Sobre Encontro nacional de movimentos sociais convocado pelo MST

Circula nas redes sociais uma carta convite para uma plenária nacional de movimentos sociais a se realizar no dia 5 de agosto. A carta é assinada pelo dirigente do MST, João Pedro Stédile e pela companheira Paola Estrada, da ALBA. O objetivo seria debater a situação atual do país e as tarefas dos movimentos sociais frente a ela. No entanto, a carta convite adianta uma avaliação e, principalmente, uma estratégia política frente ao cenário que se abriu no país com as manifestações de junho.

No texto, os companheiros avaliam que “o governo Dilma assustado com as mobilizações dos jovens tentou tomar iniciativa política com a proposta de Constituinte, do plebiscito e dos 5 temas de mudança. Mas, em nossa opinião, vem sendo sistematicamente derrotada por sua própria base parlamentar…”. Afirma que a “agenda principal agora é lutar por reformas políticas…” para “a partir da reforma política, abrir a possibilidade das reformas estruturais, como reforma agrária, prioridade dos recursos públicos para educação, saúde, transporte público…”.

A partir deste raciocínio, propõe aos movimentos “abraçar a bandeira da realização de um plebiscito popular, a ser organizado, coordenado e realizado por todas as forças populares…”. E que este plebiscito “deveria ter apenas uma única questão: Você aprova a convocação de uma Constituinte exclusiva, a ser eleita pelo povo, de forma independente, para fazer as reformas políticas no país?”. Propõe este como o grande objetivo das lutas dos trabalhadores neste período.

Chega a chamar a paralisação nacional convocada pelas centrais sindicais para 30 de agosto de “paralisação pelas reformas”, como se não soubessem que reforma política e plebiscito sequer constam na pauta de reivindicações aprovadas pelas centrais. Da mesma forma, propõem que seja este o signo das mobilizações do Grito dos Excluídos até a luta contra os leilões das reservas de petróleo em outubro.

Para tentar dar algum sentido lógico a tudo isso, a carta apresenta uma avaliação de que “é muito difícil arrancar nesse momento conquistas, mesmo das pautas mais econômicas”. E o faz justamente num momento em que diversos governos, acuados pelas mobilizações populares, foram obrigados a recuar no aumento dos preços das passagens. Os companheiros sugerem, na carta convite ao encontro de 5 de agosto, que é preciso mudar o sistema político para que os trabalhadores possam obter vitórias econômicas.

Nós também consideramos importante promover mudanças no sistema político brasileiro, que é totalmente controlado pelos grandes grupos econômicos. É do interesse dos trabalhadores medidas como a redução dos salários dos políticos, a prisão e o confisco dos bens dos corruptos e corruptores; proibição de financiamento das campanhas por empresas; a revogabilidade dos mandatos, dentre outras. Mas é esse o debate que estará colocado numa eventual Constituinte Exclusiva? Os companheiros da direção do MST acreditam mesmo nisso?

Por outro lado, que o Congresso Nacional que aí está só vota projetos contra o povo nós sabemos sim. Ele é controlado pelos bancos e grandes empresas. Por isso estamos fazendo mobilização em todo o país (como o protesto de 11 de julho) para exigir dos deputados e senadores a derrubada do veto ao fim do Fator Previdenciário, o arquivamento do PL 4330 (das terceirizações) e o PL 092 (que privatiza os serviços públicos de saúde e educação), entre outras demandas. Mas é por conta disso que Dilma não atende às reivindicações dos trabalhadores brasileiros? Desculpa esfarrapada.

De qualquer forma, a questão mais importante que se coloca aqui é outra: É correto, num momento de ofensiva da luta dos trabalhadores no Brasil – como o que estamos vivendo – colocar em segundo plano as nossas reivindicações para lutar por uma Constituinte?

É preciso, mesmo, uma Constituinte para que Dilma suspenda o pagamento da dívida externa e interna e invista estes recursos em políticas para melhorar a vida do povo? Para que Dilma suspenda os leilões das reservas de petróleo e pare as privatizações? É preciso uma Constituinte para que o governo Dilma decida investir 10% na educação pública? Ou para que Dilma pare de dar dinheiro para o Agronegócio e invista na reforma agrária?

