Entre os dias 27 e 29 de março foram realizadas as eleições para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade de São Paulo (USP).

Este processo eleitoral, que registrou uma participação histórica de 13.134 votantes (superando em 70% a participação nas últimas eleições), foi marcado por uma situação política de grande polarização entre dois projetos opostos para a universidade. Por um lado, o atual reitor, João Grandino Rodas, servo fiel do governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin do PSDB, partido de direita, que pretende impor um plano de privatização-elitização da USP através de uma política de perseguição e repressão-militarização contra os setores organizados dos estudantes e dos trabalhadores. Nesta linha, em setembro de 2011, Rodas firmou um convênio que permitiu a presença permanente da Polícia Militar (PM) dentro da USP. Por outro lado, enfrentando estes planos e medidas, está o movimento estudantil e social, que defende decididamente a histórica bandeira da educação pública, gratuita, universal, democrática e de qualidade.

Este processo político na USP, do qual as recentes eleições para o DCE foram parte expressiva, merece o interesse do conjunto do movimento estudantil e da esquerda internacional. Não apenas porque a USP é a maior universidade do Brasil e da América Latina, mas, centralmente, porque no marco do enfrentamento violento que ali se desenvolve, surgem e intervêm, dentro do movimento estudantil, as mais diversas correntes políticas, em um amplo leque que vai desde a extrema direita até a extrema-esquerda.

Neste sentido, as eleições estudantis puseram à prova esta variedade de organizações, com suas respectivas estratégias e métodos políticos. E, como em todo processo político, tivemos vencedores e vencidos.

Os números das eleições
Primeiro, os competidores políticos e seus resultados. A vitória foi para a chapa “Não vou me adaptar!” composta por militantes do PSTU, do MES e do CSOL (correntes internas do PSOL), com 6964 votos (53%). O segundo lugar ficou para a chapa “Reação”, que responde ao PSDB, com 2660 votos (20%). Na terceira posição ficou a chapa “Universidade em Movimento”, impulsionada pela APS (corrente majoritária do PSOL); junto com a governista Consulta Popular e o stalinista PCR, com 2579 votos (19%). O quarto lugar ficou para a chapa 27 de Outubro, integrada por militantes da LER-QI, PCO, POR, Praxis e setores anarquistas, que conseguiu coletar 503 votos (4%). Em último lugar ficaram os governistas do PT e do PCdoB, que atuaram pela chapa “Quem vem com tudo não cansa”, com 254 votos (2%).

Uma vitória política do movimento estudantil
O principal vencedor desta eleição é, sem sombra de dúvida, o movimento estudantil brasileiro, que impôs uma importante derrota política ao nefasto projeto privatizante, elitista e repressor impulsionado por Rodas, pelo PSDB e pelos poderosos meios de comunicação da burguesia.

O reitor Rodas e o PSDB de Alckmin competiram diretamente nestas eleições através da chapa “Reação”. Esta chapa, apesar de sua provada relação com o PSDB, apresentou-se como uma chapa “apartidária”, apoiando-se naqueles setores mais conservadores e elitistas dos estudantes, desenvolvendo um discurso claramente contrário às mobilizações e lutas dos estudantes (o lema de sua campanha era “Pelos estudantes, contra a greve”), ao mesmo tempo em que expressavam apoio aberto à totalidade da política de Rodas, incluindo a presença da PM dentro da USP.

O surgimento da chapa de direita foi parte da ofensiva que Rodas-PSDB estão levando adiante na USP. Apesar dos ataques à gratuidade, à autonomia e às liberdades democráticas na USP sempre terem existido, com maior ou menor força, desde o segundo semestre de 2011 se configura uma grande ofensiva com o objetivo de desmantelar e impor uma derrota histórica ao movimento estudantil e aos demais setores organizados da universidade.

Rodas e o PSDB entendem que, para poder entregar a USP nas mãos do setor privado e colocar a universidade inteiramente a serviço das multinacionais, precisam desmoralizar e derrotar o movimento estudantil e os setores sindicais combativos. Isto explica que, entre outros fatos, atualmente existam 73 companheiras e companheiros inicialmente presos e agora processados judicialmente devido à desocupação brutal de uma ocupação estudantil, executado por um efetivo de mais de 400 policiais dentro do prédio da universidade (novembro de 2011). Em outra invasão da PM, efetuada em pleno feriado de carnaval para desalojar a ocupação de um andar do Conjunto Residencial da USP (CRUSP), conhecida como a “moradia retomada”, 12 pessoas foram presas, entre elas uma menor de idade e uma companheira grávida (fevereiro de 2012). Outros 6 companheiros foram expulsos (dezembro de 2011) por participar da mesma ocupação. No contexto de uma situação de perseguição, atualmente existem 26 estudantes, além de vários professores e dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP), que passam por processos administrativos internos devido à atividades relacionadas com as lutas.

