Os trabalhadores da Mercedes, no ABC, vaiaram Lula. Isso nunca tinha ocorrido antes. Não se trata de um fato político a mais. É, em sua dimensão, um fato histórico.
O PT sempre teve na base do ABC uma parte importante de sua legitimidade. Os dirigentes da Articulação, seja na CUT ou no PT, falavam “em nome da base” dos metalúrgicos. Tinham atrás de si o prestígio de dirigir os setores mais importantes (econômica e politicamente) dos trabalhadores do país.

Mas, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC mudou. Ao invés das greves da década de 80, a direção do sindicato desenvolveu uma parceria com as montadoras de automóveis, com as câmaras setoriais, o banco de horas etc. A base do ABC teve inúmeras crises com a direção do sindicato. Mas uma coisa era Marinho, e outra Lula. A expectativa na eleição de Lula continuava sendo amplamente majoritária entre os metalúrgicos.
Logo após as eleições, a euforia tomou conta dos metalúrgicos do ABC. Eles achavam que, afinal, um deles tinha “chegado lá”. Um nordestino, torneiro mecânico da Villares, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos durante as greves da década de 80, maior líder da história do ABC e do movimento operário, foi eleito presidente da República. Agora o país ia mudar.

Durante o primeiro ano, o apoio continuou, apesar das dúvidas. Os juros seguiram altos, os salários não aumentaram, a tabela do Imposto de Renda não foi corrigida. Mas, ainda assim, eles acreditaram que isso era “parte da herança maldita” do governo FHC.

Não podia entrar na cabeça de um metalúrgico que Lula, o dirigente em que eles mais confiaram em toda a vida, pudesse traí-los. Ele “está tendo que encarar mais dificuldades do que pensava”, “não se mudam as coisas de uma hora pra outra” etc.

O governo Lula impôs a reforma da Previdência. Apesar das dúvidas, o apoio seguiu.
Mas apesar de Duda Mendonça, os trabalhadores vêem o que se passa no país, e sentem no bolso que Lula não promoveu nenhuma mudança para melhor. As mudanças que ocorreram, foram para piorar o que já era ruim, com o aumento do desemprego, a continuidade do arrocho do salário mínimo, a não correção da tabela do Imposto de Renda. A corrupção segue igual, como demonstram os casos Waldomiro e Celso Daniel.
Lula já não é o mesmo. Perdeu até os mínimos reflexos na relação com a base. É capaz de atacar os metalúrgicos, chamando-os de privilegiados por pagarem Imposto de Renda. E veio a vaia…

Não se trata de um simples repúdio a uma fala infeliz. No chão das fábricas do ABC existe uma ruptura evidente de uma parte importante da base com o governo. Já é comum chamar Lula de “traíra”, de traidor. O PT e Lula já não podem falar mais em nome dos metalúrgicos do ABC. Uma nova história está começando.
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