Trabalhadores iriam votar a adesão ou não à redução salarial via licença-remunerada. A atitude da empresa é uma retaliação ao sindicato que é contrário à medidaDesde o primeiro momento da crise e dos primeiros ataques aos trabalhadores, a Vale e a CUTVALE, sindicatos ligados à Central Única dos Trabalhadores, esforçam-se para isolar a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) e os sindicatos de Itabira e Inconfidentes, ambos filiados à Conlutas. A empresa comete, sucessivamente, crimes contra a organização sindical.

Às vésperas das assembleias, a Vale fez demissões seletivas nas minas. O objetivo era gerar pânico entre os trabalhadores. A empresa já desistiu de ganhar o trabalhador na conversa. Agora, esforça-se por exercer toda a pressão possível, com direito a assédio moral e ultimatos. No comunicado aos funcionários em que apresenta a proposta de licença-remunerada com a metade do salário, a Vale oferece duas alternativas: ou aceita a proposta ou pede demissão.

A última manobra da empresa ocorreu na quinta-feira, 12 de fevereiro. Trinta minutos antes da assembleia que decidiria sobre o acordo, a empresa retirou a proposta para o Sindicato Metabase Inconfidentes. A intenção foi cancelar a assembleia, retaliar o sindicato devido à denúncia no Ministério Público e jogar os trabalhadores contra a entidade.

Mas o sindicato não se intimidou. A assembleia ocorreu e a situação foi apresentada aos trabalhadores. O sindicato seguiu normalmente a consulta da opinião da base sobre a proposta e defendeu vigorosamente a rejeição do acordo. Os trabalhadores mostraram-se indignados com a atitude da empresa e solidarizaram-se com o sindicato, apoiando os diretores e se recusando a fazer qualquer pressão pela retirada da denúncia no Ministério Público.

Neste momento, estão sendo realizadas assembleias nas minas. Devido à enorme pressão da Vale e de seu abuso de poder econômico, provavelmente os mineiros aprovarão a proposta da empresa. À isso, soma-se uma tênue esperança dos trabalhadores de manter seu emprego.

Crise Econômica acirra luta entre empresa e mineiros
A crise econômica mundial, que se agravou em meados de 2008, está produzindo um impacto de grandes proporções no mercado de commodities, em especial do minério de ferro. A Vale, maior empresa privada do Brasil e segunda maior mineradora do mundo, encontra-se no olho do furacão e foi uma das primeiras a jogar nas costas de seus empregados o efeito da crise econômica.

A contrapartida desse processo, a reação dos trabalhadores e das comunidades, levou ao acirramento da luta entre empresa e empregados, e também com setores da sociedade civil organizada. Todas as diferenças entre as partes nessa luta reduzem-se a uma única questão: quem pagará pela crise econômica? Nessa luta, a empresa tem demonstrado que não possui nenhum freio moral para suas ações.

A Vale entra na crise em situação privilegiada
A principal diferença da Vale para a maioria das empresas que foram surpreendidas pela crise é que ela se encontra em situação extremamente privilegiada. A previsão do lucro da empresa em 2008 é de US$ 14,424 bilhões, bem superior aos US$ 11,825 bilhões do ano anterior. Além disso, a Vale declarou que virou o ano com US$ 15,3 bilhões em caixa, suficientes para manter por dez anos seus empregados do mundo todo.

Mesmo com a crise econômica, a empresa enviou US$ 2,85 bilhões aos acionistas no ano passado e declarou que repassará, em 2009, no mínimo, US$ 2,5 bilhões. Isso significa que apenas o repasse aos acionistas seria suficiente para manter toda a mão-de-obra da empresa por dois anos.

No planejamento da empresa para 2009, consta um gasto de US$ 14,2 bilhões em investimentos. A Vale já adquiriu durante a crise 49 navios, a mina de Corumbá e duas minas de potássio na Argentina (comprou da segunda mineradora do mundo, a Rio Tinto), os ativos da Argos Cementos (empresa da mineração de carvão) na Colômbia, investiu na extração de gás natural no Brasil e em minas de cobre na África.

A posição da Vale é tão privilegiada que ela se dá ao luxo de ser compradora durante a crise econômica e pode operar por mais de uma década em déficit sem se ver ameaçada por falência. A Vale, por sua posição e seu caixa, se prepara para tornar-se a primeira mineradora do mundo no meio da crise econômica.