Outro ataque frontal ao movimento estudantil foi o episódio de um policial ter apontado uma arma de fogo no rosto de um estudante negro no próprio prédio do DCE (janeiro de 2012). Neste cenário, de restrição das mais elementares liberdades democráticas na USP, consolida-se o acordo entre Rodas e a PM, sendo nomeado recentemente um ex-coronel desta instituição repressora como chefe de segurança da USP.

No marco de um ataque generalizado, era impossível que o controle do DCE não estivesse nas aspirações de Rodas-PSDB. Foi entendendo o processo global e este último em particular, que se conformou uma ampla unidade de setores de esquerda, materializada na chapa “Não vou me adaptar!”. O centro programático desta chapa foi a defesa, na USP, de uma universidade pública, gratuita, autônoma e democrática. A chapa vencedora foi apoiada, por compartilhar seus objetivos políticos, pela ANEL e por outras organizações estudantis de diferentes estados do Brasil.

Esta unidade foi determinante para uma contundente vitória contra Rodas, onde 80% dos estudantes que participaram rechaçaram sua chapa. Foi determinante conformar e fortalecer nas bases, com uma tremenda e incansável campanha militante que percorreu toda a USP, um polo de atração contra Rodas-PSDB-PM, para manter o DCE como um instrumento democrático para a luta dos estudantes, independente da reitoria e do governo.

A derrota do governismo
Infelizmente, nem todos os setores que se reivindicam de esquerda ou, como mínimo, que diziam se opor à Rodas, compreenderam a importância da unidade de enfrentá-lo. Os estudantes, que queriam acertar as contas com o reitor e seus planos, também acertaram contas com estes setores.

A chapa do PT e do PCdoB, completamente ligada ao governo Dilma e à política governista da UNE, tiveram uma votação ínfima. A Consulta Popular, movimento político vinculado ao MST, em aliança com a APS [1], corrente majoritária na direção do PSOL, e o stalinista PCR [2], através da chapa “Universidade em Movimento”, centraram seus ataques com um discurso similar ao da chapa “Reação” no que se refere ao apartidarismo, contra a chapa “Não vou me adaptar!”. Sua política priorizou criticar o suposto autoritarismo do movimento estudantil, relegando a questão central de combater a reitoria e a chapa “Reação”, apresentando um programa que era quase uma “versão crítica” do programa da direita.

Certamente, se estes setores tivessem centrado forças em torno do combate contra a chapa do reitor, a derrota da direita poderia ter sido ainda mais estrondosa, por mais de 10 mil votos, desmoralizando-a e dificultando em muito sua eventual recomposição.

Os generais sem exército
Menção à parte merecem os setores da ultra-esquerda. Demonstrando que se importam apenas em construir seus pequenos grupos, sem muito interesse pela sorte do movimento estudantil de conjunto, que está enfrentando uma ofensiva que tinha uma expressão concreta nestas eleições, a LER-QI (ligada ao PTS argentino), o PCO (no passado ligado ao Partido Obrero da Argentina) e o grupo Praxis (ligado ao Novo MAS argentino), montaram uma chapa composta, segundo eles mesmos, pelos setores mais “combativos”, por aqueles que “estiveram à frente das ocupações”.

Como para estes grupos o principal é sua autoconstrução, captando um ou dois dentro de um setor da vanguarda, ou parasitando outros partidos de esquerda, pouco importava se a chapa de Rodas e do PSDB triunfaria, pois o central era se diferenciar a qualquer custo do PSTU e se apresentar como os mais “radicais”. Sua política, então, esteve dirigida a uma reduzida vanguarda, à qual eles denominavam de “ala revolucionária” do movimento (como bem orienta a teoria da “democracia dos que lutam” que o PTS argentino levanta) e não a setores mais amplos dos estudantes. E assim foi. Os estudantes os colocaram em seu lugar e, ao final das eleições, tiveram apenas 503 votos para contar.

Mas chegou o momento de dar alguma explicação, de fazer um balanço desta política frente ao movimento estudantil e à esquerda. Tarefa amarga para nossos generais, pois a realidade retribuiu sua política com uma derrota. Por isso, longe de reconhecer sua responsabilidade na divisão da esquerda e o rechaço dos estudantes à sua política e métodos, a ultraesquerda se enrola em insensatas teorias para se justificar. É lamentável, pois os fatos obrigam a concordar que dificilmente poderíamos esperar uma atitude mais honesta.

