Brasília- DF. 19-06-2019- Ministro da Justiça Sergio Moro durante depoimento na CCJ dp senado. Foto Lula Marques
Mariucha Fontana

Mariucha Fontana

As publicações pelo site The Intercept das mensagens privadas trocadas entre procuradores da Lava Jato, entre eles Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça do governo Bolsonaro – revelam que a Força Tarefa da Lava Jato também é corrupta. Quer dizer, sua seletividade não respondia apenas (o que já é muito) a uma parcialidade por mera omissão. Ao contrário, era deliberada, discutida e definida em conluio entre juiz e acusadores.

Pelo Telegram (que eles consideravam mais “seguro” que o Whatsapp), foram trocadas figurinhas valiosas entre Moro e Dallagnol. O juiz chegou a orientar tanto a busca de provas da acusação, em relação aos processos contra Lula e o PT, como também sobre poupar de investigação outros suspeitos, como foi o caso de FHC e seu PSDB. Escolheram, assim, seus bandidos de estimação. Escolheram, por exemplo, investigar as empreiteiras e não investigar os bancos, segundo as conversas entre eles, para evitar uma crise sistêmica, quer dizer, para não abalar o sistema capitalista. Decidiram impedir delação premiada de Eduardo Cunha, para evitar botar abaixo o andar de cima inteiro, levando bancos, juízes, protegidos e sabe-se lá quem tanto na lama. Poupado foi também o atual ministro da economia Paulo Guedes, que, aliás, foi elo de ligação entre Moro e Bolsonaro.  Não bastasse, procuradores e juiz passaram a dar palestras remuneradas a empresários e banqueiros, se beneficiando da fama. Sendo que o procurador Dallagnol já deu palestra a empresária cujo nome havia surgido nas investigações da Lava Jato. Ora, por que empresários, banqueiros, associações comerciais vão pagar milhares de reais por palestras de procuradores ou juízes?

Enfim, a bandeira do combate à corrupção, bandeira democrática exigida e apoiada massivamente pela população, foi usada pelos principais nomes da Lava Jato em conluio com o juiz Sérgio Moro para fins seletivos de disputa política e inclusive enriquecimento ilícito (ilícito porque imoral, e corrupto). Vem à luz, então, que a Lava Jato e Sérgio Moro tinham muitos bandidos de estimação.

Sérgio Moro, aliás, – independente das informações da Vaza Jato -, ao aceitar ser ministro da Justiça de um governo autoritário, que defende ditadura, torturadores e milicianos, comandado por um tipo como Bolsonaro e seus filhos, colocou em questão qualquer possível aura de imparcialidade que ele dizia ter. Como pode ser imparcial e contra a corrupção, se aceitou entrar em um governo autoritário, que defende ditadura, tenta acabar com liberdades democráticas e que tem indícios de corrupção envolvendo organizações criminosas mafiosas armadas, como são as milícias?

Os fatos trazidos à tona pelo Intercept não dizem nada sobre a inocência de Lula, mas mostram que as investigações e o julgamento a que ele foi submetido não foi imparcial, e isto lhe dá direito a outro julgamento.

Nós que somos a favor da prisão de TODOS os corruptos e corruptores, além do confisco dos seus bens e da expropriação e estatização das suas empresas, colocando-as sob controle dos trabalhadores, sempre dissemos que não podíamos confiar na Lava Jato e na justiça burguesa. Que não deveria haver a menor confiança de que investigariam todo mundo.  Pois, a reivindicação meramente democrática de combate à corrupção, nem mesmo formalmente consegue ser levada à cabo de maneira ampla nos limites do capitalismo.

Mas, neste caso, o que está vindo à tona é ainda pior que isso. Porque, além de parcial, incompleta e seletiva, a Lava Jato teve uma atuação corrupta. Usou o combate para fins de disputa política, deixando deliberadamente a grande a maioria dos corruptos sob proteção. Já o juiz que ficou famoso com a operação, entrou alegremente num governo não só corrupto, como autoritário. Governo esse, aliás, que, além de tentar intimidar e perseguir jornalistas, como Glenn Greenwald do site Intercept, vai atuar para garantir completa impunidade e acabar com qualquer possibilidade de investigação contra os seus. Por isso, vai aparelhar e tentar acabar com qualquer independência do Ministério Público Federal (MPF), assim como vai intervir na Receita e na Polícia Federal para impedir que prospere qualquer investigação sobre seus filhos, sua esposa, sua família e as evidências de relação com as milícias.

