Fábio Bosco, de São Paulo (SP)

Fábio Bosco, ex-diretor do Sindicato dos Metroviários

No domingo, dia 27 de setembro, primeiro dia de campanha, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma charge na qual Vera, candidata à prefeita de São Paulo pelo PSTU, conduz um ônibus da CMTC, junto com uma nota explicando sua posição pela estatização dos transportes e a reconstrução da CMTC.

Isto não se deu por acaso. Vera é a única candidata que defende a estatização dos transportes. (I)

Por um lado, as principais candidaturas burguesas como Bruno Covas, Celso Russomano e Márcio França defendem as privatizações.

Por outro, nenhum dos candidatos dos partidos da esquerda reformista, seja Jilmar Tatto do PT, Guilherme Boulos do PSOL ou Orlando Silva do PCdoB defende a estatização e a reconstrução da CMTC.

Jilmar Tatto, ex-secretário de transportes da gestão Haddad, defende a utilização dos subsídios à máfia dos transportes que custam R$ 3 bilhões por ano para implantar o passe livre gradual começando com a tarifa zero para desempregados e depois para os estudantes. (II)

Orlando Silva se compromete a estudar o fornecimento de passe livre para os desempregados e a revisar os 32 contratos de concessão de transporte coletivo que consomem R$ 4 bilhões por ano em subsídios. (III)

Guilherme Boulos do PSOL defende a Tarifa Zero, começando por assegurar a gratuidade a desempregados e estudantes, e auditar e renegociar os contratos existentes de modo a viabilizar a sua implantação. (IV)

A máfia no comando

O transporte coletivo de ônibus em São Paulo está totalmente controlado por um grupo de empresas de ônibus apelidada de “Máfia dos Transportes”.

O grupo Ruas liderado pelo empresário português José Ruas Vaz, conhecido como o “Barão do Asfalto”, é o mais importante. Ele controla aproximadamente metade da frota municipal de ônibus e é proprietário da Caio Induscar, a principal fabricante de ônibus urbano da América do Sul. (V)

A prefeitura de São Paulo paga subsídios milionários à máfia dos transportes, apesar da tarifa cara (R$ 4,40) e da superlotação.

Segundo relatório do Tribunal de Contas do Município publicado em 18 de agosto de 2020, são 32 contratos com as empresas de ônibus em vigor na cidade de São Paulo desde setembro do ano passado. A auditoria constatou que, em média, a remuneração por passageiro cresceu 75% por causa da pandemia:

“Destaca-se, ainda, que os valores médios de remuneração efetivamente pagos por passageiro transportado nos 32 contratos de concessão aumentaram de R$ 3,21 (três reais e vinte e um centavos) em janeiro para R$ 5,61(cinco reais e sessenta e um centavos) em junho/2020, representando aumento médio de 75%” (VI)

Desde o fim da ditadura militar, já se passaram nove administrações capitalistas, algumas lideradas por partidos burgueses e outras pela esquerda reformista. Nenhuma delas enfrentou a máfia dos transportes. Ao contrário, todas criaram esquemas de subsídios milionários.

Exemplo disso foi a municipalização do transporte coletivo de São Paulo em 1992 sob a administração de Luiza Erundina, a primeira administração da esquerda reformista no município. A municipalização estabelecia um critério de alto subsídio às concessionárias privadas baseado na qualidade do serviço oferecido. O projeto foi aprovado pela Câmara Municipal hegemonizada pelos partidos burgueses pois atendia plenamente os interesses econômicos da máfia dos transportes já que o valor do subsídio era vultoso. (VII)

Em 1995, atendendo às empresas de ônibus, o prefeito Paulo Maluf privatiza a CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos), e o controle total do transporte coletivo por ônibus fica nas mãos da máfia, que continua a receber subsídios vultosos da prefeitura até os dias de hoje. (VIII)

Quem tem medo da estatização?

A partir de 1989 com a queda do muro de Berlim, as políticas neoliberais preconizadas pelo Consenso de Washington (liderado pelo governo dos Estados Unidos, o FMI e o Banco Mundial) se tornaram hegemônicas em todos os países “em desenvolvimento” como é o caso do Brasil.

Abertura econômica, privatização, fim do déficit público, flexibilização de direitos trabalhistas passaram a ser o mantra sagrado ao qual se curvaram os partidos burgueses e a esquerda reformista.

Apesar de que esses planos neoliberais devastaram a América Latina e outras partes do mundo, ainda hoje partidos burgueses e a esquerda reformista, mesmo criticando, se tornaram prisioneiros do neoliberalismo.

Exemplo disso são as eleições municipais de São Paulo nas quais, de Russomano a Boulos, a privatização dos transportes é intocável.

Controle dos trabalhadores e trabalhadoras

Para os socialistas, estatizar os transportes é necessário ainda que insuficiente.

O metrô de São Paulo é um exemplo.

É claro que a população de São Paulo está melhor servida pelo Metrô estatal (linhas 1, 2, 3 e 15-monotrilho) do que pelas linhas 4 e 5 privatizadas.

