Zé Maria durante greve da Mannesman

São José dos Campos, Vale do Paraíba, São Paulo. O ano é 2008. Metalúrgicos da General Motors derrotam a tentativa da multinacional de impor o sistema de banco de horas na fábrica da cidade. Fortaleza, capital cearense, mesmo ano. Uma forte e radicalizada greve de operários da construção civil enfrenta a truculência dos patrões e da polícia, arrancando um dos maiores reajustes da categoria no país. Em Belém, no Pará, operários da construção civil fazem forte
mobilização e uma campanha salarial vitoriosa.

O que têm em comum mobilizações e categorias tão diferentes e distantes entre si? São a expressão sindical da união entre a combatividade da classe operária e uma direção de luta. São exemplos de categorias cuja direção não abandonou o campo da classe trabalhadora e que mantém o socialismo como horizonte. Em outras palavras, direções socialistas revolucionárias.

O PSTU completa 15 anos estabelecendo um marco pouco comum no movimento de massas. É uma das poucas organizações socialistas revolucionárias no mundo com uma real intervenção no movimento operário, ainda que minoritária. Posição que permite hoje cumprir um papel decisivo na construção da Conlutas, aliado a setores independentes e do PSOL.

Tal característica, porém, não surge do acaso. É fruto de uma política consciente de inserção no movimento operário. Uma história que começou com o surgimento da principal corrente que deu origem ao partido, há mais de 35 anos.

Junto à classe
O ano agora é 1974, período em que se funda a corrente Liga Operária, antecessora da Convergência Socialista. Em plena ditadura militar, um pequeno grupo de militantes, inspirados no dirigente trotskista argentino Nahuel Moreno, decide construir no país uma organização para ser a base de um futuro partido operário.
Com o movimento operário esmagado pela ditadura, a Liga Operária decide concentrar sua atuação no efervescente movimento estudantil que começava a se levantar após anos de paralisia. O objetivo era acumular quadros para poder intervir de forma concreta no movimento operário, o que se tornou possível alguns anos depois. A Liga então começou a atuar na região que seria o centro do grande ascenso operário do final da década de 1970, o ABC Paulista.

No olho do furacão
Em 1978, já no final do governo Geisel, os operários voltavam à cena política. A crise econômica internacional afetava o país e os trabalhadores sofriam com a inflação e o arrocho. Geisel tentou sua lenta “distensão” a fim de conter o desgaste do regime. A revogação do AI-5 abriu espaço para as mobilizações, que despontavam já naquele ano. Nessa época, a Liga já contava com quadros estruturados no ABC, cumprindo um importante papel nessa primeira onda de mobilizações.
“Éramos uma organização cuja maior parte dos militantes estava no movimento estudantil ou em outros setores da intelectualidade. Tínhamos poucos militantes no movimento operário, particularmente no ABC”, conta José Maria de Almeida, o Zé Maria, então jovem estudante de matemática da Fundação Santo André e metalúrgico da Cofap.

No ABC, a greve começou na Scania. “Tínhamos um companheiro lá, que desempenhou um papel muito importante, o Danilo”, lembra Zé Maria. Na Cofap, além de Zé, havia um outro militante da corrente morenista, o “Cipó”. Juntos, organizaram e dirigiram a greve na empresa. “Companheiros de outras fábricas também ajudaram nesse processo de mobilização”, relata.

As greves impulsionadas a partir das empresas, porém, não se generalizaram. Apesar de ter marcado a retomada das mobilizações operárias, a primeira onda de paralisações não se unificou. “Isso teve a ver com o próprio papel das burocracias dos sindicatos que, apesar de se enfrentar com os pelegos, ainda eram burocracias”, afirma o dirigente. O estopim aceso na greve da Scania, porém, iria explodir nas mobilizações operárias do ano seguinte.