A primeira destas ideologias justificativas é que, supostamente, o perigo de um triunfo da direita não era real, e que o PSTU e seus aliados haviam utilizado o “fortalecimento da direita” para, de forma oportunista, canalizar votos para sua chapa. A LER-QI disse a esse respeito: “A campanha eleitoral foi marcada por um esforço do PSOL e do PSTU para supervalorizar a possibilidade e as consequências de uma vitória da direita nas eleições (…)” [3]. Em consequência, agora a LER-QI denuncia a “mentira do voto útil”. O PCO, no mesmo sentido, afirma que “o fantasma da direita é usado pela burocracia estudantil (sic) como um argumento a mais para frear a luta estudantil” [4].

Uma vez que sua chapa foi derrotada tão contundentemente pela chapa unitária, é fácil e irresponsável afirmar que a direita, ao mando de Rodas, não tinha peso ou possibilidades reais de ganhar o DCE. A verdade é que ninguém, a não ser aqueles que a todo custo se negam a reconhecer o enorme acerto que significou uma política de unidade da esquerda contra a chapa de direita, pode negar que toda a ofensiva ideológica de Rodas e da imprensa burguesa paulista criou condições muito favoráveis para o avanço e fortalecimento da direita dentro do movimento estudantil.

Uma vitória da direita, se não tivesse existido uma oposição unida como a impulsionada pelo PSTU, era completamente possível, o que seria uma derrota duríssima do movimento. É necessário considerar que, em situação diferente da que atravessa a USP, a direita triunfou eleitoralmente em outras importantes universidades como as de Brasília, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, convertendo-se em um obstáculo sério para o desenvolvimento da luta estudantil. Se isto tivesse acontecido na USP, pelo seu peso político, seria ainda pior, pois a direita estaria em condições de estender seu alcance nacional e se fortalecer em um nível superior, conspirando contra o processo de reorganização do movimento estudantil brasileiro em seu conjunto.

O fato de que a direita foi derrotada na USP, não prova que é um setor insignificante. Prova que houve uma política correta, de unidade dos setores majoritários da esquerda, que a enfrentou consequentemente, sem poupar esforços. A chapa “Reação”, com seus 2660 votos ganhos quase sem fazer campanha, obteve o segundo lugar e teve a mesma quantidade de votos que, em anos anteriores, permitiram a vitória de muitas chapas [5]. A questão não é que a direita teve “poucos votos”, a questão é que devido ao acerto político de unidade da esquerda a alternativa contra Rodas se fortaleceu muito.

A política da ultraesquerda, objetivamente, acabou fazendo coro com a Consulta Popular, a APS, o PT e o PCdoB, favorecendo Alckmin e Rodas no sentido de debilitar uma alternativa unificada para esmagar a chapa do PSDB. Apenas o Movimento Negação da Negação (MNN), dentro do campo da ultraesquerda, compreendeu a necessidade de não dividir a esquerda nesta conjuntura tão difícil e rompeu com a chapa “27 de outubro” para chamar o voto para a chapa “Não vou me adaptar!”, sob a consigna de “Esmaguemos a chapa de Rodas”. Esta posição correta valeu ao MNN a acusação de “traição” por parte de seus tradicionais aliados.

Este argumento da ultraesquerda, que minimiza o perigo da direita, vai contra um dos eixos de sua própria campanha “Pelo fim da ditadura de ontem e de hoje”. Se a caracterização destes setores é que na USP se instalou uma ditadura, passa a existir ainda mais motivos para impulsionar uma frente que articule a maior quantidade de forças contra esse regime reacionário. Contudo, em gritante demonstração de incoerência, enquanto colavam cartazes contra a ditadura e com o rosto de Alexandre Vannuchi Leme, líder estudantil da USP, assassinado em 1973 pela ditadura militar, fracionavam o polo contra a direita para montar sua própria chapa. O PSTU, pelo contrário e apesar das diferenças que tem com o MES, impulsionou uma frente única com a esquerda para enfrentar Rodas.

