Alejandro Iturbe, de São Paulo (SP)

No dia 11 de março completa-se um ano desde que a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou oficialmente que o surto do coronavírus iniciado na China três meses antes, havia se transformado em uma pandemia. Atualmente, muitos países já iniciaram planos de vacinação, mas estes planos (até agora totalmente insuficientes) são realizados mostrando todos os flagelos do capitalismo: o respeito pela propriedade privada dos fabricantes, caóticos em sua organização, com profundos privilégios de classe e corroídos pela corrupção.

A pandemia continua atingindo números muito altos em todo o mundo. O site worldmeter.info comunicava que, em 17 de fevereiro que tinha chegado a mais de 114.000.000 de casos informados e mais de 2.500.000 mortos desde seu início [1].

Embora em fevereiro o número de contágios e mortes diárias informadas tenha caído em relação ao seu nível sequencial mais alto no início de 2021 (de quase 800.000 para 500.000, e de 15.000 para 10.000, respectivamente), os números continuam muito mais altos do que em seu pico de abril e maio passados [2]. Alguns países como o Brasil vivem “seu pior momento” [3]. Inclusive, há regiões, sobre as quais, não se têm dados: segundo um estudo publicado pela BBC, na África, só 8 dos 50 países possuem registro mais ou menos sério. A própria OMS advertiu que a pandemia continuará durante todo o ano de 2021 e que este ano pode ser “ainda pior que o anterior”. Entretanto, em uma espécie de “terapia informativa de adaptação à catástrofe”, estes números saíram das manchetes da imprensa, como estiveram em alguns meses de 2020.

É que a responsabilidade principal desta persistência da pandemia e do crescimento de seu impacto é das diferentes burguesias e de seus governos que, desde meados do ano passado, promoveram e aplicaram a política da “nova normalidade”. Ou seja, a política de plena reabertura das atividades econômicas e de eliminação de uma série de restrições adotadas previamente, embora sempre tenham sido insuficientes, afetavam essas atividades.

Fizeram isso sem ter derrotado a pandemia e, em muitos casos, sem sequer exigir das empresas o cumprimento das verdadeiras medidas de segurança sanitária. Para as burguesias e seus governos eram mais importantes seus lucros que a saúde e a vida de milhões de trabalhadores [4]. Não por acaso, o crescimento e o impacto da pandemia foram tomando cada vez mais um perfil de classe, atacando com muito mais força aos trabalhadores e ao povo pobre.

Nesta política da “nova normalidade” não se diferenciam os governos “negacionistas” e reacionários dos supostamente “progressistas”. Quando o desastre explode em suas mãos, voltam-se, de modo espasmódico e hipócrita para alguma medida restritiva absolutamente parcial, como proibir festas ou reuniões familiares.

Nesse contexto, diversas vacinas começaram a ser disponibilizadas no mundo. Teria sido necessário um operativo de vacinação inédito na história da humanidade. Os trabalhadores o esperam com ansiedade para poder trabalhar sem riscos para sua saúde e sua vida, e para recuperar plenamente as poucas atividades de lazer que têm em sua dura vida cotidiana. Por seu lado, as burguesias e seus governos esperam para poder avançar sem travas na “nova normalidade”. Não são motivos humanitários que os empurram, mas profundamente mesquinhos [5].

Países pobres, países ricos

Mas aí começaram a entrar todos os flagelos do capitalismo que já mencionamos. Em primeiro lugar, o acesso à vacina pelos países não é feito com critério solidário e de saúde pública, como uma necessidade urgente da humanidade, e sim respeitando a propriedade privada dos conglomerados que as produzem e seus direitos de patentes, como um negócio a mais.

Isto levou a uma profunda diferenciação entre as potências imperialistas, por um lado, e os demais países, por outro. Em dezembro do ano passado, calculava-se que os “países ricos”, com 14% da população mundial, tinham se garantido mais da metade das vacinas a serem fabricadas em todo o ano de 2021 [6]. Alguns “países intermediários” como o Brasil e a Argentina (e inclusive a Espanha) planejaram campanhas parciais de vacinação. Os mais pobres não terão nenhum acesso a elas. A OMS reconheceu que estes países não terão nenhum acesso à vacinação até o final de 2022, no melhor dos casos.

É uma nova mostra do que significa a dominação imperialista que saqueia os recursos dos países, monopoliza a produção de produtos farmacêuticos e tecnologia médica e condena os povos dos países dominados à fome, à miséria, à doença e à morte.

Um caso indignante é o Estado sionista de Israel e os territórios palestinos que ele subjuga como a Cisjordânia. Este enclave imperialista surgido da usurpação de grande parte da pátria palestina histórica teve uma política genocida para com os habitantes desses territórios. Jamais os considerou em seus planos de combate à Covid-19 e agora com a vacinação, como controla o comércio exterior da Cisjordânia, impede a chegada das vacinas. O Estado de Israel desenvolve um plano intensivo de vacinação para sua população judia, mas no seu plano só inclui aqueles palestinos que cruzam diariamente a fronteira para trabalhar.

