O governo de Hugo Chávez avança nas medidas autoritárias na Venezuela
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A cassação da RCTV na Venezuela gerou um amplo debate na esquerda internacional. A tendência inicial foi de simpatia à medida do presidente Hugo Chávez, vista como caminho para atacar o monopólio dos meios de comunicação. Afinal, que ativista não odeia as “Redes Globo” da vida?

Alguns ativistas se perguntam: “o programa socialista para os meios de comunicação não é a expropriação? Então Chávez não estaria dando um ‘passo’ no caminho do programa socialista?”.

A declaração da Liga Internacional dos Trabalhadores, que reproduzimos nas páginas 10 e 11, responde a esses questionamentos. Aqui queremos destacar dois argumentos relacionados a dúvidas da vanguarda devido ao discurso demagógico de Chávez e ao apoio geral da esquerda a suas medidas.

Primeiro, a socialização dos meios de produção não se realiza mediante o acúmulo de medidas que vão caminhando lentamente para o socialismo. Se levássemos este raciocínio até o fim, diríamos que a social-democracia está correta ao propor as reformas graduais como caminho para o socialismo. Não seria necessário então tomar o poder para construir o Estado operário e chegar ao socialismo.

O que define a natureza do Estado não é a propriedade dos meios de comunicação, mas que classe controla as instituições decisivas e detém a propriedade dos recursos fundamentais da economia. Na Venezuela (e esta é a raiz do equívoco da esquerda), o Estado continua sendo burguês e semicolonial.

Apesar do discurso chavista, não existe “transição para o socialismo”. Por isso, a todo momento, Chávez reafirma seu conceito de “propriedade mista”. Também por isso, os monopólios estrangeiros e nacionais continuam lucrando muito e tranqüilamente, como os grupos Polar e Cisneros, as transnacionais petroleiras e automobilísticas e os grandes bancos.

Pela mesma razão, o partido de Chávez, o PSUV, está repleto de empresários, chamados sem nenhum escrúpulo de “empresários socialistas”! Seriam estas pessoas suicidas por entrar em um partido que iria expropriá-las e construir o socialismo?

Em segundo lugar, em relação a qualquer proposta para os meios de comunicação, o fundamental é partir da definição de classe do Estado, regime e governo, a partir de uma análise concreta de sua política. No caso da Venezuela, o movimento de Chávez não é para barrar nenhuma marcha golpista, como ele afirma. Em 2002, quando esta tarefa esteve colocada na ordem do dia, ele não fez isso.

Agora a situação é outra. Chávez está preparando o terreno para poder calar a organização da própria classe trabalhadora, suas lutas e críticas, ou seja, quer aumentar o controle do regime sobre a população. Diante disso, o essencial para os trabalhadores quanto aos meios de comunicação é garantir a liberdade de expressão em vez de fortalecer os mecanismos de coerção do governo.

Ao mesmo tempo, o presidente venezuelano abriu uma crescente ofensiva contra a autonomia dos movimentos de massas. Por isso diz abertamente que, quem não entrar e obedecer a seu partido será considerado “contra-revolucionário”. No PSUV, ele já avisou, não haverá espaço para a autonomia sindical. Uma única orientação será imposta aos sindicalistas e, naturalmente, será a de quem manda no partido, o governo Chávez.

Não por acaso já estão ocorrendo manifestações e lutas da classe trabalhadora por seus direitos. E estas têm sido atacadas pelos governos estaduais e federal.

Por exemplo, os trabalhadores da Sanitários Maracay, uma fábrica ocupada, realizaram uma marcha que foi reprimida pela polícia. Em seguida, os trabalhadores do estado de Aragua, onde fica a fábrica – a partir de um chamado da UNT (nova central sindical) regional –, fizeram um dia de greve de solidariedade aos companheiros da ocupação. Três mil ativistas garantiram a paralisação. Frente a isso, as correntes chavistas começaram a atacar a manifestação como “reacionária”.

As televisões privadas – como a de Cisneros, que fez um acordo com Chávez – e as públicas, já sob o controle do governo, não divulgaram essas ações do ponto de vista dos trabalhadores, nem denunciaram a ação repressiva da polícia. Afinal de contas, elas estão a serviço do governo burguês e não da classe trabalhadora.

O Estado operário e a liberdade de imprensa
Se o Estado fosse operário, a classe trabalhadora deveria impor a expropriação dos meios de comunicação, mas não a serviço de uma única voz, a do governo, ainda que fosse revolucionário. Deveria ser dada toda garantia a quem quisesse se expressar livremente, ou seja, às distintas opiniões das diferentes correntes dos trabalhadores e, inclusive, às correntes burguesas, desde que não estivessem em armas contra o Estado proletário.

A grande diferença é que essa participação não seria baseada no poder do capital, que teria sido expropriado, mas sim no peso que cada corrente tivesse na sociedade.

Por isso, vale lembrar o texto de Trotsky: “as verdadeiras tarefas do Estado operário residem não em colocar uma mordaça policial sobre a opinião pública, mas ao contrário, em libertá-la do jugo do capital. Isso só pode ser feito colocando os meios de produção, incluindo a produção da informação pública, nas mãos de toda a sociedade. Dado esse passo socialista fundamental, todas as correntes de opinião pública que não tenham se levantado em armas contra a ditadura do proletariado devem ter a oportunidade de expressar-se livremente”.

Não podemos esquecer que, nos Estados operários onde as ditaduras burocráticas tomaram o controle do poder – como a URSS de Stálin e a China de Mao –, foi imposta a mais absoluta censura e havia apenas uma fonte de informação pública, a dos meios oficiais.

Por isso, como defendia a Oposição de Esquerda dirigida por Trotsky, a luta contra essa burocracia e a defesa das conquistas da revolução passariam necessariamente pela exigência de ampla liberdade de expressão e imprensa.

Com mais motivos ainda, num Estado burguês a classe trabalhadora deve exigir a mais ampla liberdade de expressão e não se somar às medidas bonapartistas de um governo burguês, ainda que este faça uso de um discurso socialista para disfarçar seu caráter de classe.

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