Fotos Erick Dau

Cyro Garcia e Jeronimo Castro

Linhas expressas fechadas, milhares de crianças sem aula, balas perdidas, assassinatos de jovens negros nas favelas, envolvidos ou não com o tráfico, mortes de policiais. Esta é a rotina na cidade do Rio de Janeiro. As mais recentes cenas de violência e barbárie no Rio de Janeiro, com a morte de mais duas crianças colocou de novo, pela enésima vez, o problema em vermelho vivo.

Emily de 3 anos morreu quando voltava com seus pais de carro para casa ao voltarem de uma lanchonete em Anchieta. Foram doze tiros de fuzis contra o carro.

Jeremias de 13 anos morreu enquanto jogava futebol com os amigos no Complexo da Maré, levou um tiro no peito disparado no conflito entre policiais e traficantes.

A morte anunciada de todos os dias
Poderia ter sido apenas uma tragédia ou uma fatalidade, um acontecimento espetacular e imprevisível. Um incidente com consequências fatais. Mas não é este o caso. Estamos diante de uma rotina que se repete tragicamente todos os dias. Centenas de pessoas têm morrido vítimas da violência no Rio de Janeiro. Implementa-se uma pena de morte informal à juventude negra de nossas favelas e periferias.

Na verdade, com a crise econômica, política e social que vivemos no país e que tem o estado do Rio de Janeiro como um dos seus epicentros, com o fechamento dos estaleiros, a quase extinção do COMPERJ em Itaboraí, o que contribui para um enorme desemprego, tudo isto leva a um aumento da insatisfação e da violência. A resposta da burguesia é aumentar a criminalização da pobreza. Sob o pretexto de “guerra às drogas”, assistimos a um aumento da guerra contra os pobres. Apesar do fracasso retumbante das políticas criminais contra as drogas, se aproveitam delas para transformarem as favelas em verdadeiras prisões sociais e os presídios em guetos superlotados de jovens negros.

O “caveirão” é um dos principais símbolos desta política, pois quando entra nas favelas identifica todos os moradores como potenciais criminosos, intimidando-os como um todo. São inúmeros os relatos dos policiais entrando atirando, deixando a população no meio do fogo cruzado. Em 2017 foram 632 vítimas de balas perdidas e no início deste ano a realidade se repete.

No complexo da Maré uma situação de estado de sítio
Para que se tenha uma ideia da situação do Rio, peguemos os dados da vida no Complexo da Maré no ano passado. Foram 41 operações policiais, ou seja, uma a cada 9 dias, 42 mortos, 57 feridos, 45 dias sem serviço de saúde, que foram suspensos por operações policiais, 35 dias sem aulas nas escolas, pelo mesmo motivo.

Para ilustrar a situação, até a campanha de vacinação contra febre amarela no ano passado foi suspensa pois a polícia resolveu fazer uma incursão no complexo justamente no dia em que a campanha estava sendo realizada.

Uma “guerra” que precisa ser explicada
Aparentemente, o que está acontecendo na cidade do Rio de Janeiro, com maior intensidade, e no conjunto do estado de forma mais diluída, é uma guerra onde, por um lado facções do tráfico lutam entre si por território onde possam realizar o comércio ilegal de drogas, e por outro a polícia que tenta coibir a prática ilegal do narcotráfico. Nesta guerra por territórios e por manter a ordem estariam morrendo policiais e traficantes.

Se fosse assim, já seria uma situação muito ruim. Em 2017 a Polícia Militar matou mais de 1035 pessoas, e 129 PM’s foram mortos, sendo pelo menos 27 em serviço.

A proporção de policiais mortos em relação aos que eles matam é de 1 policial para cada 38 supostos traficantes ou bandidos. Segundo a Human Rights Watch, “o número de mortos por ação policial é muito maior do que o número de baixas na polícia, fazendo com que seja difícil acreditar que todas estas mortes ocorreram em situações em que a polícia estava sendo atacada[1]

Ou seja, uma primeira e óbvia conclusão é de que a polícia age na ilegalidade, e executa pessoas.