Mas a administração burguesa do Estado impõe ao Metrô o superfaturamento de obras, tarifas altas, a contratação de apaniguados sem concurso, ataques aos direitos trabalhistas, o subsídio às linhas privatizadas, todas elas políticas contrárias aos interesses da classe trabalhadora.

Para impedir a corrupção e o desperdício, é necessária a estatização dos transportes sob o controle dos trabalhadores e da comunidade usuária, como propõe Vera.

Protagonismo da classe trabalhadora

Outra questão chave é alimentar o protagonismo da classe trabalhadora, para que esta se organize, lute e se torne dona da situação. Afinal a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores.

Certamente os nove dias da greve dos condutores da CMTC em maio de 1992 foi um exemplo de protagonismo dos trabalhadores que ainda representa um trauma para a esquerda reformista.

A greve paralisou a cidade de São Paulo e foi duramente reprimida pela prefeita Luiza Erundina. Segundo o sindicato da categoria, o fim da greve foi motivado pela demissão de 475 condutores e pelo forte esquema policial montado à frente das garagens, impedindo piquetes. (XIX)

A greve representou um divisor de águas entre a esquerda reformista e a esquerda revolucionária.

A prioridade para a esquerda reformista é garantir a gestão do Estado capitalista. Querem demonstrar que administram o Estado burguês melhor que a própria burguesia. Por isso uma greve dos condutores, ao paralisar os negócios capitalistas, torna-se uma ação inaceitável que deve ser energicamente reprimida.

Para a esquerda revolucionária, a greve dos condutores foi necessária para defender direitos trabalhistas e também representou uma demonstração de poder operário, de que é a classe trabalhadora quem produz todas as riquezas da sociedade. A repressão à greve colocou a esquerda reformista a serviço da burguesia e na contramão da luta pela emancipação da classe trabalhadora.

NOTAS
(I) Plataforma Municipal PSTU – SP precisa de uma revolução socialista
– Estatização dos transportes públicos! Fim da máfia dos transportes! Pela reconstrução da CMTC sob o controle dos trabalhadores e da comunidade! Investimento na expansão do metrô público! Passe livre para estudantes e desempregados! Redução de tarifa rumo à tarifa zero!

(II) O ex-secretário de Transportes da gestão Haddad, Jilmar Tatto, garante que tem boas propostas para a maior metrópole do Brasil. Entre elas estão zerar a tarifa de ônibus — os subsídios ao setor de transportes custam R$ 3 bilhões por ano. (revista Oeste 3 de junho de 2020)

– Passe livre gradual no transporte público: “Começaríamos a tarifa zero para os desempregados e depois para os estudantes”. (Entrevista de Jilmar Tatto ao El País 18/8/2020)

(III) Orlando Silva (live da FTTRESP)
No transporte, o candidato, se eleito, estudará o fornecimento de passe livre para os desempregados. Isso, conforme explicou, já consta de lei, de um vereador do mesmo partido, que precisa ser regulamentada.

A mobilidade é uma de suas preocupações. Para ele, a prefeitura precisa incentivar as empresas de planejamento e gerenciamento do transporte e trânsito, como a SPTrans e a CET.

Orlando quer rever os 32 contratos de concessão de transporte coletivo reassinados recentemente pela atual administração e revelou que o município paga R$ 4 bilhões em subsídios por ano.

(IV) Programa de governo Boulos-Erundina
• Implementar a Tarifa Zero, começando por assegurar a gratuidade a desempregados e estudantes; • Constituir um fundo municipal para o financiamento do sistema, com aportes de origens diversas; renegociar o vale-transporte para torná-lo fonte de recursos para financiar o sistema como um todo e lutar no âmbito federal para tornar concreto o direito social ao transporte, previsto na Constituição; • Auditar e renegociar os contratos existentes de modo a viabilizar a implantação da Tarifa Zero. Enquanto isso, avançar numa política tarifária que seja cada vez mais subsidiada e menos reguladora da demanda pelo sistema; • Dispor de estrutura e procedimentos para auditar com transparência e independência os contratos do sistema de transporte por ônibus. O modelo atual favoreceu as empresas em detrimento dos interesses sociais, como, por exemplo, na forma de remuneração por “produtividade”, que é, na realidade, por maior lotação nos veículos;

(V) https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1303687-empresario-domina-onibus-de-sp-mas-acumula-dividas-e-falencias.shtml

(VI) https://diariodotransporte.com.br/2020/08/21/subsidios-a-onibus-podem-chegar-a-r-4-bilhoes-em-sao-paulo-e-conselheiro-do-tcm-pede-revisao-de-formula-de-remuneracao-das-viacoes/

(VII) https://diariodotransporte.com.br/2015/12/13/memoria-os-sucessos-e-fracassos-da-municipalizacao-dos-onibus-em-sao-paulo/#:~:text=Quando%20se%20discute%20tarifa%20de,1%C2%AA%20de%20janeiro%20de%201989

(VIII) https://mobilidade.estadao.com.br/meios-de-transporte/onibus/desafios-do-transporte-por-onibus-em-sao-paulo/

(XIX) https://folha-online.jusbrasil.com.br/noticias/3124560/ha-20-anos-termina-greve-de-motoristas-e-cobradores-de-onibus-em-sp