Como seu resultado eleitoral é vergonhoso (4% do total geral e 7,2% do total de votos que teve a chapa vencedora) eles passam a questionar o próprio sistema eleitoral como um todo. É assim que, fazendo acrobacias teórico-políticas, procuram equiparar as eleições burguesas com as eleições sindicais, neste caso de um DCE. Dizem então, que “a votação, ao melhor estilo brasileiro, nada tem a ver com a realidade” [6]. Contudo, poucos parágrafos depois, quando falam de seus votos, dizem que estes refletem “a realidade política mais importante na USP neste momento” [7]. Quer dizer, quando se referem aos votos alheios, todo o processo eleitoral não tem nada a ver com a realidade, mas quando analisam os votos que sua chapa recebeu (4% do total), estes sim expressariam “a realidade política mais importante na USP”. Primeiramente, a ideia de que as eleições não têm relação com a realidade é equivocada. Inclusive as eleições burguesas, ainda que de forma distorcida, expressam a realidade política. Muito mais equivocado é afirmar isto no caso de uma eleição para um organismo sindical de luta. Mas, mesmo descontando essas questões, se é verdade que as eleições não expressam nada da realidade, se nunca passou de uma “farsa”, para que então se apresentar em tão irrelevante processo?

Desta forma, para explicar seus magros 4%, os que “estiveram a frente das ocupações” e se consideram a vanguarda do movimento estudantil, se veem obrigados a recorrer a argumentos que, além de contraditórios, beiram o delírio.

A LER-QI, contudo, opina que os 4% de sua chapa constitui uma “votação expressiva” que “não foi muito maior apenas em função da campanha pelo ‘voto útil’, levada adiante pelo PSOL, PSTU e MNN, debilitando a expressão dos setores mais radicalizados dos estudantes” [8]. Em outras palavras, a culpa pelo insignificante resultado da ultraesquerda não seria de sua política e seus métodos (conhecidos pelos estudantes), mas daqueles que estavam chamando a enfrentar unificadamente a chapa da direita reacionária. E, quando não, para o ultraesquerdismo pequeno burguês, sempre se pode jogar a culpa nas massas atrasadas, incapazes de compreender a mensagem de dirigentes que irradiam tanta luz política, pois “a maior parte do ‘eleitorado’ que comparece às urnas, é arrastado para lá sem saber absolutamente nada das eleições” [9].

Até se pode entender como é difícil aceitar uma surra política tão dura como a que recebeu a chapa da ultraesquerda, o que não é aceitável é o método de distorção dos fatos no afã de não reconhecer a clara mensagem de rechaço que lhes deram os estudantes. Isso não tem nada a ver com a atitude de socialistas revolucionários.

Em melhores condições para continuar lutando
As eleições do DCE da USP se deram no marco de uma luta em curso, uma luta contra os planos do reitor Rodas e do PSDB de privatizar a universidade através de uma política repressora e de cerceamento das liberdades democráticas.

O resultado das eleições, onde a chapa montada por Rodas foi derrotada, sem dúvidas fortalece o movimento estudantil nessa universidade e em todo o Brasil. Este triunfo também é uma vitória política de todo o movimento estudantil latino americano.

Mantendo o DCE como instrumento de luta e não como apêndice do reitorado, o movimento estudantil está em melhores condições para continuar a luta contra a ofensiva de Rodas-PSDB e em defesa da democracia e autonomia da USP, onde um ponto central é a expulsão da PM da universidade.

Para conseguir essa vitória, demonstrou-se acertada e determinante uma política de frente única dos setores de esquerda para enfrentar a chapa da direita. Como expressão da luta contra o reitor e a PM, nas eleições se generalizou um amplo sentimento e movimento que se expressou em uma chapa unificada. A outra política, aplicada pelos setores governistas e a ultraesquerda, de dividir o movimento e atacar o progressista processo unitário foi amplamente rechaçada pela base estudantil. É preciso seguir apostando na unidade para continuar a mobilização até a derrota final de Rodas e a expulsão da PM na USP.

[1] Ação Popular Socialista, liderada por Ivan Valente.
[2] Partido Comunista Revolucionário. Em seu site, entre outros, pode-se ler um artigo intitulado: “Stalin, o pai dos povos” (http://pcrbrasil.org/stalin/)
[3] Gilga, Bruno: “Mais de 500 estudantes votam na ’27 de outubro’, que fez uma grande campanha militante.” Publicado no dia 03/04/2012, no site da LER-QI
[4] “Eleições de entidades versus luta do movimento estudantil”, publicado no dia 03/04/2012 no site do PCO.
[5] Em 2005, a chapa “Educação pela Pedra”, foi eleita com 2731 votos, e a chapa “Para transformar o tédio em melodia”, em 2009, ganhou as eleições com 2500 votos.
[6] “O que significa o resultado da eleição para o DCE”, publicado no dia 02/04/2012 no site do PCO.
[7] Idem.
[8] Gilga, Bruno, citado acima.
[9] “O que significa o resultado da eleição para o DCE”, publicado no dia 02/04/2012 no site do PCO.

Tradução: Cynthia Rezende