O assassinato do casal de agricultores e ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, em 24 de maio deste ano, até o momento não apresenta um caminho que leve à identificação e condenação dos mandantes e executores.

O casal residia no assentamento Praialta Piranheiras, localizado em Nova Ipixuna, Sudeste do Pará. Contando com 385 famílias e 22 mil hectares de terras, o assentamento ainda dispõe de algumas áreas de floresta nativa e, por isso, é alvo das madeireiras que aliciam agricultores ou simplesmente invadem suas terras para retirar madeira ilegalmente.

No Sudeste do Pará 42 lideranças foram assassinadas nos últimos dez anos. Do total de 18 assassinatos no campo paraense em 2010, 14 ocorreram nessa região. Na região de Marabá, também no Sudeste do Pará, 30 trabalhadores rurais estão sob ameaça de morte. Até mesmo três bispos estão nesta condição.

Impunidade
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), nos últimos 26 anos quase 700 assassinatos ocorreram no campo paraense. Apenas nove mandantes foram condenados, mas apenas o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura foi condenado, por ordenar o assassinato da missionária Dorothy Stang em 2005.

Estudo do governo federal constata que nos últimos dez anos ocorreram 219 assassinatos na zona rural do Pará. Destes, apenas três casos foram a julgamento. Em 98% dos casos o resultado foi a impunidade. De acordo com a Ouvidoria Agrária Nacional (Incra), duas em cada dez morte sequer são investigadas.

Nos estados de Rondônia, Amazonas e Mato Grosso a tensão no campo também tem se acentuado, mas é no Pará que ela é mais intensa. Ela vem acompanhada de outras formas de violência, incluindo a urbana. Entre 2001 e 2009 Marabá registrou uma média de 114 assassinatos para 100 mil habitantes. Em Nova Ipixuna, onde residia o casal de agricultores ambientalistas, a média é de 78 homicídios. Nos 14 municípios de maior incidência de assassinatos, conhecidos como polígono da violência, o índice é de 91 assassinatos. Isso supera os números de Honduras, considerado o país mais violento do mundo, que apresenta 60 homicídios para cada 100 mil habitantes.

A impunidade é a marca da política agrária na Amazônia. Dois exemplos confirmam esta afirmação: o massacre de Corumbiara (1995) em Rondônia, com 10 trabalhadores mortos, incluindo uma criança de nove anos, e o massacre de Eldorado dos Carajás (1996) no Sudeste do Pará. Neste último, todos os 155 PMs envolvidos e seus comandantes estão em liberdade.

O papel do Estado
José Cláudio e Maria foram assassinados porque denunciavam a extração ilegal de madeira. A força tarefa do governo federal e estadual só chegou à região 14 dias depois da execução do casal e após outro agricultor ter sido assassinado no mesmo assentamento. A impunidade é apenas uma das faces da ação do Estado, que diretamente, através das políticas públicas, foi peça central na conformação deste quadro de tensão social. Vejamos.

Em 1958 o governo Juscelino Jubitschek anunciou a construção da Rodovia Belém-Brasília, objetivando, entre outros, tornar a região consumidora dos produtos industriais do Sudeste brasileiro e lhe fornecer matérias primas. De imediato iniciou-se uma corrida por terras da Amazônia, que redundou na privatização de 5,65 milhões de hectares de terra.

Em 1966 a ditadura militar lança a Operação Amazônia, um conjunto de leis e instituições criadas para conduzir as políticas de ocupação da Amazônia. Entre outras, foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e ampliada da política de incentivos fiscais. A SUDAM distribuiu incentivos ficais (a fundo perdido, aquele em que não há obrigatoriedade de devolver o dinheiro ao governo), fortemente concentrados na agropecuária. Quanto maior quantidade de terra, mais recursos se obtinham. Isso intensificou ainda mais a corrida por terras na região.

A distribuição dos incentivos ficou concentrada nas regiões do entorno de Belém e do Vale formado pelos rios Araguaia e Tocantins. Esse vale corresponde ao Sudeste do Pará e foi a área privilegiada de entrada dos novos proprietários que migravam de Goiás, Sul e Sudeste do Brasil em busca de novas terras. O governo militar, fazia um discurso que afirmava que a Amazônia era a “terra sem homens para homens sem terra”, mas favorecia apenas os grandes proprietários.

Para viabilizar sua política a ditadura militar, no início dos anos 1970, baixou um decreto estabelecendo que 100 km de cada margem das rodovias federais construídas ou apenas planejadas passavam para as mãos do governo federal. No caso do Pará 70% das terras ficaram nessas condições. No início dos anos 1980 criou-se o Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT) com o objetivo de arrecadar terras para redistribuí-las. Era um grupo controlado pelas forças armadas, que atuou confiscando terras de agricultores para repassá-las a grandes proprietários. Além disso, o GETAT reprimiu os movimentos sociais que surgiam no Sudeste do Pará, que já mostrava um processo de tensão social, pois os pequenos agricultores que migraram iludidos pelo discurso dos governos militares constataram que a Amazônia não era um espaço vazio, mas sim repleto de conflitos.

Limpeza
A política da ditadura foi “limpar” a região para os grandes proprietários rurais e também para o estabelecimento da grande produção mineral, pois é no Sudeste paraense que se encontra Carajás, a maior província mineral do planeta. Essa foi uma das razões principais, segundo algumas estimativas, da movimentação de 10 mil soldados para reprimir algumas dezenas de guerrilheiros da Guerrilha do Araguaia no início dos anos 1970.

A ditadura militar foi derrubada, mas a política de apoio à grande propriedade rural permaneceu e isso não foi diferente no governo Lula. O resultado é que a Amazônia Legal constituiu-se como a maior produtora de gado do país, além de outros produtos do agronegócio, como a soja, mas a um custo social e ambiental sem igual. O Sudeste do Pará concentra mais da metade do rebanho bovino paraense, mas também os maiores índices de conflitos agrários, trabalho escravo e degradação ambiental.

Post author Gilberto Marques, de Belém (PA)
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