Redação

Três governos se seguiram em uma semana convulsiva de mobilizações em todo o Peru. Houve até um vácuo de poder antes que um novo pudesse ser nomeado. Embora tudo pareça ter voltado à normalidade por enquanto, a verdade é que nada é nem será como antes depois das jornadas de 9 a 16 de novembro, que, na verdade, abriram uma nova situação no Peru. Leia abaixo trechos de um artigo do Bandeira Socialista, jornal do Partido Socialista dos Trabalhadores (seção peruana da LIT-QI).

 

No centro de Lima, na frente do prédio do Ministério da Justiça, há uma vigília permanente em homenagem aos jovens Jack e Inti, assassinados na marcha de sábado, 14 de novembro. Lá foram colocados milhares de cartazes feitos à mão, cujos textos testemunham o pesar pelas vítimas e mostram o ultraje e a coragem dos jovens. Homenagens semelhantes foram erguidas em várias praças do país.

As mobilizações começaram na segunda-feira, dia 9, quando o Congresso, com 105 votos, afastou o presidente Martin Vizcarra por “incapacidade moral” com base em inúmeros indícios que o implicam em atos de corrupção. Com o passar das horas, toda a barbárie do regime, dos congressistas e de seus cúmplices foi revelada.

A juventude reagiu com força inesperada que desencadeou os históricos dias (12 e 14), e sua mobilização obrigou Manuel Merino, o substituto escolhido pelo Congresso, a renunciar. Nos dias anteriores à renúncia, os protestos foram reprimidos de forma violenta, resultando na morte de dois manifestantes e pelo menos 68 feridos.

Para ocupar a presidência no lugar de Merino, foi nomeado Francisco Sagasti. Naqueles dias, milhares de manifestantes tomaram as ruas de todo o país, com epicentro na capital – para o Congresso –, e se estenderam aos bairros pobres e às classes média e média alta, com a participação espontânea da juventude e da população que batia panelas. Foi uma rebelião popular, a maior desde aquela que, 20 anos atrás, derrubou a ditadura de Fujimori.

Três governos se seguiram em uma semana convulsiva e houve até um vácuo de poder antes que um novo pudesse ser nomeado. Embora tudo pareça ter voltado ao normal por enquanto, a verdade é que nada será como antes depois dos acontecimentos de 9 a 16 de novembro. As jornadas abriram uma nova situação no Peru.

Vizcarra presidiu um regime que enfatizou seu poder pessoal sobre o Congresso em nome da luta contra a corrupção. Foi um regime precário, mas funcional para os interesses da burguesia, depois que a crise da Lava Jato afundou toda a velha classe política e suas instituições e produziu a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski (PPK) em março de 2018.

Durante a pandemia, Vizcarra aplicou um plano focado em salvar empresas e desencadeou um desastre na economia e na saúde. O Peru é um dos países mais castigados pela pandemia. No entanto, graças ao apoio da burguesia, Vizcarra manteve sua popularidade elevada, enquanto a maioria se dedicava a se salvar e a sobreviver esperando uma lenta melhora na situação.

Enquanto isso, os setores operários começaram a resistir ao violento ataque contra a supressão de direitos e por emprego. A maioria absoluta esperava que Vizcarra fosse investigado no final de seu mandato, em julho de 2021, mas não esperava que ele fosse afastado numa situação de proximidade das eleições. O Congresso corrupto e desmoralizado não desperta nenhuma confiança. Nesse contexto, a decisão de afastar Vizcarra foi recebida como um golpe do Congresso corrupto e fez o país explodir em indignação.

Embora as manifestações rejeitassem a decisão do Congresso, não eram a favor de Vizcarra. Os setores explicitamente opostos a Vizcarra são da classe trabalhadora e, por isso, havia ceticismo em suas fileiras em relação às mobilizações. No desenrolar da mesma mobilização, quando o governo revelou seu caráter repressor, todas as forças passaram a lutar contra o novo governo sob o slogan “Abaixo Merino!”.

A renúncia de merino criou um vazio de poder. A central sindical, que não chamou a classe trabalhadora às ruas e propôs um “diálogo” ao governo ilegítimo, ficou, então, à espera do que o Congresso decidiria. Assim, deram à burguesia a oportunidade de se reorganizar e eleger o desconhecido Francisco Sagasti.

Porém os grandes problemas que motivaram a rebelião popular não estão resolvidos. É por isso que não há razão para sair da rua, e tanto as manifestações juvenis quanto as operárias continuam ocorrendo num cenário mais favorável, em busca de uma solução mais profunda para os graves problemas que o país enfrenta.