Proposta da Convergência
detona lutas unificadas

No histórico congresso de metalúrgicos realizado em Lins (SP) em 1979, o mesmo em que Zé Maria apresentou a proposta da criação de um partido dos trabalhadores, outra proposta aprovada pela então Convergência Socialista seria determinante para a onda de greves naquele ano. “Aprovamos uma proposta de fazer uma campanha salarial unificada em todo o estado de São Paulo. Então, o processo de mobilização se desenvolveu a partir da nossa proposta levada através do sindicato de Santo André”, relata.

A unidade dos metalúrgicos fortaleceu a campanha salarial. Nas negociações com a patronal, no entanto, os trabalhadores se dividiram. De um lado, os representantes dos sindicatos do ABC; de outro, o resto da Federação dos Metalúrgicos que, segundo Zé, “reunia o grosso da pelegada”. Esse setor fez um rápido acordo rebaixado com a Fiesp. Já os representantes do ABC tinham a liderança de Lula, que chefiava as negociações com mão de ferro. Na prática, a única pessoa com direito a voz na reunião era o advogado dos sindicatos.

Na ocasião, Zé Maria representava Santo André, eleito pela assembleia de base dos metalúrgicos. “Era um conflito, pois não podíamos nos expressar, e Lula bancava o advogado, era um negociador muito ruim, começava a reunião já rebaixando nossas reivindicações”, conta Zé. Isso levou os sindicatos do ABC a acertarem com a Fiesp o mesmo acordo aprovado pelos pelegos.

Nas assembleias, porém, o resultado foi bem outro. Em Santo André, por exemplo, os militantes da Convergência haviam organizado uma forte campanha salarial pela base, com assembleias e a organização de grupos nas empresas. Os operários estavam mobilizados e já preparados para a greve. Junto a isso, havia uma radicalização muito grande em São Bernardo do Campo e em São Caetano do Sul.

As direções, incluindo Lula, foram às assembleias com a proposta da Fiesp. Ao chegar à reunião em São Bernardo, porém, Lula foi recebido com um coro de “greve, greve”. Esperto, mudou de posição e chamou a paralisação. “Em Santo André, o Benedito Marcílio, que era o presidente do sindicato, começou a ler a proposta e todo mundo começou a gritar ‘rasga, rasga!’, e ele teve que rasgar a proposta da Fiesp! Foi decretada greve, contra a vontade dele”, relembra Zé Maria. Desta vez, a onda de greves desatada no ABC se espalhou por todo o estado, confrontando não só os patrões mas o próprio regime militar.

A atuação da então Convergência Socialista teve papel fundamental nesse processo. Não só em Santo André mas também em São Caetano, onde a CS dirigia a oposição. Toninho, operário da região, propôs a greve passando por cima dos pelegos. Em Jundiaí, Romildo Raposo, dirigente da corrente, que nem sequer era operário, comandou a mobilização na categoria. Já em São José dos Campos, os metalúrgicos foram para a frente do sindicato e, contra a direção da entidade, decretaram greve.
“Tínhamos então uma militância pequena, mas extremamente sintonizada com a situação política do momento e a consciência avançada dos trabalhadores”, afirma Zé Maria.

Fundação da CUT
O ascenso do final da década de 1970 mostrou a necessidade de os trabalhadores se organizarem, tanto política quanto sindicalmente. Já em 1980 ocorre a fundação do Partido dos Trabalhadores e, três anos depois, a criação da Central Única dos Trabalhadores, que viria a ter papel crucial nas mobilizações dos anos seguintes.

De 1980 a 1983, a Convergência Socialista decidiu atuar prioritariamente no movimento estudantil, adotando o nome de Alicerce da Juventude Socialista. Com a fundação da CUT, a corrente reorientou sua militância ao movimento sindical, retomou seu nome e centrou força na organização das oposições cutistas. Ajudou assim a conquistar a direção de importantes sindicatos, como o dos metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem já em 1984 e o de bancários no Rio de Janeiro em 1985, assim como o dos metalúrgicos de São José dos Campos.