2008: a Vale é vanguarda das demissões
Quando o mercado internacional começou a demonstrar os primeiros sinais de crise, a Vale tomou uma decisão audaciosa: ser a pioneira das demissões no Brasil. A empresa demitiu de uma só vez 1.300 trabalhadores e apresentou aos sindicatos brasileiros uma proposta de suspensão dos contratos de trabalho. Esse acordo, que só pode ser aplicado se aprovado pelos sindicatos, permite à empresa suspender o contrato dos trabalhadores pagando 100% do salário em bolsas, sem direito a férias, FGTS, PLR ou qualquer outro encargo social, sem qualquer garantia de emprego, mantendo os trabalhadores em cursos de formação profissional.

A Vale também iniciou um forte lobby junto ao governo e à imprensa pedindo a redução dos direitos trabalhistas como forma de facilitar a vida dos patrões durante a crise econômica. Uma entrevista de grande repercussão foi dada por Roger Agnelli, presidente da Vale, à Folha de São Paulo, pedindo medidas de exceção que reduzissem os direitos dos trabalhadores.

A reação dos movimentos sociais: resistência versus capitulação
A reação do movimento sindical da mineração ao primeiro movimento de demissões na empresa foi marcado por posturas opostas. O Sindicato Metabase de Itabira e o Sindicato Metabase Inconfidentes (Congonhas, Ouro Preto e região), ligados à Conlutas, disseram não à proposta da empresa e procuraram o diálogo com os movimentos sociais, sociedade civil e poder público no sentido de organizar a resistência às aspirações da empresa. Já os sindicatos ligados ao grupo CUTVALE (sindicatos da Vale ligados à CUT) e Renovação (sindicatos pelegos tradicionais) correram para aprovar o acordo da suspensão dos contratos e minimizar as demissões que vinham ocorrendo.

O início do ano de 2009 começou dando razão ao movimento combativo. Um amplo movimento envolvendo os sindicatos, associações comunitárias, entidades do comércio, prefeituras e parlamentares levou a uma grande manifestação na cidade de Itabira, causando impacto nacional. Seguiram-se a isso os atos municipais de Congonhas e Conselheiro Lafaiete (nessa cidade encabeçada pelos ferroviários da MRS) em forte demonstração de repúdio às propostas de demissões e redução de direitos.

A empresa sentiu o golpe. A opinião pública dava a cada dia provas de insatisfação com as medidas da empresa. Mesmo a grande imprensa teve de reconhecer que a Vale estava sendo injusta e não tinha razões para demitir. Anos e anos de meticulosa construção da imagem da Vale estava indo por água abaixo. E a empresa foi obrigada a tentar um novo caminho.

Metade do salário e PLR baixa para o trabalhador, lucro bilionário para os acionistas
Derrotada em sua proposta de suspensão dos contratos e vendo sua imagem prejudicada, a Vale fez nova proposta aos sindicatos: conceder licença-remunerada aos trabalhadores, pagando metade do salário base até 31 de maio. A cereja do bolo envenenado é que o acordo concede relativa estabilidade no emprego até esta data.

Munida com essa proposta e aproveitando a onda de acordos com redução de salários da indústria metalúrgica, a Vale inicia nova ofensiva sobre trabalhadores e sindicatos. Apesar de ocorridas duas reuniões da Rede Vale (reunião de todos os sindicatos representantes de empregados da Vale) que afirmaram o compromisso de enfrentar conjuntamente a empresa, os sindicatos da CUTVALE e da Renovação saem em defesa da nova proposta e assinam o acordo com a Vale. Enquanto isso, os sindicatos da Conlutas organizaram reuniões com o governo Lula em Brasília, através do ministro do trabalho, Carlos Lupi, com o vice-governador de Minas Gerais e os prefeitos das cidades atingidas e seguiram mobilizando as bases para a rejeição da proposta.

A Vale não consegue esconder por muito tempo seus reais objetivos. Em resolução que faria qualquer pessoa corar, a diretoria executiva da Vale indica um repasse mínimo de US$ 2,5 bilhões aos acionistas em 2009. Ou seja, enquanto propõe ao trabalhador receber apenas 50% de seu salário, envia bilhões de dólares para enriquecer ainda mais acionistas no exterior.

