Há 50 anos, a Exposição Nacional de Arte Concreta deu início a um movimento que até hoje é influência fundamental na pintura, na poesia e na música brasileirasEm dezembro de 1956, um grupo de jovens artistas reuniu-se no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) para realizar a Exposição Nacional de Arte Concreta. Dentre eles encontravam-se poetas como Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gullar e Ronaldo Azeredo, e artistas plásticos (escultores e pintores) como Geraldo Barros, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Alfredo Volpi, Lygia Pape Franz J. Weissmann e Ivan Serpa. Dois meses depois, a exposição foi levada ao Rio de Janeiro.

Na época, os “cartazes-poemas”, as pinturas repletas de formas geométricas abstratas e as esculturas que rompiam completamente com a noção de espaço figurativo (ou seja, de representação de realidade) causaram um tremendo impacto entre os intelectuais e a imprensa e um certo assombro no público que passou pelo MAM e pela capital carioca. Mais importante, contudo, foi a influência que o movimento que a exposição sintetiza, o concretismo, teve e continua tendo na arte brasileira: das artes plásticas à arquitetura, da poesia à música.

Uma influência extremamente vinculada ao crítico de arte e militante trotskista Mário Pedrosa, um dos primeiros e principais incentivadores da arte concreta no Brasil.

Rompendo com a ilusão do real
Com origem na Europa, no início dos anos 30, em obras como dos pintores Mondrian, Kandinsky e Malevitch e do poeta Maiakovski, a explosão concretista aconteceu em um momento muito particular da história brasileira. O cenário político e econômico estava marcado pelo ufanismo desenvolvimentista dos “Anos JK”, que vendia a ilusão de inserir o Brasil na “modernidade” através de um projeto de industrialização vinculado e dependente do capital estrangeiro.

Mundo afora, e também no Brasil, a chegada da TV (1950), a rápida urbanização das cidades, o surgimento da pílula anticoncepcional (1952) e o embalo do “rock-and-roll” criavam e impunham novos padrões de comportamento que questionavam e sacudiam as bases da sociedade. Particularmente em terras nacionais, a juventude e um crescente e combativo setor operário ganhavam as ruas com suas reivindicações.

No campo das artes, toda essa agitação já vinha provocando reações e questionamentos desde o início da década de 50, particularmente a partir de 1951, quando foi realizada a I Bienal de Arte de São Paulo.

Foi nesse ambiente que, em 1952, Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos lançaram, em 1952, o grupo e a revista “Noigrandes”, cujo surgimento praticamente coincidiu com a criação e as propostas de um grupo de artistas plásticos paulistas, auto-denominados “Ruptura”.

Distanciando-se tanto da vertente figurativista quanto daquilo que eles consideravam a completa falta de sentido visual e a lógica da arte abstrata de então (que, muitas vezes, resumia-se a borrões de tintas jogados a esmo nas telas), esses jovens poetas e pintores propunham uma nova concepção de arte, baseada em princípios claros.

Nas artes plásticas, baseados em princípios como o da gestalt (teoria de origem alemã que defende a percepção visual baseada na psicologia da forma), artistas e críticos propunham fazer uma arte que possibilitasse ao espectador perceber, decodificar e assimilar uma imagem ou um conceito através da reorganização, em seu próprio cérebro, das formas, cores e texturas expostos no quadro ou esculturas, possibilitando a reconstrução dos significados propostos.

A idéia central era que, mesmo sem “representar” a realidade, a obra de arte oferecesse ao observador elementos que constituíssem um discurso lógico e racional. Um discurso que, como as próprias obras evidenciam, estava completamente impregnado pelo processo de industrialização e urbanização das duas principais metrópoles brasileiras, São Paulo e Rio.

Na poesia, buscava-se a exploração de novas linguagens e formas de expressão que quebrassem completamente a estrutura formal da língua, permitindo ao leitor a reconstrução dos sentidos.

No decorrer dos anos, como é comum no mundo das artes, o concretismo se ramificou em diversas vertentes. No início dos anos 60, a poesia quase musical de Manuel Bandeira, a vinculação de Ferreira Gullar a uma estética mais política, as traduções-recriações dos irmãos Campos, as experiências alucinadas de Hélio Oiticica (que criou peças que poderiam e deveriam ser “usadas” pelo público) e o surgimento do chamado neoconcretismo deram, cada um à sua maneira, continuidade à revolução iniciada anos antes.

Mário Pedrosa:a busca pela forma revolucionária
Sempre polêmico e extremamente sintonizado com os rumos da arte de sua época, Pedrosa foi um dos primeiros e mais importantes incentivadores do concretismo no Brasil. Na origem de seu apoio apaixonado ao movimento estava a rejeição à tradição artística brasileira que, mesmo depois de Semana de Arte Moderna de 1922, encontrava-se, em sua opinião, presa à representação da realidade e à figuração, que roubavam do observador a possibilidade de reflexão mais profunda sobre os sentidos e significados da obra de arte.

Em seus muitos textos sobre o tema, Pedrosa apresentava a arte concreta como uma possibilidade de oferecer ao público uma emancipação estética e, acima de tudo, da sensibilidade. Uma emancipação que, dentro de sua obra, faz eco à sua permanente e incansável luta pela libertação da humanidade. Assim como era necessário destruir os padrões de realidade pré-estabelecidos pelo Capital, seria necessário construir uma forma de arte capaz de romper com a ideologia dominante que aprisiona a representação do mundo, nas artes, a uma realidade idealizada e, em última instância, completamente falsa.

No Brasil, particularmente, Pedrosa via no concretismo o caminho para rejeitar o “nacionalismo figurativista” que impregnava nossa arte da representação do país como algo “exótico” e “tropical”. Neste sentido, a arte concreta era a expressão da busca por uma “universalidade” que pudesse colaborar na própria desconstrução da idéia de “nação”.

Como escreveu na época, o que o seduzia no concretismo era exatamente a sua capacidade de provocar o questionamento do “estado das coisas” e a “capacidade de inquietação” que poderiam levar homens e mulheres a revolucionar sua sensibilidade e se abrirem para a possibilidade do novo.

Em outras palavras, Pedrosa via no movimento concreto uma forma de romper com a representação do mundo imposta pelas elites, assim como via na revolução socialista o único caminho para construir um mundo onde a humanidade pudesse reformular sentidos, buscar novos significados.

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