Mas os problemas não param por aí. No primeiro semestre de 2017, 632 pessoas foram feridas por balas perdidas no estado do Rio — a média é de mais de três ocorrências por dia, uma a cada sete horas. Desse total, pelo menos 67 vítimas, ou seja mais de 10%, morreram[2]. Se esta media se manteve, tivemos no estado 1264 vítimas de balas perdidas e mais de 130 mortos.

Além disso, e segundo a Human Rights Watch cmpid “Em geral, são operações altamente militarizadas, que seguem uma lógica de guerra [neste caso, guerra às drogas], que enxerga as áreas de favelas e periferias como territórios de exceção de direitos.”[3]

Neste “detalhe” reside uma parte da explicação do número de mortos nas operações policiais levadas a cabo em vilas, comunidades e favelas da cidade. A Polícia Militar atua, regra geral, como um exército de ocupação em uma operação em território inimigo. A população destas locais são parte do “campo inimigo” e, portanto, suas vidas valem pouco, ou não valem nada.

Por outro lado, não é verdade que a polícia “sobe o morro” para combater o tráfico e impor a ordem. Os casos das milícias onde grupos de policiais tomaram conta do tráfico, sozinho ou associados a um ou outro setor do tráfico, demonstra muito bem isso.

Mas mesmo fora destes casos mais exacerbado, no mais das vezes a polícia sobe para apoiar uma ou outra facção, ou para cobrar sua parte no negócio ilegal da venda de drogas.

A “guerra” entre facções do trafico
No entanto, dizer isso não explica ainda a totalidade do problema. Porque também é um fato que existem várias facções armadas disputando o controle do negócio da venda ilegal de drogas no Rio de Janeiro.

E é desde esta ótica que se tem que encarar a “guerra” de facções no Rio. Como um negócio ilegal, portanto não protegido pelo Estado, onde parte da concorrência é resolvida por meios extralegais, leia-se, por assassinatos, invasões dos territórios (bases comerciais) dos concorrentes, sequestros ameaças e um largo, e doloroso, etc.

O tráfico tem necessidade de manter suas próprias “forças armadas” simplesmente porque seu negócio não é regulado pelas leis. E porque apesar de não ser regulado pelas leis, este mesmo tráfico paga impostos altíssimos na forma de corrupção, o famoso “arrego”. E mesmo assim se vê obrigado a enfrentar não apenas seus concorrentes com métodos violentos, mas inclusive a própria polícia que se junta a um ou outro setor para se beneficiar.

Não por acaso em outubro do ano passado o então ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse que o governo estadual do Rio não controla a Polícia Militar e que o comando da corporação está associado ao crime organizado. As acusações graves foram feitas na véspera de uma data simbólica, a formalização do grupo de procuradores dedicados ao combate à criminalidade no estado[4].

Um genocídio da população negra e pobre
As vítimas principais da violência instalada no estado do Rio são os pobres. Os trabalhadores mais precarizados, os desempregados, os semiempregados em subempregos, a população com mais baixa renda, as donas de casa, os estudantes das piores escolas, as mulheres. Esta população tem também um corte racial, são os negros em sua maioria. E há ainda uma ironia trágica nestas mortes: os soldados, sejam do narcotráfico sejam da polícia também são em sua maioria negros, e pobres.

O fracasso das UPP’s
Um aspecto que tem que ser destacado é que o Rio de janeiro tem uma política para o combate à violência. São as UPP’s, Unidade de Polícia Pacificadora. Em um momento, esta política foi tão alardeada que até Marcelo Freixo defendeu uma UPP mais humanizada. Essa abordagem do tema da violência, que partia do pressuposto de ocupar os morros e expulsar o tráfico, fracassou brutalmente. E não foi por falta nem de recursos, nem de policiais. Foi por uma abordagem errada. Uma abordagem que fortalecia a “lógica” de uma guerra entre polícia e traficantes e que colocava os moradores das favelas e comunidade como parte de um território inimigo a ser conquistado.

Deu no que deu, violência contra a população em geral, e mais corrupção e associação da PM com o narcotráfico.

