Com a compra da empresa canadense INCO, mineradora torna-se a segunda maior do mundoNum intervalo de uma semana, dois fatos envolveram contraditoriamente a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Eles expressam claramente o que é a ex-estatal. O primeiro foi a ocupação que os índios xikrins fizeram à mina de ferro da Serra dos Carajás, no Pará. O segundo foi a compra da mineradora canadense Inco pela Vale.

No dia 17 de outubro, aproximadamente 300 índios da etnia xikrin ocuparam a mina de extração de ferro da Vale do Rio Doce em Carajás, Sul do Pará, onde fica a Floresta Nacional dos Carajás e vivem algumas comunidades indígenas. Na prática, essa floresta é controlada pela mineradora, que decide quem pode ou não entrar. A mina de Carajás é a maior mina de ferro a céu aberto do mundo e a província mineral de Carajás é considerada a maior do planeta.

A produção de Carajás desce até o Porto de Itaqui, no Maranhão, pela Estrada de Ferro de Carajás, que corta as terras dos índios xikrins. Por conta disso, a mineradora repassa um valor anual, segundo ela “voluntariamente”, próximo a R$ 9 milhões. O que não é verdade, já que o pagamento é fruto de um acordo entre a empresa e os índios. O que os índios reivindicam é a revisão desse valor, a construção de 60 casas e a reforma de duas estradas de acesso a duas comunidades indígenas. A Vale, que extrai da mina 250 mil toneladas de ferro por dia, não apenas negou qualquer diálogo com os xikrins, como entrou com um pedido de reintegração de posse, atendido no mesmo dia. Diante disso, obrigou a retirada dos índios e afirmou que irá estudar a possibilidade de suspensão do repasse financeiro aos mesmos.

A compra da Inco
Uma semana após o conflito com os xikrins, a Vale anunciou a compra da mineradora canadense Inco. O negócio envolveu algo em torno de US$ 18 bilhões e representa a maior aquisição externa já feita por uma empresa de origem latina. A Inco é uma centenária (104 anos) empresa canadense que tem as maiores reservas mundiais de níquel do mundo. O níquel é um minério usado na fabricação de computadores (placas-mães, por exemplo), CD´s, DVD´s, aeronaves, aço, etc. Com a aquisição a Vale deixa de ser a quarta maior mineradora do mundo para se tornar a segunda e o seu valor de mercado alcança US$ 77 bilhões.

Os lucros da Vale têm batido recordes todos os anos, seja em função da elevação do preço do ferro (que até antes dessa aquisição representava 74% do faturamento da empresa) seja pelo aumento sucessivo da procura chinesa, da qual a companhia é a principal fornecedora.

Para efetivar os negócios, a Vale também teve que aceitar as condições impostas pelo governo canadense, dentre elas a manutenção do número de empregados e dos projetos da Inco. Além disso, a sede da nova empresa (CVRD/Inco) ficará em Toronto (Canadá), será dirigida por executivos canadenses e irá gerir e controlar os negócios de níquel da Vale, inclusive aqueles em solo brasileiro, como é o caso das minas Vermelho e Onça Puma, no Pará.

Reestatizar a CVRD já!
No segundo turno das eleições, Lula criticou os tucanos por terem privatizado a Vale e outras estatais. Será que ele teria feito diferente? A atual privatização das florestas da Amazônia e a das reservas de petróleo e de parte do capital da Petrobras são indícios de que não. Mas vejamos mais de perto o caso da CVRD.

A Vale foi privatizada, no governo FHC, por R$ 3,33 bilhões, em 1997. Ela havia feito investimentos próprios entre 1990 e 1995 da ordem de US$ 2,19 bilhões, dava lucros anuais superiores a R$ 500 milhões e ainda contava com R$ 700 milhões em caixa. Daí concluirmos que o que se pagou em sua privatização não cobria o que ela tinha em caixa e os investimentos feitos pouco antes da venda. Mas o escândalo é muito maior: em 1993 estimava-se que somente as reservas de ferro no estado do Pará valessem R$ 337 bilhões. Atualmente, só nos dois projetos de níquel no Pará, a Vale pretende gastar US$ 2,3 bilhões.

Além de privatizada nesses termos, a Vale ainda continuou a receber dinheiro público via BNDES, isenção fiscal (a não cobrança de ICMS pelo governo do Pará, etc.) e outros favores governamentais, inclusive no governo petista.

Lula investiu R$ 1,7 bilhão de reais para dobrar a potência da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Um dos objetivos dessa medida é ampliar a geração de energia para as empresas em torno do complexo Vale no Pará. Ainda hoje empresas como a Albrás (subsidiária da Vale) pagam energia subsidiada e a diferença fica para os consumidores residenciais.

A riqueza que vai para fora do Brasil é fabulosa, o que fica demonstrado nos lucros da Vale: em 2005 R$ 10,4 bilhões e, só no primeiro semestre de 2006, mais de R$ 6 bilhões. Isso significa que a cada três meses a companhia tem um lucro equivalente ao que foi pago por sua privatização. Diferente do que afirmam os defensores da privatização, a Vale alcançou o patamar de hoje não porque foi privatizada, mas porque foi estatal e, ao ser privatizada, o governo transferiu um patrimônio incalculável de riquezas naturais e favores fiscais.

Com a compra da Inco, a presença internacional da Vale aumenta bastante. Mas a mineradora é uma multinacional brasileira? A resposta nos leva a analisar a posse do capital da empresa, o que não é fácil, pois nesses negócios há os testas-de-ferro de capital estrangeiro.

Mesmo assim, recorramos aos dados mais públicos de antes da compra da Inco. O consórcio que comprou a Vale (Valepar) detém 52% das ações com direito a voto e metade delas já estão em mãos estrangeiras (são ações negociadas em Nova York). Se somarmos a isso outros 7% em posse de outros estrangeiros, chegaremos ao total de 33% de capital ordinário (com direito a voto) diretamente em mãos não brasileiras, fora o que deve estar camuflado. Das ações ordinárias (as que não têm poder de voto, mas são as primeiras a receber os lucros) 62%, são de estrangeiros.

Lula nada fez para rever a privatização da Vale e de outras empresas ex-estatais, sequer procurou investigar os escândalos da privatização. Ao contrário. Aprofundou o processo via repasse de dinheiro público para essas empresas. Lula é cúmplice da privatização tucana.

Contra a privatização tucana e a cumplicidade petista, temos que reforçar a campanha pela reestatização da CVRD, exigindo seu retorno ao domínio estatal brasileiro sem nenhuma indenização aos atuais “proprietários”. Ao contrário, devemos criminalizá-los, assim como os governos envolvidos, pelo assalto ao patrimônio financeiro e natural brasileiro.

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