A outra cara da moeda é a impunidade
O correto combate contra a seletividade, o uso para fins de perseguição política e os caminhos corruptos adotados pela Lava Jato não é feito, porém, de maneira a buscar justiça. Pelo contrário, o que se busca, a começar pelo presidente Bolsonaro e o Executivo é impedir que exista investigação sobre seus filhos e sua família. Da mesma forma, a maioria do Congresso (incluindo a oposição e o PT) e o STF buscam impunidade.

Ou seja, todos estes setores não agem para prevenir, impedir e punir ações corruptas, antidemocráticas e ilegais como as da Lava Jato e Moro, e ao mesmo tempo garantir efetivamente combate à corrupção, investigação e julgamento imparcial e justo para botar todos os corruptos e corruptores na prisão.

Tanto é assim, que o controle a Procuradoria Geral da República e por tabela do MPF, da Receita Federal e da Polícia Federal por amigos de Jair Bolsonaro e seus filhos, não é uma escolha dissociada dos movimentos de Bolsonaro para impedir as investigações sobre Queiroz, Flávio Bolsonaro e Carlos Bolsonaro por corrupção e especialmente suas relações com as milícias.

Nesse esforço em prol da impunidade, que um articulista da grande imprensa chamou de Abafa Jato, estão unidos alhos e bugalhos. Quer dizer, há, ainda que de maneira informal, uma Frente Ampla jamais vista, que vai de Bolsonaro ao PT.

Este é o país que tem um processo de encarceramento em massa para pobres e negros. Mais de 600 mil presos, dos quais mais de 40% têm prisão preventiva. Presos provisórios, sem julgamento, trancados em masmorras, muitas controladas pelo tráfico. Tem também um verdadeiro genocídio da juventude pobre e negra da periferia. Para não falar de tortura, como a que praticou o supermercado Ricoy, contra um adolescente que teria roubado uma barra de chocolate.

Este é o mesmo país em que ricos e poderosos nunca vão para a cadeia. Daí o apoio e a compreensível ilusão da maioria do povo, de que poderia haver justiça. Mas, o que se viu e o que estamos vendo não é sequer o combate parcial, provisório, desvirtuado e como rara exceção à corrupção. Estamos vendo dois blocos burgueses enfrentados, usando de corrupção. Sendo que os que pareciam ser símbolos independentes do combate à corrupção, começaram a ficar inteiramente nus ao entrar em um governo, que além de corrupto é autoritário, e ao vir à luz seus papos pelo Telegram.

Curitiba- PR- Brasil- 24/10/2016- O o juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, durante sessão especial na Assembléia Legislativa do Paraná (ALEP). Foto: Pedro de Oliveira/ ALEP

Os socialistas defendem a luta contra a corrupção, como qualquer outra bandeira democrática
Precisa ser rechaçado o argumento de Sergio Moro e de Deltan Dallagnol de que todos os que condenam suas ações e métodos seletivos e corruptos são favoráveis à corrupção. Da mesma maneira, devem ser rechaçados os argumentos do PT de que o combate contra a corrupção é coisa de direita, como disse Lula na conversa com Temer transcrita das escutas da PF e divulgadas pela própria Vaza Jato. Um defende um combate seletivo à corrupção e a utilização de quaisquer métodos para tal. Livra conscientemente a maioria dos corruptos, manipula os processos, e de maneira hipócrita quer parecer honesto, para usufruir benesses políticas e inclusive financeiras. O outro minimiza a corrupção, defende a impunidade e quer fazer crer que combate à corrupção é coisa de direita. Ambos mostram realmente que esse reino de hipocrisia e formalidades onde se enfrentam esses argumentos, passa longe da justiça e da expectativa legítima e democrática dos trabalhadores e da maioria do povo de que os ladrões de colarinho branco sejam punidos.

O combate à corrupção, como todas as reivindicações democráticas, possui uma expressão política, jurídica, democrática, e outra econômico-social.

É impossível acabar com a corrupção sob o sistema capitalista. Ela é inerente às relações sociais de produção capitalistas, a esse sistema classista, desigual e injusto, onde um punhado de capitalistas, donos de meios de produção e exploradores, concorrem entre si no mercado, e exploram milhões de despossuídos, que só têm para vender sua força de trabalho.

Ainda mais na fase de decadência e crise do sistema capitalista no mundo em geral e no Brasil especificamente, o roubo e o assalto aos fundos públicos (às verbas do Estado, às empresas estatais etc.) é prática cotidiana dos grandes monopólios, que também se associam à uma grande burguesia lúmpen e mafiosa da “economia informal”. Daí que corromper políticos, juízes, polícias e todo o Estado é prática cotidiana (o Rio de Janeiro é só a cara mais visível disso). Sem que acabe esse sistema voltado para o lucro de um punhado de bilionários, em que o Estado e os sucessivos governos capitalistas operam beneficiando, ora mais ora menos, diferentes grupos que concorrem entre si, a corrupção não tem a menor possibilidade de terminar. Da mesma maneira que não é a corrupção apenas ou principalmente a mãe de todas as misérias. Ela é apenas a aparência, ou a forma como aparece e se expressa de modo mais visível a própria crise do sistema. Não quer dizer que essa aparência não seja real. Ela é real, mas é apenas parte do problema, e, ao ser unilateral, ela oculta o conteúdo total, as próprias relações de produção capitalista.

Mas isso não quer dizer que a exigência de que existam leis e atitudes que combatam política e juridicamente a corrupção, os corruptos e corruptores e toda impunidade, sejam desnecessárias. Pelo contrário, pois o combate a essa dimensão democrática, política, jurídica, a essa forma, ou a como aparece ou se expressa esse processo, é importante, inclusive para deixar mais nítida a luta contra o sistema capitalista em si.

Mas, ao fim e ao cabo, o que nos mostra tudo isso é que temos de um lado um setor da “justiça”, que em nome do combate a corrupção atacou um setor em proveito político e escondeu a maioria dos corruptos; e outro setor, que, também em nome de “justiça”, embora combatendo corretamente os métodos corruptos e autoritários da Lava Jato, defende a impunidade geral. A justiça burguesa então, por onde se olhe, é injustiça.

Nesse momento, em prol da impunidade, temos Bolsonaro na vanguarda, como aliado de praticamente todos os demais poderes, envolvendo situação e oposição.

Já o argumento do PT de que combate à corrupção é de direita, só demonstra o grau de transformação e adaptação ao sistema que esse partido sofreu. Antes ele negava a dimensão econômica e social da desigualdade, ou jogava esta dimensão para as calendas gregas, “outra etapa”, e prometia mudar o país através da “ética na política”, como a partir do Fora Collor em 1992. Depois que entrou no governo se esqueceu do discurso que fazia e passou a praticar os desvios que ele mesmo condenava, como se viu no Mensalão. Deu no que deu. Agora, diz oportunistamente que combate à corrupção é coisa de direita.

O significado real dos governos do PT e este tipo de argumento, expressa uma espécie de caminho que tomou toda uma esquerda que aderiu de armas e bagagens ao capitalismo e à democracia burguesa. Em alguns lugares resultou em coisas como Daniel Ortega na Nicarágua (o ex-líder da Frente Sandinista que se tornou milionário e ditador), Maduro na Venezuela, ou a ex-burocracia chinesa, hoje burguesia, na China capitalista.

Cada vez mais, para defender inclusive as mais mínimas medidas democráticas, é necessário ser socialista e estar disposto a combater o sistema capitalista.

A classe trabalhadora não pode apoiar os métodos corruptos e antidemocráticos de Sérgio Moro e Dallagnol, e, nesse sentido, o processo de Lula deve ser revisto. Mas isso não pode significar a defesa de impunidade que faz o PT. A Vaza Jato impõe a revisão do processo de Lula e que Moro não pode julgá-lo. Mas, não é atestado de inocência, como sugere a campanha política e eleitoral “Lula Livre”.  Essa campanha, que o PT tem todo o direito de fazer, não pode ser campanha de todo movimento, pois, além de atestar inocência, atua para impedir a unificação das lutas para derrotar Bolsonaro, desvia a ação direta para a disputa no terreno eleitoral e defende como alternativa estratégica os governos capitalistas do PT, o que não é solução. Lula deve ter direito a um processo normal, regular. E aí, se tiver provas deve ser condenado, sim.

Agora, devemos exigir a investigação, prisão e confisco dos bens de TODOS os corruptos e corruptores, incluindo os banqueiros e políticos que Moro e Dallagnol protegeram, a começar da família Bolsonaro. Os filhos de Bolsonaro, Queiroz e todas as denúncias referentes à corrupção e ligação com as milícias desse governo devem ser investigadas e levadas a julgamento.

Mas, como estamos vendo, a justiça dos ricos não merece confiança. Um setor defende e pratica impunidade e outro setor corrupto usa de métodos irregulares e antidemocráticos para perseguição seletiva, enquanto protege uma maioria corrupta e, pior inclusive, um governo autoritário.