Ao saber da vergonhosa resolução da diretoria, os sindicatos Metabase Itabira e Metabase Inconfidentes produzem a Proposta ao Conselho de Administração exigindo a rejeição do indicativo, a redução pela metade do repasse aos acionistas e a abstenção de novos investimentos no exterior, visando manter caixa que garanta que a reintegração dos demitidos e a estabilidade no emprego por pelo menos um ano, sem necessidade de reduzir salários ou suspender contratos. A proposta foi apresentada aos outros sindicatos, que optaram por não assinar conjuntamente o documento.

Ao mesmo tempo, o Metabase Inconfidentes protocola denúncia no Ministério Público devido ao fato do acordo proposto infringir a Constituição Federal (artigo 7º, inciso 6) e a Lei 4923/1965, que abre espaço para redução de salário dos trabalhadores, com prévio acordo dos sindicatos, apenas para empresas em dificuldades financeiras.

Ato no Rio de Janeiro
No meio desse furacão, os sindicatos da mineração, a Conlutas e a CUT realizaram uma manifestação no Edifício Barão de Mauá, sede nacional da Vale, no rio de Janeiro (RJ). A manifestação contou com 500 ativistas e teve um tom bastante radicalizado.

Os manifestantes gritaram palavras-de-ordem pela reestatização da empresa e contra as demissões. Exigiram, também, a reintegração dos demitidos, a estabilidade no emprego e fizeram uma denúncia do Lula, que ajuda os empresários com empréstimos bilionários. Ao mesmo tempo, exigiam a intervenção do governo Lula de forma decidida através de uma Medida Provisória que proíba demissões massivas.

Chamou a atenção a unidade das centrais no discurso contra as empresas privadas, mas também a dissonância dos discursos quando se toca na questão do governo. A Conlutas denuncia a postura de Lula de salvar empresas enquanto nada faz pelo trabalhador e exige do governo medidas decisivas nesse momento de crise. Já a CUT defende Lula e se cala frente aos repasses.

Solidariedade
O Sindicato de Congonhas está solicitando apoio nacional para evitar o fechamento de minas e contra a retaliação da Vale. Nas assembleias, o sindicato está informando que a proposta da Vale de redução salarial prepara as condições para uma demissão massiva dentro de três meses e fechamento de minas em Minas Gerais.

A Vale deve diminuir a produção de minério de ferro para cerca de 200 milhões de toneladas. Até agora, a produção era de 300 milhões de toneladas. Isso significa que a Vale manterá a produção de cerca de 130 milhões de toneladas em Carajás, onde o minério é mais puro e não necessita beneficiamento, e produzirá o restante em Minas Gerais. Isso baixará pela metade sua produção, causando o fechamento de muitas minas.

A Vale cospe no prato que comeu. Há 65 anos, a empresa retira minério do estado e agora despejará seus trabalhadores na rua, como bagaço de laranja. A possibilidade do fechamento de minas é presente. Já tem muitas minas paralisadas no estado.

Isto tudo foi informado nas assembleias. Também se informou que a Vale deve fazer demissão massiva a partir de 31 de maio, quando acabam estes acordos. O sindicato avisou que, caso cheguem telegramas com demissões massivas, todos os demitidos devem vir para o sindicato. Se isso acontecer, a entidade organizará greve e ocupação das minas e irá a Brasília, em caravana, para exigir que Lula garanta os empregos e reestatize a empresa e para expor a todo o país a destruição de um bem estratégico nacional pela iniciativa privada.

A retirada da proposta apenas para o sindicato de Congonhas e Ouro Preto tem um duplo significado. Primeiro lugar, a mineradora teme que sua proposta seja rejeitada pelo Ministério Público, coisa que é possível, pois o acordo é totalmente ilegal. Nesta sexta-feira, 13 de fevereiro, haverá uma reunião entre as partes. Ao mesmo tempo, iniciará uma retaliação ao sindicato por ter sido o único, junto com Itabira, a não se curvar ao poder da empresa.

O sindicato informou, ainda, na assembleia que a Vale, neste momento, só está demitindo na nossa base, em retaliação à nossa posição contrária ao acordo de redução salarial. Por isso, a entidade está solicitando a todo o movimento sindical combativo que ajude nesta luta desigual contra a maior empresa privada do Brasil. A vitória contra a Vale será uma vitória de todos os trabalhadores brasileiros.

Para os diretores do sindicato, ao se filiar à Conlutas, a entidade adquiriu a convicção que os trabalhadores da Vale não estão sozinhos e que podem vencer a intransigência da patronal. Neste momento, eles precisam da solidariedade política na guerra que está iniciando.