Muitos ativistas honestos apóiam Chávez e acreditam em seu projeto do “socialismo do século 21”. Com suas declarações contra Bush, o presidente venezuelano ocupa um espaço político importante na América Latina, diante da capitulação aberta de Lula ao governo dos EUA.

Mas Hugo Chávez caminha verdadeiramente para o socialismo do século 21? A Venezuela é de fato um país independente, livre da dominação do imperialista? Ou estamos assistindo apenas a uma repetição do nacionalismo burguês em nosso continente?

Na edição 292 do Opinião Socialista, pretendemos responder essas questões a partir da analise dos fatos da realidade venezuelana. Tomamos três critérios fundamentais para discutir este tema: qual é a estratégia socialista na economia, que tipo de poder defendemos e a libertação do imperialismo como passo fundamental para avançar para o socialismo.

Chávez associou a construção do socialismo do século 21 às nacionalizações ocorridas, como as da Compañia Anó¬nima Nacional de Teléfonos de Venezuela (CANTV), controlada pela norte-americana Versíon, e da Empresa de Electricidad de Caracas (EDC), controlada pela AES.

Essas nacionalizações foram recebidas com simpatia pelos venezuelanos e pelos povos latino-americanos, evidenciado o desgaste dos muitos anos de privatizações levados a cabo pelo imperialismo e pelos governos subservientes de plantão. Temos muitas críticas à forma como foram feitas essas nacionalizações, mas reconhecemos que mudam a propriedade dessas empresas paras as mãos do estado. No entanto, isso não tem nada a ver com o socialismo.

A presença do Estado na economia não é nenhuma novidade dentro do capitalismo. A associação entre o Estado burguês e empresas privadas ou a tomada de controle pelo Estado de algum setor da economia já ocorreram inúmeras vezes na história. Se trabalharmos com esse critério, deveríamos dizer também que existiam “elementos socialistas” na economia brasileira sob os governos da ditadura militar. Na época, o Estado controlava importantes ramos da produção (monopólio da extração do petróleo, mineração, energia, controle da principal indústria siderúrgica do país, etc.). Quem criou a PDVSA, a estatal do petróleo venezue¬lano, foi exatamente o governo de direita de Carlos André Perez, contra o qual Chávez tentou um golpe militar em 92.

Uma economia socialista pressupõe a expropriação da burguesia, a sua planificação e a criação do monopólio estatal do comércio exterior. Só assim é possível suprimir a busca do lucro por parte da burguesia, força motriz da produção capitalista, e organizar a economia para satisfazer as necessidades dos trabalhadores.

A continuidade do domínio das grandes empresas privadas sobre a economia e seu funcionamento com base no mercado são características da economia capitalista. Isso não depende, portanto, da nacionalização ou não de algumas empresas, que é o que está ocorrendo na Venezuela.

As nacionalizações de Chávez demonstram que esse governo quer negociar em melhores condições com o imperialismo do que os governos anteriores. Mas não tem nada a ver com o socialismo, e sim com o nacionalismo burguês, que já ocorreu diversas vezes na América Latina (Perón, na Argentina; Velasco A¬lva¬rado, no Peru), sem¬pre com re¬sultados desastrosos.

Nacionalizações em acordo com as multinacionais
As nacionalizações no setor elétrico e telefônico na Vene¬zuela geraram muitas expectativas e mostraram sua viabilidade em outros países. No entanto, as nacionalizações não representam nenhum passo em direção do socialismo.

A empresa telefônica CANTV foi uma estatal até 1991, quando foi privatizada. Quem a comprou foi a norte-americana Verizon Comumi¬cations Inc. Imediatamente houve uma redução drástica do quadro de funcionários e cerca de oito mil trabalhadores foram aposentados. Entretanto, segundo as leis venezue¬lanas, o benefício a ser pago não poderia ser menor do que um sa¬lário mínimo. Como não cumpriu a lei, os aposentados foram à Justiça contra a empresa.

Por outro lado, ações da CANTV foram vendidas nas bolsas de Nova York e se converteram em uma forma “legal” de remeter divisas do país e também num virtual mercado negro. Por todos esses motivos, o governo poderia muito bem ter expropriado a empresa, sem pagar nenhuma indenização. Mas não foi o que aconteceu.

A Verizon lançou um plano de reestruturação e, como parte dele, colocou à venda as ações da CANTV. O multi¬mi¬lionário mexicano Carlos Slim foi o principal interessado em compará-la. No entanto, foi o governo Chávez que adquiriu a empresa pagando US$ 572 milhões, cerca de US$ 100 a menos do que ofereceu Slim.

Ou seja, não houve nenhuma “expropriação revolucionária”, mas sim um compra normal das ações da Verizón que estavam à venda, algo totalmente normal no mundo dos negócios capitalistas.

Chávez conseguiu comprar a empresa por um preço mais baixo porque a dívida da Verizón com os aposentados foi assumida pelo Estado. Além disso, garantiu a completa impunidade para os seus diretores. O memorando de entendimento entre Verizon e o Estado Venezuelano diz que o governo “não aplicará nenhuma reclamação que surjam das operações da CANTV na medida que qualquer diretor, funcionários (…) da Verizon (…) tenha atuado de forma manifestadamente negligente, que tenha cometido um ato ilícito intencional ou fraude”.

Na companhia elétrica EDC, por sua vez, o estado pagou US$ 730 milhões. Os jornais dizem que “a operação não causou maiores controvérsias com a firma norte-americana”. As nacionalizações na Venezuela não assustaram nem um dos principais organismos do imperialismo, o Banco Mundial. Seu secretário geral disse que as nacionalizações “foram bem realizadas” e que, portanto, não são motivo para desconfiança (Reporte Economía).

No momento, está se discutindo a nacionalização das empresas da faixa petroleira de Orinoco. É muito provável que nelas se repita o mesmo tipo de negócio feito na CANTV e EDC.

Embora contenham elementos progressistas, as nacionalizações não levam a uma ruptura com o imperialismo. Na verdade, são realizadas em acordo com as multinacionais. Tampouco representam um passo em “direção ao socialismo”.

Se pretendesse seguir esse caminho, Chávez deveria expropriar as empresas sem nenhuma indenização. Também deveria estender as nacionalizações a outros setores da economia, como na aérea petrolífera. Por fim, as empresas nacionalizadas deveriam passar ao controle dos seus trabalhadores e a suas organizações.
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