Todos nós e isso inclui, seguramente, os que assinam a carta convite, sabemos que não. Sabemos que estas são decisões de governo, e que não são tomadas porque o governo não quer. O argumento de Dilma (em junho) e de João Pedro Stédile (agora), de que é preciso uma Constituinte, busca apenas livrar a cara do governo frente à cobrança das manifestações de rua e da luta dos trabalhadores, que ganha novo patamar com o protesto de 11 de julho e a paralisação nacional marcada para 30 de agosto.

Houve uma mudança na realidade política do país, com a entrada em cena de milhares, na verdade, milhões de pessoas, com a juventude popular, estudantil e trabalhadora. Os governos estão na defensiva, inclusive o governo de Dilma, do PT, e partidos aliados. E as massas estão na ofensiva. Mais fortes agora, depois da entrada organizada dos trabalhadores na luta, em 11 de julho. Esta conjuntura coloca a possibilidade de uma greve geral que derrote o modelo econômico atual e aponte um programa de ruptura com os interesses capitalistas. Isto não é pauta econômica. É a pauta mais política que se pode levantar neste momento: contrapor os interesses dos trabalhadores aos interesses do grande empresariado.

É deste problema que a presidenta Dilma quer fugir. Seu governo tem atendido religiosa e prontamente todos os interesses dos grandes capitalistas e ignorado solenemente os interesses da classe trabalhadora (que o digam aqueles que lutam pela reforma agrária no Brasil). Se a luta dos trabalhadores avançar na busca por suas reivindicações, vai ameaçar necessariamente os privilégios da burguesia, mantidos pelo modelo econômico vigente. E vai chocar-se, portanto, com o seu governo, que sustenta este modelo econômico.

A estratégia proposta pela carta convite ao encontro de 5 de agosto acaba tendo a mesma função, então, da Constituinte e do plebiscito proposto por Dilma no auge das mobilizações de junho: a de uma cortina de fumaça, para tentar desviar os trabalhadores da luta que pode – e deve – colocar em cheque o modelo econômico vigente, porque ele atende tão somente aos interesses dos bancos e grandes empresas. E desviar as lutas para que não se choquem com os governos atuais que aplicam este modelo.

E nós precisamos sim, questionar o modelo econômico que aí está, e também os governos que o aplicam. É isso que pode levar às mudanças que precisamos no país, afirmando um programa econômico e de governo alternativo, que atenda aos interesses dos trabalhadores. A plataforma unificada da Jornada Nacional promovida pela CSP Conlutas, CUT Pode Mais, FERAESP, CNTA e Setor Majoritário da Condsef é uma referência para a construção deste programa:

  1. Melhoria da qualidade e diminuição do preço dos transportes coletivos: chega de desrespeito à população, mais ônibus e metrôs de qualidade;
  2. Congelamento dos preços dos alimentos e tarifas públicas – Aumento geral dos salários;
  3. 10% do PIB para a educação pública: pagamento do piso nacional aos trabalhadores em educação, escola pública de qualidade para todos;
  4. 10% do orçamento para a saúde pública: saúde não é mercadoria, chega de filas e mortes nos hospitais públicos;
  5. Fim dos leilões das reservas do petróleo: chega de privatização e entrega do patrimônio brasileiro;
  6. Fim do fator previdenciário e aumento do valor das aposentadorias: respeito e dignidade para quem construiu esse país;
  7. Redução da jornada de trabalho: trabalhar menos para ter qualidade de vida e tempo para a família;
  8. Contra o PL 4330: chega de terceirizações e precarização do trabalho;
  9. Reforma Agrária: terra para quem nela vive e trabalha;
  10. Salário igual para trabalho igual: basta de discriminação à mulher no trabalho;
  11.  Não pagamento da dívida externa e interna aos banqueiros e especuladores;
  12.  Contra as privatizações do patrimônio e dos serviços públicos;
  13.  Chega de recursos públicos para as grandes empresas (desonerações, isenções fiscais, créditos subsidiados e etc…);
  14.  Cobrança imediata das dívidas das grandes empresas (nacionais e estrangeiras) com o INSS, FGTS, BNDES  e Bancos Estatais;
  15.  Redução da taxa de juros e fim do superávit primário;
  16.  Contra toda forma de discriminação e opressão;
  17.  Contra a criminalização das lutas e das organizações dos trabalhadores e da juventude. 

 

*Zé Maria é metalúrgico e membro da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.
*Élio Neves é assalariado rural e presidente da FERAESP – Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo