Marcadas para daqui a um ano, as eleições presidenciais paraguaias já começam a atrair a atenção da esquerda latino-americana. Isso porque, aos poucos, o ex-bispo católico Fernando Lugo, pré-candidato presidencial, vem se tornando o favorito em todas as pesquisas eleitorais. O último levantamento publicada pelo jornal paraguaio “Última Hora” aponta que o ex-bispo lidera as intenções de votos com 37,3%, seguido por Lino Oviedo (16%). O atual presidente do país, Nicanor Duarte Frutos, vem na terceira colocação, com 14,9%.

O Paraguai é o segundo país mais pobre da América do Sul, só perdendo para a Bolívia. Sua economia é fortemente calcada na chamada economia informal. Além disso, o país enfrenta a invasão da monocultura de soja. Muitos latifundiários brasileiros compraram terras paraguaias para ampliar a sua produção e expulsaram pequenos agricultores paraguaios de suas terras.

O país também mantém uma grave crise política que se expressa em constantes e violentas crises. Sua máxima expressão foi o “março paraguaio” de 1999. Nessa data, o assassinato do vice-presidente Luis Maria Argaña desatou protestos em todo o país, protagonizados, sobretudo, pela juventude. Os protestos dirigiram-se contra o então governo do presidente Raúl Cubas, político ligado ao general Lino Oviedo. Os manifestantes foram duramente reprimidos e, na madrugada do dia 25 de março, franco-atiradores ligados a Oviedo e Cubas mataram oito pessoas. O episódio ficou conhecido como o Massacre do Março Paraguaio. Oviedo fugiu para a Argentina, mas foi capturado em seguida e hoje cumpre pena de 10 anos por uma tentativa de golpe militar, em 1996.

O atual presidente Nicanor Duarte Frutos, do Partido Colorado, pretende concorrer à reeleição, mas para isso vai ter que alterar a constituição do país, que proíbe a reeleição presidencial.

Outro forte candidato da direita paraguaia é o vice-presidente, Luis Castiglioni. Empresário da construção, Castiglioni é chamado em Assunção de “homem dos Estados Unidos“ e já afirmou diversas vezes que, caso eleito, vai buscar um acordo de livre comércio com Washington. Ele também defende a presença de tropas ianques no país.

O aumento da pobreza e a conseqüente deterioração das condições de vida do povo fermentaram a insatisfação popular contra anos de neoliberalismo e corrupção e compõem o pano de fundo da conjuntura eleitoral paraguaia. Essa realidade também reflete os novos ventos que sopram na América Latina. O desgaste dos planos do FMI e o sentimento de mudança pelo qual clamam os povos do continente têm se refletido de forma distorcida, proporcionando a vitória eleitoral de governos com verniz de esquerda pelo continente. Uma vez eleitos, entretanto, esses governos traem as expectativas da população e não promovendo nenhuma ruptura de fato com o imperialismo.

Uma candidatura de ‘esquerda’
Nesse contexto surge a candidatura de Lugo. Ex-bispo de São Pedro, uma das regiões mais pobres e com maior conflito social no país, suas atividades políticas ganharam peso março de 2006, quando ele encabeçou um dos maiores protestos contra o governo Nicanor Duarte.

Lugo se apresentou na arena política com a intenção de liderar um amplo movimento nacional para derrotar o Partido Colorado, que está há mais de 60 anos no poder. Atualmente, sua candidatura enfrenta um problema jurídico, pois a constituição do país proíbe que um religioso se postule ao cargo eleitoral. Embora tenha largado o sacerdócio em dezembro de 2006, o Vaticano manteve seu estado eclesial, o que dá margem para os colorados dizerem que Lugo não pode ser nem mesmo candidato.

Em seus discursos, o ex-bispo fala em reforma agrária, em combate a corrupção, em combater as máfias do poder e da necessidade de recuperar a soberania energética do país. Nessa última questão, Lugo propõe a renegociação do tratado energético de Itaipu.

Assinado em 1973, durante as ditaduras paraguaia e brasileira, o tratado permitiu a construção da represa de Itaipu, mas também estabeleceu várias desigualdades, como a obrigação de que o Paraguai ceda apenas ao Brasil seu excedente da metade da energia, a um preço ínfimo com relação ao de mercado. Lugo disse que, caso eleito, irá rever o tratado, o que faria o Paraguai vender sua energia a US$ 1,8 bilhão anuais, em vez dos US$ 240 milhões atuais.

Com seu discurso, Lugo vem atraindo o apoio de diversas organizações populares, sindicatos e partidos da esquerda paraguaia. Entretanto, mal sua campanha iniciou, Lugo já começou a procurar apoio no que há de mais odioso e conservador na política paraguaia.

Pacto com Oviedo
No dia 5 de março, Lugo já dava mostras que pretendia ampliar sua aliança e construir uma candidatura de Frente Popular com representantes políticos da burguesia paraguaia. Nessa data, o ex-bispo declarou sua adesão à Concertación, aliança de partidos burgueses que fazem oposição aos colorados.

Mas as tentativas de formar uma Frente Popular não terminaram por aí. No dia 29 de março foi realizada uma grande marcha de protestos contra as violações constitucionais e as políticas de fome do governo. O protesto já é uma tradição no país, mas neste ano a marcha se converteu em um ato de apoio eleitoral a Lugo, perdendo seu caráter de uma frente ampla de lutas. No protesto, Lugo declarou publicamente que não descartava formar uma chapa presidencial como Lino Oviedo. “Não descarto que podemos ir juntos”, disse.

A marcha contou com 15 mil pessoas, a grande maioria de “oviedistas”. “O êxito da marcha teve um apoio chave: Lino Oviedo, que mobilizou seus seguidores para dar a mão ao homem que emerge como o único opositor capaz de derrotar o Partido Colorado”, escreveu um jornalista do país (Última Hora 30/03). A declaração de Lugo contrasta com a própria origem da marcha. Na mesma data se comemoram os oito anos do março paraguaio, justamente quando oito jovens perderam sua vida lutando contra o oviedismo.

Como se não bastasse, Lugo chegou a usar um lenço colorado que recebeu de militantes de uma ala desse partido.

A mudança de caráter da marcha levou o Partido dos Trabalhadores (partido filiado à LIT no Paraguai) a não participar dela. Em uma carta Aberta, o PT qualifica as declarações de Lugo como uma falta de respeito àqueles que deram suas vidas na luta contra o golpista Oviedo. “Nós não esquecemos os mártires do março paraguaio e nem limpamos a imagem de seus assassinos”, diz o texto.

Apesar do seu discurso, Lugo não propõe nenhuma ruptura conseqüente com o imperialismo e a burguesia do país. Em seu blog de campanha, o candidato defende como um dos eixos fundamentais a reconciliação nacional: “Deixar de lado os rancores e trabalhar pela unidade de todos os paraguaios. Sem perdão e nem reconciliação não pode existir paz”, explica. A julgar pelas suas palavras, a unidade que Lugo propõe será construída com inimigos e assassinos dos trabalhadores como Oviedo e os tradicionais partidos burgueses do país.

Na carta, o PT paraguaio finaliza com um chamado a construir uma candidatura do povo trabalhador a serviço das lutas e contra o Partido Colorado. Mas adverte: “essa luta contra os colorados, deve-se dar sem a Concertación Nacional e sem os oviedistas”.
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