A falsa política da extrema direita
A extrema direita tenta capitalizar o descontentamento da população com a escalada de violência e insegurança pregando mais violência. Bolsonaro, um dos principais porta-vozes desta política diz que a solução para acabar com a violência e o banditismo é dar à polícia carta branca para matar. É um duplo contrassenso, em primeiro lugar um maior armamento da polícia vai aumentar a violência, pelo menos do lado policial.

Em segundo lugar porque a polícia já tem licença para matar. É exatamente o que ela faz quando sobe os morros. Atira indiscriminadamente, mata bandidos e inocentes armados ou não. Se esta política fosse certa, se fosse suficiente para acabar com a violência, o Rio já seria o lugar mais pacifico do mundo

É preciso legalizar e regulamentar a venda das drogas
O negócio das drogas não vai acabar. Ele envolve demasiados aspectos para que possa ser resolvido por meio da violência policial. A “guerra às drogas” na verdade tem se mostrado não apenas ineficaz no combate ao tráfico, tem se mostrado cruel contra a população e tem levado crise inclusive ao aparato militar do estado e do país. A recente prisão de um sargento do exército com armas e drogas demonstra o quanto o tráfico tem um poder dissolvente junto a estas instituições.

A saída para acabar com o tráfico ilegal de drogas é a legalização de seu consumo e a regulamentação e controle da venda. Os problemas decorrentes do consumo dos entorpecentes, sejam de saúde, sejam de abuso que provoque danos a terceiros, tem que ser tratados como hoje são os decorrentes do consumo de álcool.

A dificuldade de se fazer algo tão obvio, só indica o lucro que se obtém mantendo este “negócio” por fora de qualquer regulamentação. É o altíssimo lucro e a absoluta falta de controle que levam a que a burguesia não queira terminar com esta “guerra”.

É preciso acabar com a Policia Militar
A polícia que sobe os morros atirando e matando é a mesma que ataca trabalhadores em greves, faz despejos violentos, e muitas vezes com vítimas fatais, ataca manifestações e reprime a juventude. Como instituição a PM é irrecuperável e precisa acabar. Uma polícia que atua com critério de exército invasor e foi criada na ditadura militar para combater ao próprio povo é uma excrescência mesmo numa democracia tão frágil quanto a nossa.

É preciso acabar com a PM criar uma polícia única, civil, que tenha direito a se organizar sindicalmente e possa participar da vida política do país. Uma polícia assim, deveria ter mecanismos de controle popular para impedir as barbaridades que hoje são feitas contra a população.

Os trabalhadores precisam se defender
Os trabalhadores são as principais vítimas de violência. Tanto a polícia quanto o tráfico não se importam com as vítimas inocentes que eles provocam. Para revertermos este quadro temos de tomar medidas que atinjam a raiz do problema com investimento maciço em educação, saúde, oferta de empregos para a juventude, realizar um debate responsável sobre a necessidade de descriminalizar as drogas e realizar mudanças estruturais na polícia.

É necessário a desmilitarização da PM e a criação de uma só polícia civil, com salários dignos, direito de sindicalização e de greve, e a eleição de delegados pela população, para que tenhamos um policiamento comunitário de fato, onde a população sinta respeito pela polícia e não medo.

Só com a formação de grupos de autodefesa isso será possível. É preciso que os trabalhadores se organizem e se defendam. É necessário defender-se nas passeatas, nas ocupações urbanas e rurais, é preciso que as mulheres possam se defender dos ataques que sofrem, e também que os trabalhadores possam se defender do banditismo em geral, do tráfico e da PM. E estas são tarefas cada vez mais urgentes, para os sindicatos, os movimentos populares, o movimento estudantil e os partidos que defendem, ou dizem defender, os trabalhadores.

[1] Número de mortos pelas polícias no RJ passa de 1.000 em 2017 e já é o maior em quase 10 anos… – Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidia…

[2] Rio tem, em média, uma pessoa vítima de bala perdida a cada sete horas em 2017 https://oglobo.globo.com/rio/rio-te…

[3] Número de mortos pelas polícias no RJ passa de 1.000 em 2017 e já é o maior em quase 10 anos… – Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidia…

[4] Ministro diz que comandantes da PM do RJ são sócios do crime organizado http://g1.globo.com/jornal-nacional…