Caetano e Gil com o ex-presidente de Israel, Shimon Peres

Nesse domingo, 8 de novembro, Caetano Veloso publicou um artigo na Folha de S. Paulo (“Visitar Israel para não mais voltar a Israel”) em que relata sua visita ao país após se negar a atender o pedido realizado por Roger Waters e diversas outras personalidades e entidades que fazem parte da campanha do BDS (Boicote, Desinvestimentos e Sanções) que luta contra a ocupação israelense sobre os territórios palestinos. Leia o comentário de Waldo Mermelstein

Na verdade, Caetano ensaiou um recuo de sua posição anterior, pois a realidade é tão esmagadora que não poderia seguir sustentando. Nesse sentido, reflete o isolamento de Israel por suas brutais práticas.

Em vários pontos do artigo (leia aqui), ele fala do que pensou em fazer, do que quase disse, sobre como dedicar o show ao Breaking the Silence, movimento de ex-soldados que denunciam as práticas coloniais de Israel nos territórios ocupados, mas ficou só na intenção. Claro que ele deve saber que despertaria reações muito duras do próprio público, pois a grande maioria dos judeus israelenses apoia as práticas do Estado e preferiu deixar seus comentários para depois.

Mesmo assim, já se escutam as velhas lamentações e acusações dos sionistas que o utilizaram como inocente (?) útil para ajudar a “normalizar” a ocupação e a opressão em toda a Palestina histórica. Caetano não percebeu é que os sionistas só aceitam a rendição incondicional, qualquer crítica é uma verdadeira declaração de guerra, como em toda sociedade com base no racismo.

Mas seu recuo para posições um pouco menos equivocadas não mudou o essencial: continua não entendendo, apesar de citar no artigo, o que significou a Nakba palestina, inclusive dentro das fronteiras de 1948.

Por isso foi capaz de desprezar de forma arrogante pessoas como Miko Peled (“filho de um general judeu, herói da Guerra dos Seis Dias”) e a carta do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos que pedem o fim de todas as formas de opressão, o boicote a Israel e o fim de um estado racista como o de Israel, para que possam nele conviver, com restituição de direitos, todos os seus habitantes e os refugiados palestinos. Em que isso é uma loucura?

Como ousa comparar essa posição com a posição dos colonos judeus que defendem uma terra roubada? É a mesma coisa que se tivesse comparado o CNA de Mandela e as posições da minoria branca da África do Sul: uns lutavam pela restituição dos seus direitos, os outros defendiam a sua posição privilegiada.

De que adianta elogiar o cientista Yeshayahu Leibowitz e sua acusação de judeo-nazismo à legalização da tortura pela Suprema Corte israelense e a comparação correta que fez com a África do Sul durante o apartheid e não tirar as conclusões simples? Mude a expressão Israel por apartheid sul-africano e pense no que se diria de alguém que se negasse a extinguir, suprimir, aquele regime. Pois é disso que se trata e foi essa a luta de Mandela e seus companheiros, mesmo que o acordo que pôs fim ao apartheid acabasse mantendo as principais estruturas econômicas anteriores.

Sobre a proposta de dois Estados em um mesmo espaço: será que não é óbvio que isso é absolutamente impossível em um pequeno espaço como aquele? Será que não percebe que essa proposta objetiva acabar com o direito de retorno de 5 milhões de palestinos, muitos dos quais vivem em guetos infames dentro e fora do território da Palestina histórica? Será que é muito difícil entender que, sem reverter a injustiça fundacional da Partilha de 1948, não haverá nenhuma paz na região?

Será que é difícil entender que a pressão externa sobre Israel é um importante instrumento auxiliar à justa luta dos palestinos pela restituição dos seus direitos expropriados há mais de 65 anos, dentro e fora das fronteiras de 1948?

Se Caetano fosse coerente com a simpatia que diz sentir pelos que sofrem a ocupação, por que não apoia o boicote às atividades ligadas a ela, como uma parte dos que apoiam o BDS parcialmente? Mas isso é anátema para os sionistas que consideram os colonos parte do “Estado Judaico”…

A única coisa que faz é desqualificar arrogantemente os “garotos militantes” do BDS, culpados de terem “formas altivas de intolerância”. Só esquece que eles possuem uma estatura moral muito superior à do artista consagrado, envelhecido nas ideias e acovardado, que tenta ser “imparcial” na luta entre oprimidos e opressores.

Ninguém é obrigado a manter o seu erro, mas o passo atrás que Caetano deu fez com que continuasse do mesmo lado, só mais confortável para se defender. Aguardemos os desdobramentos dessa polêmica pública.

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