EUA

Inclusive nos EUA (um dos principais compradores de vacinas) ficou evidente a impotência do capitalismo para enfrentar os graves problemas de saúde pública e a sua ineficiência, como reflexo do critério de adotar esta área como negócio. A pandemia continuou num ritmo feroz: em janeiro, a cada dia os contágios aumentavam entre 250.000 e 300.000 e uma média de 4.000 mortes diárias. Os hospitais estavam sobrecarregados.

No marco de que o processo de vacinação já tinha sido iniciado, a distribuição da vacina é lenta e caótica. O governo federal dos Estados Unidos recebeu 40 milhões de doses e distribuiu 31 milhões aos Estados (muito longe das cem milhões de doses que Trump havia prometido para fins de 2020). Até 17 de janeiro, entre 10 e 12 milhões de pessoas receberam uma dose e apenas 1.400.000 as duas. Ou seja, apenas 1/3 das vacinas recebidas tinham sido aplicadas. É possível que as coisas mudem um pouco e se acelerem com o pacote emergencial que o governo de Joe Biden propôs ao Congresso, mas essa é a realidade atual.

Além disso, a corrupção

Se isto acontece nos EUA, à medida que descemos na hierarquia mundial de países as coisas pioram cada vez mais, já que, à quantidade muito menor de vacinas disponíveis, se somam a corrupção e o clientelismo. No Brasil, por exemplo, está sendo objeto de um repugnante jogo político entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador do Estado de São Paulo, João Doria, na perspectiva da disputa eleitoral de 2022.

Dória tenta aparecer como “vacinador” frente a um Bolsonaro “negacionista”. Mas a realidade do Estado de São Paulo é um verdadeiro desastre. Os contágios e as mortes aumentam diariamente e as unidades de terapia intensiva (UTIs) dos principais centros médicos estão à beira do colapso. Nesse contexto, o governo anunciou o retorno das restrições que, na prática, se limitam a “maiores fiscalizações de aglomerações noturnas” [7].

A vacinação no Estado também é lenta e caótica. Começou, em um plano de etapas que levaria vários meses, com a prioridade para os trabalhadores da saúde (totalmente justificado) e os maiores de 80 anos. Em uma jogada de marketing, o governo estadual anunciou que estava começando a vacinar as pessoas com mais de 60 anos e abriu um registro na internet para isso. Mas se alguém nesta idade for aos centros públicos de vacinação, recebe como resposta que “ainda não é a data” ou que há 4 vacinas sobrando para 40 interessados, devendo o interessado ir todos os dias, depois das cinco da tarde para ver se tem sorte. Para agravar a situação, em várias cidades foram denunciados casos de falsas vacinações (com seringas vazias) nos idosos, doses estas que depois são vendidas e aplicadas no mercado paralelo [8].

Na Argentina, cujo governo também tenta aparecer como “progressista” e “vacinador” (e faz publicidade de cada avião que vai para a Rússia para trazer novas doses da Sputnik), o ritmo de vacinação também é extremamente lento. Segundo dados do próprio Ministério da Saúde Nacional, até 25 de fevereiro passado foram vacinadas 877.588 pessoas, entre as que tinham recebido duas doses e as que receberam só uma [9].

Nessa realidade, o governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner promove a política criminosa de retorno às aulas presenciais nas escolas (em total acordo com a oposição de direita) e para garantir esta “nova normalidade” adiantou os professores como prioridade de vacinação, postergando todo um setor de idosos que esperavam sua vez. Não parece uma promessa fácil de cumprir num ritmo tão lento de vacinação, já que na Argentina há mais de um milhão de professores nos diferentes níveis. Apesar disso, os distritos governados pelo kirchnerismo (como a província de Buenos Aires) ou pela oposição de direita (como a cidade de Buenos Aires) começaram a reabertura das escolas e as aulas presenciais e, de modo inevitável, apareceram os primeiros contágios [10].

Mas a questão de como esta vacinação está sendo feita não acaba aqui. Recentemente, estourou um escândalo ao se tornar público que o ministro da Saúde, Ginés González García, tinha uma espécie de “sala de vacinação VIP” na qual eram vacinados políticos amigos que não estavam na lista de prioridades e de etapas que o próprio governo nacional tinha definido [11]. Já existiam denúncias de vacinações deste tipo contra numerosos prefeitos e vereadores kirchneristas de cidades do interior da província de Buenos Aires.

Diante deste escândalo, o presidente pediu a renúncia do ministro. Entretanto, ao mesmo tempo, frente ao pedido de seu processo penal, declarou, durante uma viagem ao México, que “tinha que acabar com essa palhaçada” porque nem Ginés nem os ‘adiantados’ tinham cometido qualquer delito. Estas declarações mereceram uma resposta de estudantes da Faculdade de Direito, dos quais Alberto Fernández havia sido professor antes de ser presidente. Em um comunicado público dirigido ao Presidente, expressaram: “Teria coragem de dizer em uma sala de aula da Faculdade de Direito o que declarou no México? A vacinação VIP é delito…ao qual poderia se aplicar, como mínimo e entre outras possibilidades, a do abuso de autoridade, não cumprimento dos deveres de funcionário público, tráfico de influências e/ou malversação de fundos públicos (art. 248 e seguintes do Código Penal)»[12]. Mas já sabemos que o direito burguês está dirigido essencialmente contra os trabalhadores e quase nunca é aplicado contra a burguesia e seus governos.