Desde o início da CUT a CS, ao mesmo tempo em que construía a central, travou uma dura batalha contra o grupo dirigido por Lula e que viria a formar a Articulação Sindical. Desta forma, a atuação da corrente se dava tanto por meio das greves que desenvolviam na época quanto na luta pela CUT e pelos princípios de classe segundo os quais ela fora fundada.

Ocupação da Mannesmann
O final da década teve um novo ascenso operário, cujo ponto alto foi a greve da siderúrgica Mannesmann, em Contagem, em 1989. O governo Sarney, em seu final, enfrentava um profundo desgaste, tendo o movimento coincidido com uma greve geral de dois dias contra o “Plano Sarney”. Naquela época, a Convergência tinha uma implantação maior na classe operária. Zé Maria, agora morando em Minas, era diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e foi uma das principais lideranças da greve na Mannesmann.

A paralisação na siderúrgica coincidiu com uma série de mobilizações, inclusive uma forte greve com ocupação na Belgo Mineira, em Contagem, que durou dois dias. Os trabalhadores ocuparam a siderúrgica e enfrentaram uma ordem de reintegração de posse. “O comando da Polícia Militar da área de Contagem chamou a direção do sindicato lá no quartel; eu estava na Mannesmann, saí e fui para a reunião”, relembra Zé. Com a lembrança da tragédia na CSN ainda fresca na memória, a polícia hesitou em invadir a Belgo. Por fim, “trancou” o sindicato e a empresa numa sala até que se chegasse a um acordo. A empresa acabou aceitando as reivindicações dos trabalhadores.

Na Mannesmann, porém, a empresa não aceitou qualquer conversa e exigiu o cumprimento da reintegração de posse. Mas os operários entrincheirados na siderúrgica não recuaram nem aceitaram negociar com o Batalhão de Choque. O então governador de Minas, Newton Cardoso, com medo de manchar com sangue seu governo, impediu que a reintegração se cumprisse. “Ficou assim durante dez dias até que o comando da polícia entrou em contato com o governo federal e a própria ministra do Trabalho, Dorothea Werneck, ligou para o sindicato e negociou com a gente”, afirma Zé Maria.

O governo fez a empresa negociar e enviou um representante para a assembleia dos trabalhadores como garantia. A proposta era a mesma firmada na Belgo. A vitória na Mannesmann mostrou a força do movimento operário e entrou para a história como um dos momentos mais importantes da Convergência Socialista.

Ruptura com a CUT e
fundação da Conlutas

A luta contra a burocratização da central se estendeu por toda a década de 1990. Foram os anos de refluxo do movimento sindical, de ataques do neoliberalismo e de grandes traições dessa direção, como as negociações das câmaras setoriais e do banco de horas no ABC.

A posse de Lula em 2003 mudou qualitativamente esse processo. A CUT virou governo, passou a ocupar cada vez mais cargos oficiais e a atuar em órgãos como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o “conselhão”, e o Fórum Nacional do Trabalho. Mais do que isso, passou a gerir verbas do FAT e convênios com ministérios, tornando-se cada vez mais dependente do Estado. O apoio da central à reforma da Previdência de Lula expressou essa nova realidade.

Em 2004, com a mesma ousadia com que a então Convergência se lançou à construção da CUT, o PSTU impulsionou o chamado de ruptura com a central e de construção de uma nova alternativa de luta.

A crise econômica
e os desafios atuais

Voltamos agora a 2009. Já se passaram trinta anos da onda grevista de 1979 e vinte anos da greve na Mannesmann. Os desafios, porém, não só continuam como são ainda maiores. Estamos diante de uma profunda crise estrutural do capitalismo e os trabalhadores veem seus empregos e direitos ameaçados. Nos setores em que atua, o PSTU ajuda a impulsionar a luta contra as demissões, como é o caso da Embraer e da Vale.
A construção da Conlutas, nesse sentido, é um dos maiores, se não o maior desafio colocado para o PSTU nestes 15 anos e para a corrente morenista nestes 35 anos.

Post author
Publication Date