No último dia 25 de janeiro completaram-se 24 anos da morte do dirigente trotskista argentino Nahuel Moreno, fundador da LIT-QI (Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional), organização com a qual o PSTU mantém laços fraternaisMoreno foi um dos mais destacados dirigentes do movimento trotskista internacional do segundo pós-guerra, continuando, sob duras condições, a obra iniciada por Leon Trotsky: a construção de uma internacional operária e revolucionária, capaz de disputar a direção política do movimento de massas e de dirigir a classe operária em uma revolução socialista vitoriosa.

Publicamos a seguir trechos de uma longa entrevista dada por Moreno em 1986, poucos meses antes de sua morte. Mais tarde publicada em livro com o título de “Conversando com Moreno”, essa entrevista é considerada seu testamento político. O fato de ter dedicado toda uma parte à explicação da Internacional mostra a importância que dava à construção de uma organização revolucionária mundial.

Ao longo da sua vida política você dedicou enormes esforços à construção de uma organização revolucionária mundial…

Eu diria mais, que a maior parte da minha militância política foi, e segue sendo, dedicada ao partido mundial, à construção da Quarta Internacional. O partido mundial é a prioridade número um do movimento operário, porque existe uma economia e uma política mundiais, às quais estão subordinadas as realidades nacionais. O imperialismo aplica uma só política, através do FMI, a todos os países, adiantados ou atrasados, que tenham dívidas com os bancos internacionais. E isto que dizemos em relação à dívida externa é verdadeiro em todos os terrenos da política e da economia.
A existência de uma política mundial é característica do capitalismo e, já que se trata de derrotá-lo, é necessário um instrumento conforme com essa realidade e essa tarefa. O movimento de massas mundial requer diferentes ferramentas para cada um dos problemas que a luta de classes propõe. Para lutar no terreno econômico a classe operária criou os sindicatos. Não é casual que as primeiras organizações sindicais nascessem na Inglaterra, o berço da revolução industrial.

Mas da necessidade de elaborar uma política mundial não se conclui necessariamente a necessidade de uma organização mundial

Eu quero demonstrar justamente o contrário. Sigamos com o exemplo anterior. Os operários precisam de sindicatos para lutar por seus salários, estabilidade no emprego etc., contra seus exploradores nacionais. Precisam de partidos políticos para defender os seus interesses de classe. No terreno internacional, precisam de um movimento sindical unido. A economia mundial exige o desenvolvimento de grandes organizações sindicais internacionais. A sua ausência significa um grande atraso para o movimento de massas. Por que a grande greve do carvão na Inglaterra foi derrotada? Devido justamente à falta de solidariedade internacional. Uma grande organização sindical mundial revolucionária criaria um movimento de solidariedade com os mineiros ingleses que seria invencível.

Eu tive a oportunidade de conversar com dirigentes do Partido Nacionalista Galego. Eles coincidem na necessidade de fazer análises internacionais e que a solidariedade é imprescindível, mas sustentam que os partidos só podem ser nacionais, devido ao peso das especificidades nacionais.

Eu não nego a importância das especificidades nacionais, nem que os partidos devem conservar a sua independência de critério. Agora, trata-se de determinar o que é decisivo. Se o mundo é uma soma de especificidades nacionais, onde a Argentina é diametralmente oposta ao Uruguai, o Uruguai ao Brasil, este ao México e assim sucessivamente, isto é, não existem traços comuns e os países não fazem parte de uma totalidade mundial, então a internacional não pode nem deve existir.

Qual é a realidade? Exagerando um pouco, podemos comparar o mundo e os países com um país e seus estados. Quando analisamos a realidade argentina, a consideramos uma totalidade, não uma soma de situações locais. A Argentina é dominada por um Estado nacional, não por estados isolados.

A situação mundial não é exatamente assim, já que os Estados nacionais existem e têm profundas diferenças. Mas o fato característico da dominação capitalista é a existência do sistema mundial. Tanto é assim que se fala de ciclos econômicos e políticos mundiais. Por exemplo, quando o capitalismo teve necessidade de uma grande produção de açúcar, os países do Caribe e também o norte do Brasil voltaram-se à produção de açúcar, apareceram grandes usinas de açúcar. A revolução europeia de 1848 foi um processo único que abarcou todo o continente. Outro exemplo: antes do capitalismo não houve guerras mundiais.

Para os marxistas, o primeiro e decisivo fato científico é a existência do sistema econômico, político e social capitalista mundial, ao qual estão subordinadas as especificidades nacionais. Dito de outra maneira, o nacional é uma expressão específica do sistema mundial.

O internacionalismo proletário surgiu em resposta a um problema objetivo, não é algo inventado por Marx no seu escritório. O “Manifesto Comunista”, publicado em 1848, é um documento de operários imigrantes, de uniões operárias europeias, que se encontravam submergidas em um processo de ebulição revolucionária. Eram alemães, franceses, belgas, ingleses, italianos…

Para nós, o maior crime, a maior traição da burocracia stalinista foi a dissolução da Terceira Internacional, exigida pelos seus aliados Churchill e Roosevelt. Isto explica por que o imperialismo ainda não foi derrotado. A Segunda Internacional existe, mas não é uma verdadeira Internacional, mas sim uma federação de partidos social-democratas, defensores do sistema capitalista. A Terceira Internacional e a Internacional Sindical Vermelha foram oficialmente dissolvidas pelo stalinismo. Com isso se apagou da consciência das massas a necessidade da Internacional. Hoje em dia os internacionalistas são uma ínfima minoria no movimento de massas mundial. Os trotskistas são os únicos que reivindicam a necessidade indispensável de contar com uma organização sindical e uma organização política internacional, um partido mundial centralizado.

Há setenta ou oitenta anos todos os operários de vanguarda reivindicavam a Internacional. Na Primeira estavam os anarquistas, os marxistas, os proudhonistas, os sindicalistas ingleses. Quando se fundou a Segunda, todas as correntes do movimento operário, menos os anarquistas, participaram dela. Não é que os anarquistas deixassem de ser internacionalistas, simplesmente seguiram na “Primeira”.
O stalinismo quebrou esta tradição quando elaborou a teoria do socialismo em um só país. Segundo eles, a União Soviética derrotaria o imperialismo na concorrência econômica. Portanto, não se precisava de um partido mundial para elaborar o programa e as táticas do movimento operário. Krushev dizia que em vinte anos o poderio da URSS superaria o dos Estados Unidos.

Esta ideologia provocou um salto atrás na consciência do movimento operário, que retrocedeu inesperadamente ao período anterior à revolução de 1848 e o aparecimento do Manifesto Comunista.

Em pedagogia chama-se analfabeto funcional à pessoa que aprendeu a ler e escrever na escola primária e depois perdeu esse conhecimento por não exercitá-lo. Podemos dizer que o movimento operário mundial sofre de analfabetismo funcional no terreno do internacionalismo proletário devido ao stalinismo. O partido mundial, a única ferramenta política que pode derrotar o imperialismo, aparece para a vanguarda operária como uma ideia utópica, vaga, uma expressão de desejos.

A principal base de sustentação da teoria do socialismo em um só país revelou-se falsa, já que os Estados operários não puderam alcançar o imperialismo no terreno do desenvolvimento tecnológico e da produção. Por essa via, entre outras, confirma-se uma vez mais que a ferramenta indispensável para liquidar o capitalismo não é a concorrência tecnológica e econômica dos Estados operários com o imperialismo, mas o partido mundial, a Internacional, que enfrente politicamente o imperialismo, mobilizando os trabalhadores de todo o mundo.

Post author Secretaria de formação
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