus dois mortos e os mortos do PSTU no Brasil, Zé Luis, Rosa, Gildo. Aderson fala como a luta contra as tropas vai ter um avanço depois desta viagem.

Vários dos dirigentes da região tomam a palavra. Um deles diz que é necessário lutar contra os oportunistas que dizem falar em nome do povo. Cita Lula e Aristides e fala de como traíram as esperanças dos trabalhadores.

O Ato termina com muitos dançando e, em coro, cantado em creole. Haja coração!