Sejamos justos, não foi o  kirchnerismo o único que “furou a fila”: na cidade de Buenos Aires (governada pelo macrista Horacio Rodríguez Larreta) também há uma lista VIP, só que neste caso foi registrada no banco de dados da vacinação. Essa lista inclui o próprio Rodríguez Larreta, a ex-governadora de Buenos Aires María Eugenia Vidal, artistas e empresários, todos com idades fora das prioridades de vacinação definidas oficialmente [13].

Tudo isso em meio à política comum de kirchneristas e macristas de que todos os trabalhadores devem ir trabalhar diariamente e o critério de que uma faixa grande deles não está em nenhuma prioridade de vacinação. Por isso, embora não tenhamos nenhuma confiança na justiça burguesa, exigimos que aqueles que fizeram estas vacinações VIP e os que “furaram fila” sejam processados e condenados.

Nossas propostas

Tal como dissemos, os planos de vacinação nos diferentes países são realizados mostrando todos os flagelos do capitalismo. Frente a esta situação, queremos reiterar as propostas que apresentamos em diversos artigos, neste site:

  • Vacinas para todos e todas, gratuitas e obrigatórias, tendo como prioridade os trabalhadores e trabalhadoras e os setores de risco. Não aos vacinados VIP.
  • O Estado deve garantir os fundos necessários para esse plano massivo e rápido de vacinação.
  • Quebra do direito de patentes.
  • Expropriação dos grandes conglomerados farmacêuticos privados.
  • Por um plano internacional cooperativo de vacinação. Todo o processo de vacinação (a ação da OMS e dos governos) deve ser controlado pelas organizações de trabalhadores, em particular por representantes do setor da saúde pública (médicos/as, enfermeiros/as e especialistas em epidemiologia).
  • Rechaço à distribuição imperialista, por uma distribuição equitativa em todos os países, priorizando quem tem as piores condições econômicas e sanitárias para enfrentar a pandemia.
  • A saúde pública não pode ser um negócio: deve ser considerada como um direito da humanidade. Por isso, estas propostas não podem se limitar a esta pandemia: são necessários verdadeiros planos de saúde pública para o presente e para o futuro: não podemos descartar novas pandemias nem desconhecer o fato de que há outras doenças que são endêmicas. Temos que exigir que esse critério seja aplicado a todos os medicamentos e que seja garantido o financiamento e os fundos de investimentos públicos necessários para isso. Ou seja, o oposto do que o capitalismo e os governos burgueses fazem.

Enquanto levamos essa luta urgente e imprescindível para os trabalhadores e as massas, continuamos afirmando que não haverá solução definitiva para acabar com estes flagelos se não derrotarmos o capitalismo imperialista, através de uma revolução que inicie a construção de uma sociedade mais justa e humana: o socialismo.

Notas:

[1] https://www.worldometers.info/coronavirus/

[2] https://www.rtve.es/noticias/20210227/mapa-mundial-del-coronavirus/1998143.shtml

[3] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56218084

[4] Sobre este tema, recomendamos ler: https://litci.org/pt/62684-2/

[5] Sobre este tema, recomendamos ler, entre outros, o artigo “Vacinas para todos e todas” em https://litci.org/pt/62757-2/

[6] https://www.elindependiente.com/vida-sana/salud/2020/12/15/los-paises-ricos-acaparan-la-mitad-de-la-reserva-mundial-de-vacunas-del-covid/

[7] https://brasil.elpais.com/brasil/2021-02-25/com-colapso-de-utis-no-horizonte-de-sao-paulo-doria-ignora-recomendacao-por-restricoes-mais-duras.html

[8] Ver, por exemplo, https://oglobo.globo.com/sociedade/vacina/denuncias-de-falsa-vacinacao-provocam-alerta-confira-os-protocolos-para-ficar-atento-durante-aplicacao-24881311 y https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2021/02/24/familia-denuncia-falsa-aplicacao-de-vacina-contra-covid-19-em-idoso-em-cuiaba.ghtml 

[9] Dados extraídos de https://www.pstu.com.ar/vacunas-para-todos-y-todas/

[10] https://www.pagina12.com.ar/322905-diez-contagiados-en-las-escuelas-portenas

[11] https://es-us.finanzas.yahoo.com/noticias/alberto-fern%C3%A1ndez-pidi%C3%B3-renuncia-gin%C3%A9s-204500580.html

[12] https://es.sports.yahoo.com/noticias/alumnos-derecho-alberto-fern%C3%A1ndez-salieron-170800096.html

[13] Ver a base de dados “Minsalud Caba Control” en: https://www.buenosaires.gob.ar/salud/epidemiologia

Tradução: Lilian Enck