Após anunciada a venda do gás boliviano pelo presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, “el Goni”, como é conhecido, massivas mobilizações populares estouraram por todo o país.

Desde 30 de setembro, trabalhadores do campo e da cidade, com a juventude, paralisaram suas atividades respondendo ao chamado de greve geral da Central Operária Boliviana (COB) e realizaram radicalizados protestos e bloqueios de estradas, exigindo a nacionalização do gás e do petróleo e a saída imediata de Goni do governo. O governo pró-imperialista de Sánchez de Lozada respondeu à essa mobilização com uma feroz repressão, que deixou dezenas de mortos e feridos. A mobilização se estendeu para todo o país e a Bolívia vive nestes dias um levante popular.

Luta contra imperialismo não começou hoje

A intensa resistência dos últimos dias lembra as grandes passeatas contra a privatização da água que aconteceram em 2000 em Cochabamba, que barraram a venda da água e quase levaram Evo Morales – deputado federal e dirigente dos produtores da folha de coca – à Presidência da República.

O levante popular que sacode a Bolívia é continuidade da luta que derrotou o tarifaço de fevereiro, que, atendendo ao FMI, levaria à redução dos salários dos trabalhadores bolivianos em até 12,5%. Naquele momento, a mobilização explodiu devido à insubordinação da polícia que aderiu à luta: o saldo foi de 30 mortos e a retirada do decreto pelo governo.

Numa autêntica revolução – trabalhadores urbanos à cabeça das mobilizações e divisão interna tanto nas forças armadas quanto na polícia – as principais direções do movimento camponês, como Evo Morales (MAS) e Felipe Quispe (MIP), se recusaram a colocar em xeque o governo e convocar os trabalhadores do campo a se somarem à luta.

Após esta turbulência, o governo de Goni, sem qualquer chance de aplicar os planos de ajuste fiscal, continuou no poder, semi-paralisado.

Já o movimento iniciou amplos debates sobre como seguir a luta, na medida em que se avizinhava o projeto do governo de vender a maior parte do gás para grandes multinacionais dos EUA.

Para onde caminha o movimento?

Após uma semana de greve geral, chamada pela COB para derrotar Goni e seus planos, houve um importante encontro sindical e popular na Universidade de El Alto (cidade próxima a La Paz). Neste evento, pretendia-se, além de organizar a continuidade da luta contra a venda do gás, indicar um caminho para o movimento.

Aprendidas as lições da insurreição dos dias 12 e 13 de fevereiro deste ano, a COB (retomada em seu último congresso das mãos do “oficialismo governista”) colocava como tarefa para o movimento a derrubada do governo, como forma de parar os planos neoliberais, e exigia um posicionamento claro de apoio à greve geral por parte dos principais dirigentes dos movimentos camponeses: Evo Morales e Felipe Quispe “Malku”.
Evo, grande referência para a maioria do movimento boliviano, até semana passada não havia orientado o movimento cocalero a se somar à greve geral e estava fora do país, em um encontro de parlamentares na Suíça. Além disso, ele insistia em se declarar “a favor da democracia” e defender uma saída negociada do conflito.

“Que se vaya Goni!”

Com o governo extremamente debilitado, sem acordo entre a burguesia boliviana sobre decretar estado de sítio e reprimir intensamente o movimento ou recuar no projeto de exportação de gás e substituir Goni por seu vice, o movimento avança no questionamento ao governo e ao regime.

A partir do dia 12, apoiando-se no Exército, nos EUA e na Organização dos Estados Americanos, Goni – “o gringo”, como é chamado – desata uma forte repressão, matando dezenas em El Alto. A repressão faz o movimento crescer e o levante toma La Paz e todo o país. “Que se vaya el Goni” e “pelo gás” ecoam por toda a Bolívia.

Os mortos e o levante generalizado contra o governo impedem que qualquer setor dirigente do movimento aceite uma saída negociada, que inclua a permanência de Goni no governo, como antes haviam apontado alguns setores, propondo que esse governo fizesse um referendo sobre o gás.

Goni, quando fechávamos esta edição, estava cada vez mais isolado, porém seguia jogando o exército contra os manifestantes. Já existiam 86 mortos no conflito.
Mas, neste momento, os trabalhadores e o povo boliviano (mineiros, indígenas, cocaleros, professores, juventude, etc), mesmo sofrendo uma dura repressão, seguem nas ruas.

Post author Yuri Fujita,
da redação
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